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Travesti trancada em quarto em chamas não quer mais ser feminina

Para Alef, Jéssica morreu no quarto em que foi vítima de transfobia

Redação iBahia • 12/08/2017 às 16:02 • Atualizada em 27/08/2022 às 22:17 - há XX semanas

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Um sorriso enorme se abriu no rosto de Alef Pereira, de 23 anos, quando viu sua foto na tela de um telefone. Era a primeira vez que ele via o seu rosto em duas semanas. Na última, o viu refletido no espelho de um motel barato em São Gonçalo como a face de Jéssica Pereira, uma travesti que, em seguida, foi asfixiada até desmaiar e trancada num quarto em chamas. A Polícia Civil divulgou nesta sexta-feira o nome do suposto agressor, o foragido da Justiça Fábio Barreto da Silva, de 23 anos. Para Alef, Jéssica morreu naquele quarto, vítima de transfobia, na madrugada do dia 28 de julho.

O rosto, mesmo que emoldurado por queimaduras que marcam o pescoço, lábio e que consumiram quase totalmente a orelha esquerda, é uma das partes mais preservadas do corpo de Alef, que segue internado no Hospital Estadual Alberto Torres, no Colubandê, a quatro quilômetros do local do ataque. Cerca de 50% do corpo foi queimado, principalmente porque o lençol no qual estava enrolada foi molhado com bebida alcoólica, que alimentou as chamas.

Hoje, com o corpo coberto por ataduras que permitem facilmente apenas o movimento do braço direito, Alef falou sobre o ataque. A vasta cabeleira já não existe mais, mas o movimento delicado da mão e as unhas cuidadas ainda insiste em mostrar a suposta causa da agressão.

Jéssica sofreu ferimentos em quase todo o corpo (Foto: Reprodução)



O que você sentiu quando viu a foto do agressor?

Quando a delegada trouxe a foto eu senti muita raiva dele. Muita mesmo. Por que fazer uma coisa dessas comigo? Não tinha motivo. Mas agora eu penso que não é bom sentir raiva. Não me ajuda. Muita coisa mudou.

Como por exemplo...

Eu não sou mais travesti. Não vou mais fazer isso, de ser travesti. Eu me esforçava demais para ser, mas era muito difícil. Ainda é. Eu insistia para poder trabalhar, para ganhar dinheiro. Mas agora vou ser “gay boy” (gay que se veste com roupas masculinas).

E como vai trabalhar agora?


Eu vou procurar um outro trabalho. Para mim, a prostituição nunca foi digna. Eu vou trabalhar com algo digno, vou voltar a estudar.

Você estudou até que série?

Eu fiz até a 8ª. Vou retomar.

Confusão de gênero pós-trauma

Para Well Castilhos, fundador do grupo gay Liberdade, com atuação em São Gonçalo, e especialista gênero e sexualidade pela UERJ, Alef está repensando a sua identidade depois do ataque. Segundo ele, a pessoa acaba se culpabilizando pela violência sofrida.

— É natural que a vítima, sob o efeito da violência e do trauma, repense sua identidade por se sentir culpada. Isso pode acontecer não somente com uma pessoa trans em situação de violência, mas com qualquer pessoa. Mas seja qual for sua decisão, ela deve ser apoiada. Tivemos a oportunidade de conhecer a sua mãe e a irmã, que ficaram todo o tempo a seu lado, e temos certeza que estas a apoiarão em todas as suas escolhas — avaliou.

O crime

Alef, como Jéssica, encontrou Fábio para um programa em Alcântara, em São Gonçalo. Uma amiga de Jéssica, também travesti, chegou a recusar o trabalho porque o cliente tinha um perfil muito agressivo. O casal entrou no hotel na madrugada de sexta-feira. Fábio chegou a deixar o local para comprar bebidas e retornou. Algum tempo depois, saiu novamente. Foi quando outros hóspedes viram as chamas e pediram socorro.

Jéssica estava desacordada, caída, depois de uma tentativa de asfixia com o lençol. O caso foi registrado na 74ªDP (Alcântara). A delegada Carla Tavares usou depoimentos de pessoas que viram Fábio para buscar a identificação do agressor. Jéssica, agora Alef, o reconheceu por fotografia. O acusado já é foragido, sendo condenado por tráfico e roubo.

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