A cidade de Amargosa acorda hoje ainda sem saber como expressar a morte da pequena Maria Vitória Santos Souza, alvejada na cabeça na quarta-feira, dia em que completava 1 ano e um mês de vida, durante uma operação policial no bairro de Katyara. A revolta logo após o crime invadiu a madrugada e resultou na depredação de mais de 50 veículos, muitos deles incendiados. Além disso, a delegacia foi invadida, presos foram libertados e armas roubadas. A população também acabou tocando fogo do prédio. Ontem, mais de mil pessoas atravessaram a cidade para sepultar a criança, ora chorando, ora em silêncio e ora com palavras de protesto. “Ôôô, foi Carlos quem matou!”, acusava a multidão. Veja também: Em depoimento, policial de Amargosa afirma que não atirou dentro da casa onde bebê morreu Prédio da delegacia de Amargosa teve destruição total e corre risco de desabar Após noite de caos, arma de policial é apreendida e segurança é reforçada em Amargosa Após caos, secretário de Segurança Pública se reunirá com autoridades em Amargosa Caos em Amargosa: delegacia é invadida, presos são soltos e carros queimados Carlos é um dos seis policiais civis lotados na cidade, que fica no Centro-Sul da Bahia. No final da tarde de quarta-feira, ele, acompanhado de um policial militar identificado por populares apenas como Aurélio (que não estava fardado), desceu de um carro preto para uma abordagem na casa de nº 23 do trecho da BA-026 que passa pelo município. Segundo testemunhas, na porta da casa havia três homens que conversavam. “Ele (Carlos) parou o carro preto, meio que subiu na porta do carro e gritou, para mim: ‘perdeu, viado’ e deu um tiro”, contou o balconista Wellington Jesus Trindade, 22 anos. Esse primeiro tiro marcou a fachada da casa, que minutos depois teria mácula ainda maior. Wellington garante ser “pessoa de bem”, assim como os dois amigos que o acompanhavam. Diz não entender o que teria motivado o policial a atirar. Wellington conta que, após o primeiro tiro, ele entrou na casa e o policial veio atrás. Segundo familiares da vítima, mesmo dentro da casa, o policial continuou atirando, deflagrando ao menos três tiros. Um deles atingiu a testa da pequena Vitória, no colo do pai, sentado no sofá da sala. “O pai entrou em desespero, tentou segurar o policial, exigindo socorro à criança. Ele disse ‘que nada, desgraça’ e queria fugir”, conta a tia de Vitória, Letícia de Almeida Santos. Populares contam que, após a ação, tiveram que impedir o carro usado pelos policiais de sair, enquanto a mãe de Vitória, a dona de casa Adriele de Almeida Santos, entrou no veículo para que eles fossem para o Hospital Municipal. Com o rosto já completamente deformado, Vitória deixou a casa ainda respirando, segundo Letícia, passou pelo Hospital Municipal, foi levada a Santo Antônio de Jesus, cidade vizinha, mas já estava morta. “Levaram só por levar, ela morreu no caminho depois que saiu de casa, coitada, tão linda”, diz Letícia. Revolta“Sabe o que foi isso? No hospital, ele (Carlos) chegou lá com o nariz todo branco, até o médico perguntou o que era. Ele estava cheio de droga e, fora de si, acabou fazendo isso aí com minha filhinha”, suspeita o pai da criança, o comerciante Luiz Carlos da Silva Souza, 23. Logo após o crime, o bairro de Katyara se uniu e fez uma série de barricadas assim que foi confirmada a morte da criança. Em nota, a Polícia Civil informou que um grupo formado por homens armados e encapuzados se infiltrou no protesto de familiares da criança e iniciou os atos de vandalismo. A primeira barricada foi na saída da cidade. Logo depois, ao menos 30 pessoas seguiram para a delegacia, que fica no bairro Urbis I. Primeiro, tocaram fogo nos carros e motos apreendidos, que estavam na frente da delegacia. O fogo se espalhou e invadiu o prédio. Na delegacia havia 16 presos custodiados, que foram soltos. “Eles não fugiram, a polícia soltou para que eles não morressem lá queimados”, conta a aposentada Raimunda da Cruz Gomes, 58, mãe de um dos detentos, preso há cinco meses por suspeita de roubo a um comércio e, agora, foragido. Ainda na delegacia, que foi revirada, armas e dois coletes à prova de balas foram levados. O delegado Moisés Damasceno não soube especificar o número de armas levadas, mas disse que, entre elas, estavam duas espingardas calibre 12 de policiais civis, que foram recuperadas. “A polícia chegou em minha casa, bateu nos meus netos, exigindo que eu devolvesse as armas que eu não tenho. Se meu filho aparecer, eu sou a primeira a fazer questão de entregar, mas não sei onde ele está”, diz Raimunda. Escrivã do fórum e moradora do bairro de Katyara, Cleude Santana, 52, explica: “Ninguém aqui é contra polícia, mas a gente também não quer uma polícia que é contra a gente. Tem criminosos na Katyara? Tem, assim como tem criminosos de toga, criminoso de farda e de distintivo. O que não pode é a polícia agir de forma violenta como age”. A revolta durou cerca de cinco horas, das 19h a 0h. No balanço, 40 motos que estavam apreendidas, 16 carros, um ônibus escolar e um caminhão foram queimados. Versão da políciaOs nomes dos policiais militar e civil envolvidos na operação que acabou com a morte de Maria Vitória não foram divulgados nem confirmados pelas autoridades policiais. A polícia também apresentou uma versão diferente do que os moradores contam. Segundo o delegado Moisés Damasceno, diretor do Departamento de Polícia do Interior (Depin), Wellington não era o alvo da operação. A meta seria um traficante de prenome Ricardo, conhecido como Rick. “Ele tinha mandado de prisão preventiva em aberto, participou de alguns homicídios na cidade no final de abril”, disse. Segundo o delegado, foi durante uma ação para prender um acusado de participar no roubo de uma moto, nas imediações do fórum da cidade, que o policial civil reconheceu Ricardo e deu voz de prisão. Ricardo fugiu e, finalmente, acabou entrando na casa onde a criança estava. Além disso, em depoimento na corregedoria, ontem à tarde, o policial negou que tenha atirado dentro da casa. Investigação Segundo o secretário da Segurança Pública, Maurício Barbosa, nenhuma arma foi encontrada na casa da criança. Ele não quis comentar a versão dos policiais. “A verdade vai ter que aparecer, isso se for a verdade do que os policiais estão dizendo ou a verdade que as pessoas que testemunharam o fato venham a dizer. Temos argumentos de ambos os lados”, afirmou, ao sair de reunião, ontem à tarde, no fórum de Amargosa, junto com a prefeita, Karina Silva. Barbosa afirmou que aguarda resultado das perícias e depoimentos para se posicionar administrativamente. “Prefiro me manter isento até que a verdade chegue”, completou. Matéria original: Correio24h"Ele estava cheio de droga, fora de si", diz pai de criança morta em Amargosa sobre policial
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