iBahiaFC, com informações do Globoesporte.com
[email protected] - Fotos: Arquivo Pessoal
Enxada na mão, sol de 40 graus na cabeça. Na terra seca do sertão baiano, plantar melão e cebola para vender era o principal sustento da família de Domingos Silva. Mas um dos cinco filhos era diferente. A começar pelos olhos verdes, um sucesso na região, que herdou do avô paterno. Sempre que podia, Daniel Alves esquecia a roça e corria para um campinho de terra batida, cheio de pedras, que existia em Salitre, distrito do interior da Bahia, a 30km de Juazeiro. Entre cabras e jumentos, se destacava da garotada e já até ensaiava um futuro de sucesso.
"Com seis anos, ele riscava a parede (de casa) dizendo que era o autógrafo para quando ficasse famoso. Ele riscava até os nossos cadernos do colégio. O Daniel sempre almejou isso para a vida dele", lembra o irmão Júnior. O sonho era quase impossível. Daniel Alves cresceu no povoado de Umbuzeiro, no distrito de Salitre. Longe de qualquer centro esportivo. "É o interior do interior da Bahia (risos)", disse Daniel Alves.
"A vida lá é complicada. É agricultura. Um ano dá dinheiro, outro ano não dá. E lá tem problema da seca. Seis meses de água e seis meses de seca. É complicado. Eu trabalhava de tudo. Era agricultor, comerciante, tudo o que pintava eu fazia", garante o pai Domingos. Lá, as crianças vão cedo para a plantação ajudar a família. Mas havia um campo poeirento logo atrás da casa de Daniel Alves. "Era cheio de terra. Em vez de grama só tinha pedra. A gente limpava todo dia. Mas no dia seguinte... Não sei de onde surgia tanta pedra (risos)".
Infância
Daniel Alves vivia em uma pequena casa. A cama em que dormia era feita de cimento. A jornada era pesada. Junto com os irmãos, acordava às 4h da madrugada. Às 10h voltava para casa, tomava banho e ia para o colégio. De onde só retornavam às 18h.
"Era uma vida dura, difícil, mas feliz. Apesar de trabalhar no campo, plantando coisas com o sol de 40 graus na cabeça, a gente era feliz. A minha família era uma das que tinha mais possibilidades de viver na região. Ajudei o meu pai na roça. Desde os dez anos ajudava o meu pai no trabalho. Ele precisava contar muito com a gente. Foi um esforço válido. A casa era simples, mas uma das melhores da região. Era um cuidado que os meus pais tinham. Quando chovia não caia água em cima. Eles conseguiram fazer uma boa estrutura.
Primeiros passos
Seu Domingos montava times de futebol para jogar pela região. Daniel Alves sempre jogava no ataque do “Palmeiras de Juazeiro”. Não fazia muitos gols, mas alguém teria coragem de reclamar?
"Como eu era o filho do treinador eu sempre jogava. Foi bastante divertido. Sempre que havia um torneio o meu pai colocava um time para disputar. Ele gostava do Palmeiras pra caramba. Por isso o time se chamava Palmeiras. E ele sempre me colocava de atacante. A gente fazia o que podia. E pouco a pouco fui indo para trás. E acabei como lateral-direito. Uma posição que hoje eu adoro", lembra.
Daniel Alves deixou de ser atacante quando caiu nas mãos de Bartolomeu Monteiro, mais conhecido entre a garotada como Caboclinho. Ele treinou muitos meninos ao longo da vida que sonhavam deixar o sertão e brilhar no mundo da bola.
"Ele era um garoto de atitude, que não se conformava com a reserva. Não tínhamos condições de trabalho e não poderíamos ter certeza de que ele seria um dos melhores do Brasil ou do mundo. Se eu falasse isso estaria mentindo. O Daniel é um cara iluminado. É um orgulho para todos nós. O pai dele me disse quando eu o busquei no Salitre: "esse garoto vai me dar o que estou necessitando, mais um quilo de feijão". Ele deu bem mais do que isso", lembra Caboclinho.
Aos 13 anos, Daniel Alves saiu de casa e foi morar com o irmão. Na época, Ney jogava no juvenil do Juazeiro. E abriu as portas. "Comecei a jogar e pedi para o meu irmão vir também. Eles aceitaram. O time profissional aqui de Juazeiro disputava a segunda divisão do Campeonato Baiano. Quando subiram para a Primeira Divisão foi necessário criar as divisões de base", lembra.
Daniel Alves, o ator
Antes de se exibir nos palcos da Europa e vestir a camisa da seleção brasileira, Daniel Alves tentou a sorte em outra profissão. Com as filmagens do longa “Guerra de Canudos”, em Juazeiro, ele conseguiu um emprego temporário como figurante da produção dirigida por Sérgio Rezende. Pela pequena participação, ele ganhou R$ 5 por dia de gravação.
"Eles estavam gravando lá o filme e precisavam de pessoas para trabalhar como figurantes. E pelo trabalho eles davam a alimentação e R$ 5 ou R$ 10 por dia. Então ninguém queria perder essa boquinha. Consegui sair no filme. Mas acho que ninguém vai me conhecer porque eu estava ali no meio de todo mundo. Mas foi muito legal", contou o jogador.
Os irmãos moravam em um quarto alugado em Juazeiro. Daniel Alves estudava no Colégio Estadual Pedro Raimundo Rego, no bairro Piranga. Ou, pelo menos, deveria.
"Ele enganou a gente que estava estudando. Ele tinha que treinar todos os dias de manhã e à tarde. Senão o treinador falava que ele não seria aproveitado. Só que ele não falou nada para a gente. Aí fui lá uma vez em maio e olhei o caderno dele. Estava todo em branco. As aulas tinham começado em fevereiro", lembra a mãe Maria Lucia.
Mas Daniel Alves era um filho querido. Era difícil brigar com ele. O lateral gostava de inovar nos presentes que costumava dar à mãe. Sem dinheiro, uma vez ele escreveu uma carta e entregou à dona Maria Lúcia. Tinha 13 anos.
"Ele sempre queria me dar os melhores presentes. Queria me dar as melhores coisas. Em um Dia das Mães, ele escreveu essa carta para mim: “Mãe, esse nome para mim é símbolo de vida, de amor. Devemos tudo isso a ela. Por estar aqui neste mundo maravilhoso. Por isso devemos muito a ela. Nós não devemos magoar a nossa mãe. E sim cuidar dela igual ela cuidou da gente. Ou melhor. Mãe, feliz Dia das Mães. Do seu filho, Daniel”", relembrou Maria Lúcia.
Rumo ao Bahia
A ida para o Bahia aconteceu por meio do técnico José Carlos Queiroz. Ele treinava o Juazeiro, mas foi chamado para trabalhar no time da capital. Queria levar o zagueiro Ney junto, mas o clube não o liberou. Então, o técnico pediu pelo irmão mais novo: Daniel Alves. Aos 15 anos, ele foi morar nos alojamentos do Bahia. Estava no juvenil. E sofreu muito com a cidade grande. Tudo era novidade. Era preciso ficar esperto rapidamente para sobreviver.
"Nas divisões de base você tem que ter cuidado com as coisas. Eu tive essa infelicidade (de ser assaltado). Mas rapidinho eu aprendi e passei a ter mais cuidado com as coisas. Porque o pessoal lá era bastante ligeiro (risos)", lembra Daniel Alves, que teve o armário do alojamento roubado.
Levaram a roupa que eu tinha (risos). Eu tinha levado uma praticamente e a do corpo. Usava uma e lavava a outra. Aí levaram uma e eu tive que me virar. Se a história gera risos atualmente, na época deixou Daniel Alves assustado. Ele pensou em desistir e voltar para o interior da Bahia. "Ele me ligou e falou que pensava voltar. Ele queria desistir e vir embora. Roubavam as roupas dele e ele não tinha mais nada. Mas o objetivo sempre era maior", lembra o irmão Ney.
Chegada ao time profissional
A chegada aos profissionais caiu do céu. Daniel Alves se preparava para uma viagem com o time de juniores quando recebeu a notícia de que seria integrado aos profissionais. Os dois laterais do time tinham se machucado.
"Eu ia jogar a Copa Nordeste da categoria, em Recife. Arrumava as minhas coisas para viajar. E veio o coordenador me avisar que eu não iria e deveria me apresentar ao técnico Evaristo (de Macedo) nos profissionais. Mas como as pessoas lá sempre brincavam assim e ele veio me falar isso rindo, pensei que era brincadeira. E continuei arrumando a minha mala pensando... “pô, para de sacanagem... não se brinca com essas coisas”. E ele falando que era verdade, que era verdade. Até que veio outra pessoa confirmando a história. E quando cheguei lá tinham machucado os dois laterais (titular e reserva) e o Evaristo me disse que iria me colocar".
A estreia nos profissionais foi contra o Paraná, na reta final do Campeonato Brasileiro de 2001. Não poderia ter sido melhor. Vitória por 3 a 0, com o lateral sofrendo um pênalti e dando um passe para outro gol. No fim da partida, escutou os torcedores gritando: "Ah! Ah! Ah! Daniel é titular".
Transferência para o Sevilha-ESP
O ano de 2003 foi marcante na carreira de Daniel Alves. Após a conquista do Mundial sub-20 com a seleção brasileira, competição na qual foi eleito o terceiro melhor jogador, ele foi contratado em definitivo pelo Sevilha, que pagou US$ 500 mil (cerca de R$ 900 mil) ao Bahia. Foi nessa época que o jogador ligou para o irmão Júnior e pediu a sua presença na Espanha.
"O Daniel pediu para eu tirar o passaporte porque eu iria morar com ele na Espanha. No entanto, ele me deu um dia para pensar se eu gostaria de morar na Europa ou fazer faculdade. Preferi ficar em Salvador e estudar. Estou quase me formando. Era o meu sonho", contou Júnior.
No Sevilha, Daniel Alves conquistou a Liga Europa em duas oportunidades (2005/2006 e 2006/2007), a Supercopa da Espanha (2007), a Supercopa da Uefa (2006) e a Copa do Rey (2006/2007). Em 2006, o jogador prorrogou o seu contrato até meados de 2012. Porém, dois anos depois, a saída foi inevitável. O Barcelona pagou € 35 milhões (cerca de R$ 76 milhões) pelo lateral-direito.
Daniel Alves e o Barcelona
No Camp Nou, Daniel Alves conquistou todos os títulos possíveis. Rapidamente, ele se tornou titular e parceiro de Lionel Messi, principal jogador do clube catalão. Ele levantou as seguintes taças em pouco mais de dois anos de Barcelona: Campeonato Espanhol (2008/09 e 2009/2010), Copa do Rey (2008/2009), Liga dos Campeões (2008/2009), Supercopa da Espanha (2009), Supercopa da Uefa (2009) e o Mundial de Clubes da Fifa (2009).
Daniel Alves e a Seleção Brasileira
Na seleção brasileira, Daniel Alves só teve oportunidades com o técnico Dunga. O lateral-direito participou de 34 jogos e marcou três gols (um na final da Copa América, em 2007, contra a Argentina, na Venezuela; um na semifinal da Copa das Confederações, em 2009, na África do Sul, diante dos donos da casa; e o outro no duelo com o Uruguai, no ano passado, pelas eliminatórias, em Montevidéu).
No gol diante dos sul-africanos, Daniel correu para cobrar a falta na entrada da área. Segundo ele, o lance foi disputado por vários companheiros de equipes. "Quando saiu a falta fui correndo pegar a bola. Essa é minha, ninguém tira. E fiquei muito concentrado. Por isso aquela cara feia. Sabia que era a hora. O jogo estava muito difícil. E graças a Deus fiz o gol e nos classificamos para a final", revelou.
Como não poderia deixar de ser diferente na família Silva, a cara feia do lateral gerou brincadeiras entre os irmãos. "Cara de vampiro baiano (risos). Foi concentração mesmo. Nunca o vi tão focado em um lance como naquela falta. Ele sempre foi um cara iluminado. Estava no lugar, na hora certa. E quando as oportunidades surgem, ele não deixa passar. O Daniel dá tudo como se fosse a única oportunidade", contou.
Ney, inclusive, largou o futebol para se dedicar à música. Ao lado de um parceiro, ele gravou algumas canções e apostou no sertanejo da dupla Vítor e Léo. E é justamente o ritmo que vai servir de trilha sonora para a história que Daniel Alves vai tentar escrever a partir do dia 11 de junho na África do Sul.
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