Emoção. Este foi o sentimento da multidão que se reuniu neste sábado (18) para conferir a tradicional saída do Ilê Aiyê. Por todos os lados do Curuzu, na Liberdade, os soteropolitanos, longe dos circuitos mais concorridos, compareceram para prestigiar o desfile do bloco afro mais importante da cidade. Como já é de costume, o ritual religioso de mãe Mãe Hildelice , sucessora de Mãe Hilda de Jitolu, guia espiritual do bloco, deu início a cerimônia de saída do bloco.Com os cânticos ancestrais, banho de pipoca e pombas brancas para reverenciar Oxalá, o Ilê foi abrindo os caminhos e abençoando os presentes. Dentro do terreiro, além dos membros da diretoria, como Vovô, líder e fundador do Ilê, autoridades políticas e jornalistas acompanhavam a montagem da indumentária da Deusa do Ébano, Edjane Nascimento. "Está sendo uma emoção muito grande. É inexplicável viver esse momento. Meus tios desfilam no bloco desde 1975. Então, eu cresci com isso. É uma responsabilidade enorme guiar o mais belo dos belos. Este bloco que é parte da minha vida. É uma honra. Não sei como descrever", disse, com lágrimas nos olhos, Edjane.
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Edjane se preparando para comandar o Ilê Aiyê |
Pouco antes das 22h, os tambores do Ilê ecoaram pelas ruas do bairro mais negro do Brasil. Ao som de "Que bloco é esse"?, música de autoria de Paulinho Camafeu e que recentemente foi regravada em parceria com o rapper paulista Criolo, o Ilê abriu o carnaval de forma majestosa. Com o tema "Negros do Sul: lá também tem!", o bloco levou para as ruas da capital baiana uma lição sobre a diversidade racial do país, mostrando que mesmo no Sul, de maioria branca, também há espaço para a cultura afro. "São pessoas, que assim como nós, travam uma luta constante pela igualdade racial no Brasil. Estamos aqui desde 75 e este ritual de saída do Ilê continua sendo um marco contra as diferentes formas de discriminação existentes", afirmou Vovô.
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Vovô do Ilê, líder e fundador do bloco, acompanha os desfiles desde 1975 |
Das sacadas das casas, na rua ou simplesmente caminhando, a sensação de viver o momento único do carnaval era generalizada. "Desde os anos 70 eu saio no Ilê. Só um ano não pude e fiquei triste, chorei. É algo impensável não desfilar neste bloco. Desde pequena eu saio aqui e sempre é uma emoção. Nestes anos todos, o bloco mudou, claro. Sinto falta da voz de Guiguio, mas não tem como não chorar com essa batida", declarou a cabeleireira Márcia Leal.
VEJA TAMBÉM Onde está o seu trio? Saiba no Carnaval 24h Saiba tudo da folia no Carnaval do iBahia Confira a programação completa dos circuitos da folia Veja as fotos dos foliões no iSSA! especial de Carnaval Outras novidades você confere no Carnaval Iguatemi Opinião semelhante foi compartilhada pelo técnico em enfermagem Island Leal. "Eu saio no Ilê há cinco anos, mas acompanho a trajetória do bloco. Isso aqui não é só uma festa. É um trabalho de resistência e, sobretudo de confraternização do nosso povo, do povo negro de Salvador", afirmou. Para a mãe de santo Jaciara Ribeiro, do Axé Abassá de Ogum, participar da cerimônia é gesto necessário no enfrentamento dos preconceitos. "Eu perdi minha mãe por causa de intolerância. Vir para o Ilê é fortalecer a luta dos negros. É sempre um momento histórico. Acredito que os olhos do Brasil se voltam para aqui e por isso é importante a nossa presença", explica.
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Mãe Jaciara foi prestigiar o Ilê |
Subindo a Ladeira do CuruzuDepois que a batucada começou, a ala de canto, durante todo o percurso, foi acompanhada em coro uníssono pelos moradores, turistas e pelos membros do bloco. No repertório, os clássicos do bloco como "Por amor ao Ilê", "Ilê de Luz", "Coisa de Nego", "Corpo Excitado", "Pérola Negra", e um dos maiores hinos do Ilê, "Negrume da Noite".
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Percussão do Ilê garantiu o som vibrante do desfile |
Por todos os lados, a beleza negra imperava. As mulheres com turbantes dourados, acessórios de origem africana e cabelos trançados exibiam visual digno de rainhas. "As mulheres negras aqui não precisam vender o corpo. A Deusa do Ébano não precisa estar exposta para mostrar a beleza. Nós usamos estes turbantes porque queremos e temos orgulho de reverenciar a nossa ancestralidade", disse Luara de Souza, 24 anos. Depois de 38 anos, para quem acompanha o trabalho do Ilê, a paixão continua se renovando e passando de geração para geração. "Trouxe o meu filho pela primeira vez. Ele já ama o Ilê como eu. Desfilamos juntos e vamos repassando os nossos valores, comemorando, celebrando também a música", conta Ana Paula Santos, mães de Antônio Santos.
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Três gerações de amor ao Ilê |
Diferente do que costumava acontecer, o Ilê só seguirá até o Plano Inclinado da Liberdade. De lá, o bloco irá para o Campo Grande. Na segunda e na terça-feira, o mais belo dos belos volta para desfilar na Avenida.