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TEATRO

Lelo Filho fala ao iBahia sobre 25 anos de 'A Bofetada'

Na entrevista a seguir, o ator e diretor comenta sobre a montagem e seus 31 anos de carreira no teatro

• 26/11/2013 às 19:52 • Atualizada em 27/08/2022 às 5:56 - há XX semanas

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Se rir é realmente o melhor remédio, a Companhia Baiana de Patifaria não tem do que reclamar. Em cartaz desde 1988 com a mesma montagem, a Cia. comemora, neste mês, os 25 anos do seu espetáculo de maior sucesso: 'A Bofetada'. Visto por mais de 1 milhão de espectadores, distribuídos em mais de 50 cidades em todo o Brasil, 'A Bofetada' é um dos espetáculos de mais longa duração no país e traça, com leveza e diversão, um retrato bem-humorado do nosso cotidiano. Inteligente e reflexivo, o espetáculo presta homenagem ao teatro através do riso, representando uma espécie de resgate do humor popular, claramente inspirado em chanchadas brasileiras e programas de auditório. Além das risadas garantidas, a peça leva aos palcos por onde passa, discussões políticas e sociais atuais, todas elas muito sagazes. Ao todo são dez personagens interpretados por um elenco de quatro atores, que a cada apresentação se reinventam e deixam, no palco, sua marca. Entre eles está Lelo Filho, que também assina a direção da montagem. Em entrevista ao iBahia, ele falou sobre a montagem, sua trajetória profissional e o amor pelo teatro.
Este mês 'A Bofetada' completa 25 anos. Qual a sensação de estar em cartaz como um espetáculo tão bem sucedido quanto este?Como sou o único que está desde a formação original, de 1988, atuando e produzindo e, desde 2003, também dirigindo o espetáculo, consigo olhar para trás e ver todo trabalho realizado nos bastidores para que 'A Bofetada', não só estreasse, mas também circulasse pelo maior número de cidades possível. Nesses 25 anos, foram mais de 50 cidades de Norte a Sul do Brasil. Conhecemos o país trabalhando e multiplicamos o nosso público dessa forma. A sensação é de que valeu muito a pena, de que faria tudo de novo. Além de ator, você é também diretor da peça. Quais as facilidades e dificuldades de ocupar ambas as posições?Entre 1988, quando estreamos, e o final de 1991 nas temporadas do Rio de Janeiro e São Paulo, Fernando Guerreiro sempre esteve conosco. Nessas temporadas fora da Bahia, vivíamos todos juntos num pequeno apartamento no Rio e num gigantesco apartamento de um hotel em São Paulo. A convivência foi importante para entendermos o que acontecia com o espetáculo, para perceber o nosso amadurecimento em cena. Saíamos do teatro e a conversa sobre ele continuava por horas. Cada crítica que saía era discutida por todos. Acho que fui tendo um olhar que me ajudou, anos mais tarde, a me lançar no desafio de dirigir. Dar continuidade ao trabalho que Fernando Guerreiro tinha iniciado. Aprendi com ele. Sou um ator que respeita muito a direção, que ouve e altera o que foi apontado, sempre pensando em melhorar. E o meu foco, desde então, foi o de que o espetáculo não perdesse a qualidade e nem a identidade de lá do início. Como sou muito crítico com meu trabalho, a minha avaliação em cena é constante. No palco, atuando, consigo perceber se a luz desafinou, se uma lâmpada queimou, se um figurino ou peruca precisa de manutenção e se alguém está mais desconcentrado ou não. Tudo é conversado. E ao que parece, tem dado certo. Além de comemorar o aniversário do espetáculo, você está comemorando 31 anos de carreira. Como começou sua história com o teatro?Por desejo de meus pais eu seria médico ou advogado. Mas eles não interferiram quando decidi por Ciências Sociais e depois pelo teatro. E minha veia artística começou a aparecer em reuniões de família. Uma família muito musical. Em festas como São João ou Natal, nas encenações, eu sempre tinha um papel. Aos 11 anos, escrevi e dirigi uma peça entre amigos e meus irmãos, baseada no filme 'O Exorcista', que havia sido lançado e não podíamos ver. Os adultos contavam sobre o filme e escrevi a peça. Ensaiamos e na estreia, conseguimos reproduzir, em cena na sala de casa toda iluminada por velas, a levitação da menina ‘possuída’ e o efeito sobre quem assistiu era de absoluto terror, as crianças corriam e choravam. Mais tarde, numa aula de Literatura no 2º grau, fui o padre na peça de Dias Gomes, ‘O Santo Inquérito’, e meu professor me disse que eu seria ator se quisesse. Em 1982, fiz e passei no teste para o IV Curso Livre de Teatro do TCA, onde conheci Moacir Moreno, que formaria comigo e outros amigos a Cia Baiana de Patifaria. Daí em diante não parei mais. Apesar de já ter feito cinema, o teatro ocupa lugar de destaque em sua vida e carreira, especialmente as montagens de comédia. O que há de tão especial no teatro e na comédia? Sou essencialmente um ator de teatro. Amo estar nesse lugar, por mais lugar comum que seja essa frase: é um lugar sagrado para mim. Durante a temporada de ‘Noviças Rebeldes’, em 1995, passei no teste para interpretar Amintas, no filme ‘Tieta do Agreste’, de Cacá Diegues e que tinha Sônia Braga, Marília Pera e Chico Anísio no elenco. Foram 2 meses entre o set de filmagem e o palco em Salvador, quando era liberado do filme. Ali aprendi muito também convivendo com tantos talentos. Mas por estar à frente de uma companhia de teatro que tem uma agenda, passei a encarar que o teatro é minha melhor forma de expressão. A comédia me atrai pelo poder revolucionário que o riso tem. Mas não nego a vontade de voltar ao drama, assim que tenha um bom projeto.
Depois de duas décadas, o espetáculo talvez não seja o mesmo que quando encenado pela primeira vez. O que há de diferente hoje?'A Bofetada' atravessou momentos históricos importantes do país e do mundo. Cada acontecimento foi incluído no espetáculo de alguma forma e sempre com grande ironia. Coisas boas e coisas ruins também: o famigerado Plano Collor, as eras Itamar, Sarney, o Plano Real de FHC, Lula, o fechamento do Teatro Maria Bethânia, que foi transformado em bingo, viadutos que levaram décadas para serem finalizados, o metrô inacabado após longos anos, o mensalão, a lei Maria da Penha (alterando um dos esquetes da peça, onde uma dona de casa apanha do marido). Mas tudo pelo viés do humor, o que garante à comédia esse poder de gerar reflexão, mesmo rindo de nós mesmos. Os personagens são atualizados juntamente com os assuntos, através do improviso dos 15 atores que já passaram pelo espetáculo, embora os textos sensacionais dos três autores continuem reverenciados até hoje. 'A Bofetada' já foi vista por mais de um milhão de pessoas. A que você atribui esse extremo sucesso?Só consigo explicar que tudo se deve ao poder de comunicação desse espetáculo com diferentes plateias, sem perder o seu sotaque de origem. E isso só aconteceu e ainda acontece porque desde o início a química entre os textos, elenco original, direção, figurino e equipe de produção foi primordial. Levamos tempo para entendermos tudo isso. 'A Bofetada' virou assunto na casa das pessoas, no trabalho, nas escolas, virou tema de dissertação, de teses universitárias. E tudo isso só acontece até hoje porque o espetáculo continua atual e se comunicando. Em 2013, levamos as manifestações de rua para dentro do teatro, querendo dizer ao público que nós podemos usar nossa arte para dizermos que também protestamos contra o atual estado das coisas em nosso país. Que queremos melhorar o mundo e que nossa arte pode ajudar. O espetáculo gira todo em torno do teatro. Qual a sua avaliação da atual cena teatral baiana? Melhoramos em relação à qualidade do texto, da produção?O que ainda há para fazer?Não podemos dissociar o nosso surgimento do momento histórico que o país atravessava. Chegamos a fazer ensaio para a terrível Censura. Éramos cinco atores que obrigatoriamente tinham de fazer aqueles personagens para um ou dois sisudos censores à nossa frente. O gênero ‘besteirol’ surgiu como contraponto aquele autoritarismo da ditadura que ainda ditava normas. Conseguimos atrair o público local e aumentar as temporadas. Viramos referência, junto com o trabalho de tantos outros artistas, para que o teatro baiano se fortalecesse nos anos 90, melhorasse o padrão de qualidade, multiplicasse seu público. Hoje acho que temos uma produção teatral plural, novos diretores, autores, atores e atrizes, mas perdemos muito público. Isso não é um fato isolado da Bahia, essa crise está instalada no teatro como um todo. Tentamos descobrir o caminho para lidar com a net de acesso fácil, com as tevês a cabo, a insegurança nas ruas e principalmente com a crise econômica mundial, que minou os investimentos em Cultura. Isso sem falar da inoperância dos gestores sejam eles no Ministério ou nas Secretarias, que não dialogam com os artistas, com quem entende, faz, está na lida. Leis extremamente burocráticas e editais que não se cumprem. É trágica a situação. Salvador passa por uma crise, em que muitos teatros e espaços culturais têm sido fechados. Qual a maior dificuldade de fazer teatro na Bahia?Acho que o fechamento de qualquer espaço ligado à Cultura e Educação é uma péssima propaganda para qualquer governo e de qualquer partido. Anualmente, realizamos nossas turnês pelo interior do estado da Bahia. E eu sou um dos artistas que mais reclamam do descaso, do abandono que teatros dessas cidades vivem. Mas a tentativa de fazer o poder público melhorar as condições de trabalho para todos nós, artistas e técnicos, e dar conforto ao público que paga o ingresso. Esse ano só conseguimos fechar temporada em três cidades, por conta do fechamento de teatros para reformas prometidas e sequer iniciadas depois de tantos meses. E o pior, sem previsão de início. O que é um escândalo! Além de comprometer toda uma cadeia produtiva (do baleiro, pipoqueiro a cada produtor local e artistas que circulam), desabitua o público, desfaz todo trabalho que vem sendo feito de formação de plateia. Eu me envergonharia de fazer parte desses gabinetes, dessas decisões infelizes, de participar de um sistema que fecha teatros. Mesmo que a promessa seja a de melhorar. Porque a gente que está na estrada, já não acredita. Só para citar exemplo bem perto de nós na capital: fecharam a Concha e a Sala do Coro para reformas, meses depois por um contingenciamento de verbas, que atingiu negativamente tantos artistas, o Estado teve que reabrir esses espaços.Muitos atores migram daqui para o eixo Rio-São Paulo, a fim de expandir o trabalho. Você acredita que em algum momento conseguiremos manter nossos atores aqui?Sinceramente acho bem difícil. São poucos os que dividem esse sonho de se manter e lutar por dias melhores aqui. Acho que os que tiveram e têm a coragem de encarar o desafio de ir para fora e tentar, estão fazendo o caminho certo. Infelizmente, temos que assumir que, do jeito que a Cultura vem sendo tratada aqui, parece que o recado dos gestores é esse mesmo: é melhor ir. E eu não sou ligado a nenhum partido, ideologia, facção, nada disso. Sou só um artista que vive de seu ofício às duras penas há mais de 31 anos. Uma pena, porque nós podemos muito mais. Muitos falam do papel político e social da arte. No caso do teatro, especificamente da comédia, o humor pode ser revolucionário?Totalmente. E isso é fascinante. Poder verbalizar através de um personagem, algo que 300, 400, 500, 1000 pessoas à sua frente gostariam de dizer. Representar nossas inquietações, nossos protestos, nosso desejo de um mundo melhor. E utilizar o humor como veículo para tudo isso é muito bom. Eu sou a favor de um teatro múltiplo: há que se ter comédia, drama, tragédia, musical, vanguarda, porque não há nada mais revolucionário, também, do que o poder de escolha. De se decidir o que você vai assistir. *Com edição e supervisão de Márcia Luz [youtube OFsQ9fGZpmA] [youtube Fj3rjelHnFc]

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