A história de Leonardo Zarôr Moura, de 33 anos, é parecida com a de muitos brasileiros: a briga com a balança começou na infância e, desde então, ele já embarcou em diversas dietas. Aos 22 anos, pesando 160kg, fez uma cirurgia bariátrica. Cinco anos depois, ganhou quase todo o peso que tinha perdido. Para eliminar o efeito sanfona, entrou em um programa de emagrecimento, atingiu seu peso ideal, 85kg, e vem conseguindo mantê-lo.
— Um tempo após a cirurgia, o médico disse que podia ter vida normal, e veio o desespero: comi muito, o estômago voltou a dilatar. Decidi me pesar e já estava com 122 quilos — diz o fisioterapeuta, que conta a receita para, finalmente, manter o peso: — Perdi 36 quilos com reeducação alimentar após entrar no Vigilantes do Peso e com escolhas inteligentes. Tornei-me mais ativo também. Quando trabalho na rua, faço tudo a pé.
Os desafios nada simples em torno da obesidade foram discutidos na última edição do Encontros O GLOBO Saúde e Bem-Estar, na última quinta-feira, na Casa do Saber. Coordenado pelo cardiologista Cláudio Domênico, o evento contou com palestras do endocrinologista Amélio Godoy Matos, professor da PUC-Rio, e do psiquiatra José Carlos Appolinário, coordenador do Grupo de Obesidade e Transtornos Alimentares do IPUB/UFRJ e do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia.
Os médicos explicaram as possíveis causas para a doença, que é multifatorial e poligênica, assim como os motivos pelos quais é tão difícil manter o peso ideal a longo prazo.
— A equação clássica da obesidade é: nossa energia estocada resulta daquilo que entra no organismo menos aquilo que sai. Apesar da influência ambiental, nosso peso é de 50% a 70% determinado pela genética. Tendemos a seguir o peso de nossos ancestrais — pontua o endocrinologista.
Godoy Matos ainda ressalta a importância de determinados hábitos, como horário de dormir e de comer. Esses aspectos estariam ligados à cronobiologia, tema das pesquisas que ganharam o Prêmio Nobel de Medicina deste ano:
— Um estudo feito com ratos mostrou que, quando seus horários de alimentação foram modificados, eles engordaram, mesmo continuando com a mesma dieta. Isso acontece conosco. Jantamos cada vez mais tarde e dormimos pouco. Quatro horas de sono em duas noites faz com que nosso apetite aumente em 24%.
O cardiologista Claudio Domênico chama atenção para uma conscientização quando se precisa emagrecer:
— Superestimamos o exercício que fazemos e subestimamos o que comemos. Na busca por uma alimentação saudável, as pessoas tendem a achar que o que é saudável não engorda. É preciso saber escolher o alimento. A obesidade causa doenças silenciosas, como diabetes e hipertensão, além de diversos tipos de câncer — explica.
Quem já emagreceu percebe como é difícil manter os ponteiros da balança. Isso não é apenas uma impressão: ao reduzirmos nosso peso, o organismo aciona mecanismos para atingir o equilíbrio. É como se o corpo brigasse para recuperar o que perdeu. Para objetivos que se sustentem, então, é preciso uma equipe multidisciplinar no tratamento, com apoio cognitivo-comportamental — incluindo nutricionista, preparador físico e psicólogo ou psiquiatra. Os remédios que o paciente toma e seu histórico de peso devem ser considerados. O uso de medicamentos pode ser necessário, desde que com orientação médica.
Sensível aos estímulos
A questão dos comportamentos alimentares foi trazida pelo psiquiatra José Carlos Appolinário:
— Há duas formas de alimentação: a homeostática, em que se come pela necessidade fisiológica, e a não-homeostática, modulada pelos mecanismos de recompensa e prazer. Esta está associada a estímulos externos cada vez maiores na sociedade, como a aparência de um doce ou a placa de uma lanchonete.
Ele ressalta que é preciso entender o que é um transtorno alimentar para que se saiba quando há a doença. Sob o ponto de vista objetivo, come-se grande quantidade em pouco tempo e há o sentimento de perda de controle.
— Come-se escondido, sem ter fome e, depois, a pessoa sente repulsa por si mesmo. Para se tornar doença, considera-se um episódio a cada semana por três meses — diz ele.
O fisioterapeuta Leonardo Zarôr Moura parece ter se blindando contra essa questão. Até no dia em que se permite ingerir alimentos mais calóricos, ele pensa muito antes de comer:
— Há certos salgadinhos que eu nem chego a experimentar.
Alimentar-se de 3h em 3h é a solução
Comer de três em três horas é o ideal para quem quer emagrecer? Não. Exercício ou dieta, o que ajuda mais a perder peso? Dieta. Aeróbico ou musculação? Os dois. Entre várias perguntas feitas pelo público presente ao Encontros O GLOBO Saúde e Bem-Estar, essas foram as temáticas mais recorrentes no evento.
O debate, conduzido pelo coordenador do evento, o cardiologista Cláudio Domênico, teve mediação da jornalista do GLOBO Josy Fischberg e participação do psiquiatra José Carlos Appolinário e do endocrinologista Amélio Godoy Matos.
A primeira dúvida foi logo respondida por Godoy Matos: alimentar-se a cada três horas funciona?
— Não é fisiológico, nossos ancestrais comiam só uma vez ao dia. Os princípios que sugerem que isso seja bom estão errados também. Um deles é que sentiríamos menos fome na refeição seguinte, mas é o contrário. Qualquer sinal externo leva a procurar comida — explica o médico. — Prega-se ainda que isso manteria o metabolismo acelerado, mas não é o que acontece. Toda vez que se come, eleva-se o gasto energético, mas é 5%, em média, do que se ingere, independentemente das calorias.
Outra questão levantada foi como o uso de medicamentos para outras doenças pode causar sobrepeso. A solução, diz Appolinário, não é parar o remédio, mas buscar alternativas.
— Deve-se discutir com o médico o ganho de peso associado ao uso de algum remédio. E a abordagem deve ser inicial, ela deve vir junto com a prescrição. É importante ver o perfil do paciente para o qual o tratamento psiquiátrico medicamentoso está sendo indicado, por exemplo.
Uma dúvida da plateia suscitou um debate sobre cirurgia bariátrica e pressão da sociedade para que a pessoa siga padrões de magreza. Os médicos ressaltam que, apesar de muitas operações estarem sendo feitas de forma desnecessária, isso não significa que os casos específicos sejam negligenciados.
— Se tentamos outras alternativas e o resultado não é efetivo, deve ser feito — diz Amélio.
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Redação iBahia
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