Aos 78 anos, as preocupações de um aposentado carioca, que prefere não se identificar, vão muito além dos cuidados com a saúde, o que costuma ser prioridade para a maioria dos idosos. Para ele, o dia a dia se resume a fazer contas e tentar ajustar o apertado orçamento às dívidas que veio adquirindo desde 2005. Nos últimos 11 anos, o inativo luta para pagar uma infinidade de empréstimos, que somados, ultrapassam R$ 50 mil.
— Comecei a me endividar quando minha mulher ficou doente. Tive que fazer empréstimos para pagar o tratamento e, depois disso, não consegui mais organizar minha vida financeira. Quando chega o início do mês, tudo o que recebo vai para o pagamento de consignados . Além disso, como sou policial aposentado, tenho sofrido ainda mais com os constantes atrasos de salários — contou.
Com o pagamento de mais de seis empréstimos, até 2019, o inativo viu sua renda minguar. Além de ajudar no orçamento da casa onde mora, com parentes, ele ainda precisa comprar medicamentos. As dívidas acumuladas, afirma, o levaram à depressão.
— Tenho dificuldades para dormir e fico muito deprimido. Eu quero pagar, mas me envolvi numa ciranda que parece não ter fim.
O aposentado carioca não está sozinho. Um estudo feito pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC ) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) revelou que não é somente o bolso que sai prejudicado quando o consumidor deixa de pagar as contas. Segundo o levantamento, 65,6% dos inadimplentes se sentem deprimidos, tristes e desanimados por deverem, e 16,8% reconhecem que, por não conseguirem pagar as contas, passaram a descontar a ansiedade em algum vício.
— Dois principais motivos têm levado os brasileiros a não pagarem suas dívidas: o primeiro está relacionado à crise, que causou desemprego e queda de renda. O segundo, ligado à falta de planejamento, que causa descontrole nos gastos e, consequentemente inadimplência — diz a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti.
A crise dos superendividados
Para além das dívidas do dia a dia que causam dor de cabeça, existem os chamados superendividados — aqueles consumidores que devem um percentual que os impede de honrar, inclusive, contas consideradas essenciais, como aluguel e alimentação. Não há uma estatística específica de consumidores neste perfil, porém, destaca Patrícia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Rio, estima-se que milhares de pessoas vivam nessa situação.
— O superendividado é aquele que gasta muito além do que ganha e, assim, não consegue pagar nenhuma conta. O grau de comprometimento da renda é tão alto que a pessoa fica presa na dívida por anos, até décadas, sem conseguir colocar a vida financeira em dia — disse.
Aos 49 anos, o analista de sistemas carioca, que preferiu não se identificar, se reconhece nessa situação. Segundo ele, o total que precisa quitar passa de R$ 100 mil. Porém, com sua renda atual, não consegue pagar. A solução, segundo ele, foi buscar a Justiça para tentar a negociação com os credores.
— A crise financeira me afetou, e eu, como chefe de família, tentei buscar alternativas para não deixar meus filhos passarem necessidade. Porém, entrei numa verdadeira bola de neve. Os juros das dívidas com o cartão e o cheque especial se acumularam e, definitivamente, não consigo pagar — lamentou.