O homem de preto de Vitória x Americana ergue os braços. Ele não faz ideia, mas, além de encerrar o jogo decisivo da Série B no interior paulista, terça-feira passada, também apitou o fim do expediente no restaurante Djalma´s Drink´s, na Pituba, em Salvador. Depois de 90 minutos emocionantes, o relógio nem havia batido 22h30, mas o Djalma´s, junto com todo o complexo de bares da rua Minas Gerais, já estava com boa parte das mesas empilhadas. O caso dos restaurantes da Pituba é apenas um exemplo em uma cidade que, por causa da violência, tem se recolhido cada vez mais cedo. O número de assaltos e a ação de usuários de drogas têm obrigado estabelecimentos de bairros nobres a anteciparem seus horários de fechamento. Afinal de contas, se todos os gatos são pardos à noite, os gatunos são mais espertos e ficam bem mais ousados na madrugada. "Quanto mais tarde pior, né? Antes íamos até 2h30, 3h, às vezes até 4h. Agora, durante a semana, a gente só fica até mais tarde em dia de jogo. Mas basta acabar a partida pra começar a arrumar tudo", diz a proprietária de um dos bares da rua Minas Gerais, que pediu para não ser identificada. Na verdade, a iniciativa não é só do comércio local, mas também dos clientes. "No início parecia que a gente estava expulsando. Hoje, eles próprios já se previnem e começam a ir embora mais cedo. Só dia de sexta é que ainda dá pra segurar até meia-noite", conta Carlito Nascimento, garçom do Kanakaiana, em frente ao Djalma´s. E assim ocorre com o Caranga e o Tourão Grill, todos com histórias de clientes roubados e do próprio estabelecimento assaltado. FarmáciasMas, no quesito redução de horários, as farmácias instaladas em bairros nobres são campeãs. Muitas delas já chegaram a funcionar 24 horas. Na avenida Manoel Dias da Silva, Pituba, onde existem nada menos que nove farmácias, quase todas reduziram seus horários de funcionamento. E a justificativa é sempre a mesma. "Isso aqui de noite é um inferno. Os drogados levam nosso dinheiro para comprar droga", diz Milton Mutti, proprietário da Farmácia Reobote, da Rede Boa Farma, que deixou de abrir até a 0h. Agora fecha às 22h. "Não vou colocar em risco a vida dos meus funcionários", afirma ele, garantindo que após a medida houve uma redução na quantidade de assaltos a seu estabelecimento. "A média era de um assalto a cada 15 dias. Era à mão armada mesmo. Levavam dinheiro, medicamentos e produtos diversos", conta Milton. Entretanto, mesmo com a redução de horário, os problemas de Milton não acabaram, só mudaram de modalidade. Ele agora sofre com os arrombamentos. "Recentemente arrombaram duas vezes. Tive que pagar pra botar um reforço na porta", lembra. Se precisarem de remédio em plena madrugada, os moradores da Barra ficarão mal. Na rua Marquês de Caravelas, as três drogarias 24 horas passaram a fechar às 22h. "Aqui era assalto direto. Melhorou um pouco com o novo horário", disse uma atendente da Pague Menos. Perto dali, na rua Euclides da Cunha, na Graça, outra Pague Menos também acabou com o sistema 24h. "Não tava valendo a pena. O que a gente ganhava de noite o pessoal levava. Fora os riscos", ponderou uma funcionária. Sem saídaEm alguns casos, nem fechando mais cedo. A Farmácia Estrela Galdino / A Fórmula, que também fica na avenida Manoel Dias, tem sofrido ataques mesmo fechando às 22h. De acordo com o relato de funcionários, moradores de um prédio abandonado que fica logo ao lado promovem os assaltos. O estabelecimento investe em seguranças particulares e câmeras, mas não adianta. "A partir das 20h já é um horror. Recentemente foram dois assaltos. Levaram computadores e medicamentos", diz Edza Brasil, diretora da rede em Salvador. O departamento de comunicação da Polícia Militar informou, através de nota enviada por e-mail, que a 11ª CIPM (Barra/Graça) e a 13ª CIPM (Pituba) atuam diuturnamente, com rondas em veículos ou policiais a pé. "Atuam também na área guarnições da Rondesp/ Altântico, Rotamo e do Esquadrão Águia. São feitas abordagens sistemáticas em toda a região com vistas à prevenção e o combate à criminalidade", concluiu a corporação. "Não tem UPP certa"Se gato escaldado tem medo de água fria, quem trabalha no Posto Centenário, localizado na avenida de mesmo nome, tem medo é de tiro mesmo. Não foram poucas as vezes em que clientes, frentistas e o caixa da loja de conveniência foram roubados. Antes aberto 24 horas, há menos de um ano o posto passou a fechar à 0h. A loja agora fecha ainda mais cedo, às 20h. Funcionários e gerentes do estabelecimento sempre jogaram a culpa pela insegurança no Calabar, que fica a poucos metros do posto. "O pessoal vendia drogas no pátio do posto. Vários clientes eram assaltados na madrugada", diz o gerente, Adriel Santos, que, por mais esforço que faça, não consegue esquecer o tiroteio em que um frentista foi atingido, há aproximadamente um ano e meio. "O novo horário ajudou na diminuição dos assaltos. Quanto mais tarde, pior, você sabe". Em abril deste ano, a Secretaria da Segurança Pública implantou no Calabar uma Base Comunitária de Segurança, que foi a primeira unidade da Bahia a seguir os moldes das UPPs do Rio de Janeiro. Ainda assim, o posto não planeja voltar ao antigo horário. "Não tem ‘UPP’ certa. A gente sabe que continua tendo assalto aqui perto, inclusive nos pontos de ônibus. Estamos receosos em voltar a abrir 24 horas", diz Adriel. Farmácia resiste à noite na PitubaDurante o dia, o movimento na Avenida Manoel Dias chama a atenção. O entra e sai nos bancos e nas lojas, a busca por uma vaga de estacionamento, o fluxo de veículos e a disputa dos vendedores ambulantes formam um cenário cheio de intensidade. D e noite, a avenida também não para, mas quem domina a área são travestis, prostitutas e ‘sacizeiros’ que perambulam pelas ruas adjacentes. É neste cenário que a drogaria São Paulo, junto com uma filial da Pague Menos, resiste em se manter aberta 24 horas.
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