Tricolor prevenido que é, você chegará ao estádio hoje com o ingresso no bolso. Mas, depois de pagar R$ 20 sem estresse para ver seu Bahia decidir a vida contra a Ponte Preta, vai ter que meter a mão no bolso pelo menos outras duas vezes. Uma para a cerveja gelada e outra, claro, para o flanelinha. “É R$ 10 antecipado”, é a primeira coisa que se ouve ao descer do carro. Nos dois primeiros casos — o ingresso e a cerveja —, tudo bem. Mas, no último, não se engane. Tem gente ganhando muito dinheiro com o estacionamento de veículos em Pituaçu. E flagrantes mostram que quem fatura alto se diz acima de qualquer suspeita. “Aqui a área é do ‘polícia’. Aí, se não pagar, dá problema para a gente”, é a segunda coisa que se ouve ao descer do carro.
A partir de denúncias de torcedores, o CORREIO flagrou um esquema envolvendo dois homens que se apresentam como policiais militares e comandam um batalhão de flanelinhas bem no meio da rua, nas cercanias do estádio. Nas gravações em vídeo, os dois supostos PMs aparecem organizando uma tropa, onde dezenas de guardadores agem ao longo de mais de um quilômetro de pista. As imagens em vídeo foram registradas com uma microcâmera, antes dos jogos Bahia x Palmeiras e Bahia x Grêmio, os últimos disputados pelo tricolor dentro de casa, nos dias 17 e 27 de outubro, respectivamente. Sem saber que era filmado, um deles chega a admitir que é PM. O outro, por sua vez, dá ordens com um cassetete nas mãos. Ambos trabalham com radiotransmissores e se comunicam a distância com os supervisores dos flanelinhas, chamados por eles próprios de “seguranças”. Cada motorista tem que pagar R$ 10, com desconto, se der uma pechinchada. Na noite do dia 17 de outubro, uma quarta-feira em que o Bahia tomou 1x0 do Palmeiras, não foi possível registrar imagens dos líderes do esquema. Mas, passando-se como torcedor, ao estacionar o carro no local, o repórter do CORREIO confirmou toda a história com os flanelinhas. - É R$ 10! - Tenho não... - Vou fazer R$ 8 para você... - E por que assim, rapaz? - Porque aqui nós ‘trabalha’ com polícia... Ele que organiza o estacionamento... - Com polícia? - Todo mundo aqui. Eu e os seguranças... Não tem muita negociação com os guardadores. É preciso pagar pelo menos R$ 5 para que deixem você em paz. À procura do responsável pelo estacionamento, eis que seu nome é citado. - Eu converso com ele para me liberar, rapaz. Qual o nome dele? - É Marcelo... Marcelo não aparece, mas continuam as justificativas para a constrangedora cobrança do estacionamento. Um dos seguranças, também com radiotransmissor, insiste no pagamento e explica a divisão do dinheiro. - O problema é que a gente trabalha com dois policiais que guarnecem a área. De cada carro que a gente bota, a gente só ganha R$ 3. R$ 7 é deles. Entendeu? A questão só é essa. Porque aí depois ele vem contando cada carro desse... Patentes Além do empate por 2x2 com o Grêmio, a ensolarada tarde de 27 de outubro, um sábado, revela os rostos do “tenente” e do “major”, como são chamados. Depois de Marcelo, o sobrenome de outro envolvido também é citado. - Porque o negócio não é para mim, é para o major ali, entendeu? Porque eu trabalho com o major... - Quem é ele? - Com a camisa do Bahia, ali... - Qual o nome dele? - Bezerra... A desculpa para ir ao major, com seu inseparável cassetete, é negociar a diminuição do preço para estacionar na rua. - Pode ser por R$ 5? - Pode pegar... Cadê? Vê com ele... - Aquele ali, ó... - De verde? - É... Bezerra aceita a redução do preço sem problemas. É que, quando tratam pessoalmente com os motoristas, os ‘donos’ das vagas adotam a política da boa vizinhança. O próprio Marcelo deixa isso claro em uma das gravações. - O canal aqui é meu e de Bezerra. Mas eu jamais vou trazer constrangimento para você. Minha galera não é para constranger ninguém... A ação dos flanelinhas controlados por Marcelo e Bezerra se dá em uma via alternativa da avenida Paralela, num trecho que vai da altura do estádio até depois da loja de materiais de construção Ferreira Costa. Considerando que cada carro ocupe, em média, 5 metros, pode-se calcular cerca de 200 carros ao longo de um quilômetro. Como há carros parados dos dois lados da via interna, a média é de 400 veículos por jogo.
Mas há ainda pelo menos duas dezenas de carros na via principal, na pista de velocidade da Paralela, o que totalizam 420 veículos. Se cada motorista paga R$ 10, o esquema fatura R$ 4,2 mil por partida. “Quando o flanelinha chega dizendo que tem polícia por trás, aí a gente fica assustado e paga, né?”, diz um torcedor que pediu anonimato. Devidamente padronizados, com camisas coloridas, os guardadores seguem toda e qualquer ordem de Bezerra e Marcelo. - Os de camisa verde, amarela e azul, todos comigo. Pode dizer que é bróder de Marcelo que tá tudo bem... Na despedida, a confissão: - Bom saber que meu carro tá seguro... Você é polícia, né? - Eu sou polícia, meu irmão. Valeu! TíquetesO grupo tem até tíquetes de estacionamento, entregues aos motoristas que param no local. O tíquete é da Aseg (Associação dos Seguranças para Estacionamento em Geral), desconhecida pelo Sindicato dos Guardadores de Veículos da Bahia (Sindiguarda). Além de deixar claro que o pagamento tem que ser antecipado, o tíquete traz dois alertas ao motorista. “O automóvel só será entregue com a apresentação deste comprovante”. Mais abaixo, ressalta que “a direção do estacionamento não se responsabilizará por objetos deixados no veículo”. Viaturas da própria PM circulam pelo local e não incomodam Marcelo ou Bezerra, ainda que este não largue o cassetete. A Transalvador age da mesma forma. Um agente de trânsito chegou a ser alertado pelo repórter/torcedor sobre o problema. Mas tentou justificar a não fiscalização. - Ali não tem como controlar. Estamos sem efetivo... CabNo início de outubro, vários torcedores demonstraram sua indignação com a ação de flanelinhas na área do Centro Administrativo da Bahia (CAB). Os guardadores bloqueavam por conta própria as ruas que ficam atrás dos prédios da Embasa e da Secretaria Estadual da Agricultura (Seagri). Mal sabiam que policiais poderiam estar por trás de tudo. À época, a PM prometeu apertar o cerco. Mas, segundo torcedores ouvidos pelo CORREIO, os flanelinhas estão retornando aos poucos à região. Da avenida Pinto de Aguiar, contam os mesmos tricolores, eles nunca saíram. Na Paralela, na área do posto BR, conhecido como Posto 2, há um esquema semelhante ao da Ferreira Costa (veja ao lado), mas o suposto policial apontado como o responsável pelo estacionamento não foi flagrado. Desde as primeiras denúncias no CAB, a Transalvador criou um estacionamento com 150 vagas no canteiro central da Paralela, onde atuam guardadores sindicalizados que cobram R$ 5. Este é legalizado. Em Pituaçu, também é possível estacionar em estacionamentos fechados, instalados em terrenos privativos onde se cobra R$ 15. Há apenas três locais em que não há atuação de flanelinhas em Pituaçu. Os dois estacionamentos reservados à imprensa e um para diretores de clubes, convidados e autoridades. Se você não tem esse privilégio, cuidado. Além de sofrer com o risco de seu time entrar na zona de rebaixamento, você tem grandes chances de estar contribuindo para a sobrevivência de um esquema ilegal. Policial organiza vagas em postoA atuação de supostos PMs na organização de estacionamentos durante os jogos do Bahia não se restringe à área que fica em frente à loja Ferreira Costa. Entre os outros locais denunciados por torcedores, o posto BR que fica na avenida Paralela, na altura do estádio, também conta com sua milícia particular. No Posto 2, como é conhecido, 150 carros são protegidos por seguranças que se comunicam por rádio e seguem ordens do suposto PM. Pelo menos é o que informam os próprios funcionários do estabelecimento. A microcâmera do CORREIO não chegou a registrar imagens do homem identificado como sargento “Neves”, mas um funcionário do posto e dois frentistas admitiram que é ele quem organiza o estacionamento no local. “Todo jogo do Bahia era uma bagunça isso aqui. Torcedores bêbados e usando drogas faziam o que queriam. Depois de Neves, a coisa melhorou muito”, disse, sem se identificar, um funcionário. O sargento Neves também cobra R$ 10 por cada vaga e comanda cerca de 15 guardadores a cada jogo. O supervisor do Posto 2 garante que o estabelecimento não recebe um centavo. “Entregamos o posto a Neves para evitar as confusões que sempre existiram. Não queremos faturar nada”. PM e MP investigam envolvimentosA assessoria de comunicação da Polícia Militar informou que seu serviço de inteligência está investigando se ‘Bezerra’ e ‘Marcelo’ fazem parte da corporação. De posse de parte das imagens registradas pelo CORREIO, a PM faz uma pesquisa em seu cadastro para identificar os dois como policiais da ativa ou até da reserva. “Por enquanto, os dois ainda não foram reconhecidos como da PM. Mas continuaremos trabalhando até identificá-los”, garantiu o capitão Marcelo Pitta, do Departamento de Comunicação. Comandante da 82ª CIPM (CAB), responsável pela área, o major César Castro disse que chegou a ter “alguns informes” sobre a situação. Mas, durante abordagens, nada foi constatado. “Não posso dizer se tem policial envolvido ou se não tem. Que bom que vocês têm imagens. A partir delas poderemos identificar”, disse o major Castro. “Mesmo não sendo PMs, vamos chegar junto. Ninguém pode atuar no meio da rua dessa forma”. O Ministério Público Estadual (MP-BA) tomou conhecimento do fato pelo CORREIO e informou que iniciaria investigação a partir da publicação desta reportagem. *Transalvador incomunicável De quarta-feira até ontem, o CORREIO tentou entrar em contato com o superintendente da Transalvador, Renato Araújo, buscando explicações sobre a atuação de uma associação desconhecida de flanelinhas no Estádio de Pituaçu. O gestor, porém, não atendeu. Matéria original: Correio 24h Homens se dizem PMs e comandam flanelinhas no estádio de Pituaçu
Flanelinha mostra tíquete com nome de associação desconhecida |
Padronizados, guardadores de carros seguem as ordens dos supostos policiais |
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