As fotos que estampavam os jornais em outubro de 2009 traziam alunos levantando faixas com dizeres como “Enganação Nacional do Ensino Médio”. Um vazamento adiou a aplicação do chamado “Novo Enem”, que aconteceria naquele mês, e colocou sua primeira edição em xeque. De 1998 a 2008, a prova tinha como objetivo apenas a avaliação do ensino médio. O “Novo Enem” viria para mudar esse cenário.
— Era uma avaliação importante para medir a educação, mas, ao se tornar a principal via de acesso ao ensino superior público, ganhou outro status — analisa Ingrid Pinheiro, pesquisadora de educação da UFMG.
Chegando à sua décima edição hoje, o exame reformulado deixou para trás o temor dos vazamentos, como o que aconteceu em 2009. Junto com o “Novo Enem”, foi criado o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), plataforma onde os estudantes lançam suas notas e disputam colocações em centros universitários de todo o país. De 2010 a 2018, o número de vagas disponíveis no Sisu cresceu de 64.486 para 297.987, um salto de 462%.
O sistema permite, por exemplo, que um aluno do Sul concorra com outro do Nordeste por uma vaga no Sudeste, sem que ambos precisem se deslocar fisicamente para fazer o vestibular. Rodrigo Baquer, de 21 anos, recém-formado em Comunicação Social, faz parte desse grupo:
— Nasci em Rondônia e sempre quis fazer trabalhar em TV. Tinha que vir para o eixo Rio-São Paulo. Mas a maior parte das vagas em São Paulo só era acessível por vestibulares no próprio estado, o que era inviável para mim. Pelo Sisu, consegui entrar na UFRJ.
A experiência do rondoniense é um dos casos positivos da democratização, mas nem todos são assim. O acreano Anderson Lima sempre sonhou cursar Medicina. Sem condições financeiras para bancar a ida para outro estado, queria mesmo era estudar em sua terra natal. Só conseguiu na quarta tentativa:
— Medicina é normalmente um curso muito concorrido. O que me chateava era que via muita gente se inscrevendo pelo Sisu, passando e deixando a vaga ociosa. Ela poderia ter sido minha antes.
A nacionalização da prova trouxe questões como esta, ainda não resolvidas. Segundo levantamento da economista Denise Leyi Li, da USP, a chance de um estudante abandonar uma vaga conquistada via Sisu no primeiro ano de curso é 5% maior do que as de vestibulares tradicionais. Outro dado confirma esse movimento. Nos quatro primeiros anos do sistema, o número de trancamentos de matrículas dobrou: de 65 mil para 128 mil, segundo dados do Inep, autarquia do Ministério da Educação (MEC), responsável pelo Enem e pelo sistema de seleção.
Reitora da Universidade Federal do Acre, Guida Aquino conta que a instituição viveu situações em que teve que fazer tantas reclassificações que, quando o aluno conseguia entrar, já estava reprovado por ter 25% de faltas. Por isso, o conselho universitário decidiu bonificar em 15% as notas dos estudantes que nasceram no estado.
— Esse bônus vai dar mais oportunidades aos alunos da região. No Sisu, muitos optam por estudar aqui e, depois de serem chamados para outras universidades, abandonam a vaga — explica Guida, que ratifica que a bonificação é mais uma correção de uma distorção do que uma negação do sistema. — O Sisu promove inclusão e diversidade, mas tem disparidades que vamos, aos poucos, discutir e atenuar.
Idas e vindas
Entre todos os estados, a migração a partir de São Paulo se destaca. No ano passado, dos 15.529 candidatos de lá que se inscreveram em vagas pelo Sisu, 6.186 — cerca de 40% — aplicaram para fora das fronteiras paulistanas. O estado que mais recebe os paulistanos é o Paraná: a cada seis candidatos que se inscrevem em universidades paranaenses pelo Sisu, um é de São Paulo. <SW>
Para o pró-reitor de graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, o Sisu gerou diversidade nas universidades, mas é preciso mantê-la:
— A instituição tem que se preparar para receber esse aluno de fora, com alojamentos, bandejão e auxílios. Mas, para isso, é necessário dinheiro.
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Redação iBahia
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