O ser humano e a sua mania de buscar explicação para tudo. Por que, como e em que circunstância alguém subiria em uma árvore para morrer? Quem era o homem achado morto sobre uma gameleira, no dia 8 deste mês, perto do Shopping Barra?
Quase uma dezena de justificativas foi suscitada. Mas ninguém suspeita que ele simplesmente tenha decidido, num ato de rebeldia infantil, deixar o mundo horizontal para manter distância segura do chão, exatamente como o personagem Cosme, no clássico livro O Barão nas Árvores, de Ítalo Calvino. Cosme, o barão, largou o mundo de riquezas para subir nas árvores e nunca mais descer.
Ainda que o medo do incomum nos deixe surpresos, é possível afirmar com segurança que, pelo menos em Salvador, não há motivo para espanto quando um homem “sobe às árvores”. Aqui, a utilização de troncos, galhos e copas para dormir, guardar objetos e até trabalhar é mais comum do que se imagina.
No Rio Vermelho, defronte à 7ª Delegacia, um sujeito encontrou, também em uma gameleira, o refúgio para uma vida de alcoolismo e solidão. Faz do tronco local de descanso, guarda volumes e armário para objetos de higiene.
Árvore em frente à 7ª Delegacia tem ocupante |
O enorme caule tem cerca de quatro metros de comprimento por um e meio de largura. Na parte oca, o espaço interno, cabe uma pessoa e muito mais. Lá dentro, ninguém bole com ele.
Pouco se conhece sobre sua vida. Não se sabe o seu nome completo, onde mora e o que fazia antes de, anos atrás, entrar pela primeira vez na abertura entre as raízes, uma porta esculpida pela natureza.
“O pessoal chama ele de Dinho. Dizem que deu uma facada no filho de uma mãe de santo. A mulher fez um trabalho e ele ficou maluco”, conta um homem que trabalha ali perto.
Quando chegamos ao local, o “proprietário” do imóvel não estava. Entramos sem bater. Nos deparamos com uma colher, quatro escovas de dente e um aparelho de barbear presos, lado a lado, na ‘parede’. Havia também restos de uma impressora e de uma CPU de computador, além de outros tantos objetos.
“Ele chega, deixa as coisas dele aí, sai para pedir esmola e tomar cachaça. Volta de tarde, descansa e vai embora”, conta o vendedor ambulante José Pedro Silva, 45 anos. “Já foi um cara sóbrio. Está cada vez pior”, relata.
Homem conhecido como Dinho guarda objetos na árvore, onde passa todos os dias |
A partir da árvore, no início da ladeira que fica bem ao lado do Mercado do Peixe, Dinho consegue ver o mar do Rio Vermelho. “Ele tem vista para o mar e segurança particular da delegacia. Que luxo, hein”, brinca Taís Oliveira, 32 anos, que trabalha no hotel, esse sim de luxo, que fica bem no topo da ladeira.
“Se duvidar, tem até elevador dentro dessa árvore”, continua Taís. Brincadeiras à parte, é na árvore que Dinho se sente seguro. Ali, está protegido dos que vivem em casas.
Escritório
Mas nem todos os senhores das árvores têm histórias tristes. Nas Sete Portas, o pintor Gilson Jesus, 39 anos, tira seu sustento do escritório que construiu sob uma amendoeira.
Gilson garante seu sustento com escritório montado sob amendoeira nas Sete Portas |
Na estrutura de madeira que abraça o tronco, ele guarda latas de tinta, pincéis, ferramentas e até a mesa em que realiza o trabalho, que é feito ali mesmo.
À sombra, Gilson e mais cinco funcionários pintam carros de autoescola e moldam adesivos para veículos escolares e táxis. Enquanto faz as plotagens, o pintor guarda os materiais entre os galhos. “Se não fosse essa árvore não tinha como trabalhar. Primeiro porque o carro precisa estar na sombra e depois porque eu não ia aguentar o sol”.
Como a copa da amendoeira é densa, dá para ganhar uns trocados mesmo quando chove. Por dia, uns dez carros param sob a árvore para o serviço. Segundo Gilson, isso já ocorre há 15 anos, quando a árvore ainda estava crescendo. Nesse período, nunca tentaram tirar sua ‘empresa’ dali. “A gente não atrapalha ninguém, nem o trânsito. Estamos trabalhando, né”.
Albergue
Na Barra, já existiu um pé de oiti que era chamado de árvore-albergue. Localizado na orla do Porto, de frente para uma dos cartões- postais da cidade, seus galhos frondosos já suportaram mais de uma pessoa de uma vez.
“Já vi três dormindo aí. Dois homens e uma mulher. Lá de cima já caíram moedas, lençóis e até calcinhas. Até que a prefeitura podou a árvore e tirou eles”, contou uma moradora do bairro, sem se identificar. “A gente chamava de árvore-albergue”.
No mesmo Porto da Barra, encontramos árvores com sacolas e mochilas em seus galhos deixadas por moradores de rua e guardadores de carro. Uma das mochilas é do guardador Marcelo Rocha, 32 anos, que guarda tudo na árvore, até o dinheiro que ganha. “Tudo que eu compro para levar para casa também coloco lá em cima”, diz Marcelo, sob três amendoeiras.
No Cabula, árvore virou grande cabide de objetos
Uma obra de arte? Uma instalação? Não, é a árvore sustentável de Ivo Conceição Lisboa, o Ivo Foguete. Morador do Cabula há dez anos, Ivo percebeu que a Avenida Edgard Santos, onde ele tem uma oficina de pintura em cerâmica, vivia suja.
Além do lixo, topava com tudo quanto é tipo de objeto no chão. Então teve a ideia de colocá-los sobre uma mangueira no canteiro central. A iniciativa, diz ele, conscientizou as pessoas. “Hoje as pessoas me trazem coisas e até param de carro para me entregar objetos”, afirma Ivo, convidando o repórter a sentar-se em um dos três sofás no pé da árvore, todos encontrados na rua.
A decoração vai de ursos de pelúcia a raquetes mata mosquito. Mas há mochilas, brinquedos, uma prancha de surfe, latas de cerveja, duas bicicletas ergométricas e até um pé de boi para guardar cachaça, além de outros tantos objetos. Alguns deles, aliás, Ivo doa para quem precisa. “Já doei muitos livros, sapatos roupas e até fogões e geladeiras”. Matéria original: Correio 24h Árvores de Salvador servem de abrigo, armário e até como escritório; conheça algumas histórias
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