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SALVADOR

Mais de 400 mulheres denunciam violência durante Carnaval

Observatório recebeu mais de 460 denúncias de crimes contra a mulher durante a folia em Salvador

• 16/02/2016 às 7:52 • Atualizada em 27/08/2022 às 17:08 - há XX semanas

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Se os casos de violência contra a mulher, no dia a dia, já estão entre as principais denúncias feitas à polícia, pelo 190, no Carnaval a situação é ainda mais grave, considerando os registros feitos no Ligue 180, que é a Central federal de Atendimento à Mulher. Durante a folia, em todo o estado, foram mais de 15 mil atendimentos, entre 4 e 9 de fevereiro, com 140 denúncias registradas.
As irmãs Thaianna e Ludmylla, vítimas de assédio e agressão (Foto: CORREIO)
Em Salvador, um levantamento do Observatório da Discriminação Racial, LGBT e Violência contra a Mulher feito durante a folia também dá uma dimensão do problema. Apenas nos primeiros cinco dias de festa, entre a quarta-feira e o domingo de Momo, foram 461 denúncias — incluindo assédios, lesões corporais e até estupros — das 1.078 feitas ao observatório, coordenado pela Secretaria Municipal da Reparação (Semur). Os casos lideraram o ranking de violência contra as minorias na festa, seguidas das denúncias de situação de vulnerabilidade social (308) e discriminação contra LGBT (182).Um dos casos de assédio e agressão a mulheres no Carnaval deste ano foi vivido pelas irmãs Thaianna, 29 anos, e Ludmylla Valverde, 27. A situação ocorreu na sexta-feira (5), aniversário da advogada Thaianna. Ela tinha ido com a nutricionista Ludmylla curtir a banda BaianaSystem no Campo Grande. Depois, as duas foram para a Barra e esperavam a passagem de Luiz Caldas, na esquina do Barra Center.Assédio e agressãoPassava das 22h e, antes que o pai da axé music chegasse, veio o trio da banda Aviões do Forró, comandando o bloco Eu Vou. “Eu estava na frente, passando batom, e vieram dois caras de dentro do bloco. Um deles meteu a mão na minha boca borrando meu batom e começou a limpar a mão suja de batom no meu corpo. Pedi para ele sair, mas ele começou a botar a mão na minha cintura”, lembra Thaianna. Ludmylla tentou intervir. Pediu, sem tocá-lo, que ele se afastasse.“Ele começou a bater boca, que era pra eu ficar em casa, que não sabia brincar. E eu disse que aquilo não era brincadeira, que eu brincaria com quem quisesse e iria aonde quisesse”, conta a nutricionista. Ludmylla, então, foi empurrada pelo homem e caiu. Foi quando o segundo agressor entrou em cena. “Ele rumou um copo de acrílico, que ainda estava com bebida. Foi uma pancada muito forte. Antes mesmo de botar a mão, senti que o sangue estava escorrendo”, relembrou. A assessoria do bloco Eu Vou não foi encontrada para comentar o caso.Retrato faladoApós a agressão, os suspeitos fugiram e as irmãs correram para o posto de saúde. Ludmylla teve um corte no supercílio esquerdo, levou oito pontos e chegou a desmaiar. Diante da violência sofrida, resolveram denunciar os agressores para servir de exemplo. “O Carnaval é um reflexo da nossa sociedade. Ele potencializa essa lógica de domínio, de propriedade”, analisou Thaianna.Ainda assim, elas sabem que a maior parte dos assédios e outros tipos de violência contra a mulher permanece invisível. “Não podemos esquecer que sou branca, de classe média e que muitas mulheres até falam, mas não ganham repercussão. Mas a gente pode transformar isso”, ponderou Ludmylla.Hoje, ela e Thaianna devem fazer o retrato falado de seus agressores, segundo a delegada Carmen Dolores, titular da 14ª Delegacia (Barra). Segundo ela, as imagens das câmeras de segurança do circuito Barra-Ondina já começaram a ser analisadas. Os suspeitos podem responder por lesão corporal, injúria e importunação ofensiva ao pudor. Ainda conforme Dolores, outros casos de violência contra a mulher na festa estão sendo investigados.Machismo Para a secretária estadual de Políticas para as Mulheres, Olívia Santana, o caso representa bem o que deve ser combatido. “Elas vivenciaram uma situação de machismo extrema. É como se a mulher não pudesse dizer não. A mulher tem liberdade de namorar se quiser namorar”, comentou.Para a gerente de conteúdo e comunidade da campanha Chega de Fiu Fiu, Luíse Bello, o Carnaval é mesmo uma festa em que o assédio sexual fica mais escancarado. Nessa época, a equipe apoia iniciativas em todo o Brasil, como a campanha #CarnavalSemAssédio em suas redes sociais. “Não consigo pensar em nenhuma outra festa que seja tão emblemática nesse sentido por causa dos blocos, dos trios elétricos, dessa coisa de ser na rua”, citou.Ainda conforme Luíse, na festa, a mulher se sente mais desprotegida. “A gente fica com mais medo de estar ali. A mulher sempre vai ter uma necessidade maior de pensar no seu bem-estar. Tem que ficar muito atenta com essa responsabilidade que não devia ser nossa, mas é”, lamentou.Série do CORREIO mostrou drama de estuprosA série de reportagens O Silêncio das Inocentes, publicadas no CORREIO entre 9 e 13 de dezembro, reuniu diversos relatos de estupros ocorridos em Salvador e provocou a discussão sobre o tema. Durante cerca de quatro meses, a equipe de reportagem apurou 116 casos de agressão sexual a mulheres na capital e mereceu uma moção do Senado federal. “A série conseguiu documentar histórias de quem vive esta realidade”, afirmou a senadora Lídice da Mata, que apresentou a moção.Para a senadora, o silêncio sobre o assunto torna a sociedade conivente com o crime e discutir o problema serve também para inibir a ação dos criminosos. “O silêncio naturaliza esse mal. O papel da imprensa é não permitir que isso aconteça e provocar o debate. Até porque, através dessas discussões, as vítimas tomam conhecimento de seus direitos e o agressor conhece as penalidades”, disse Lídice, durante entrevista ao CORREIO.Ainda por conta da série, representantes do CORREIO, do Ministério Público da Bahia (MP-BA), da Polícia Civil e de outras instituições discutiram o assunto em uma audiência pública na sede do MP, em 14 de dezembro passado. A audiência foi criada, especificamente, para debater o assunto.Experiência flagra assédios a repórter nas ruas do CentroPara dar uma ideia (aos homens) do que as mulheres passam — e sentem — ao sofrer um assédio, CORREIO fez um experimento por cerca de 40 minutos pelas ruas de Salvador. Já que a rua é o principal lugar onde as mulheres são assediadas, acompanhamos a repórter Iasmin Sobral em andanças pela Barroquinha e pelo Comércio.A rua foi o resultado encontrado a partir dos relatos no mapa da campanha Chega de Fiu Fiu, quando identificamos os locais onde as mulheres mais são assediadas. Em dezembro, ainda como parte do especial O Silêncio das Inocentes, o CORREIO anunciou uma parceria com a Chega de Fiu Fiu, da ONG Think Olga. Desde então, o mapa da campanha, que reúne cerca de 3 mil denúncias de assédio sexual no país, está também em nosso site.A rua aparece em 1.405 denúncias — fora aquelas que citam a “calçada” (243 casos), “esquinas” (160) ou “avenidas” (140). Logo em seguida vem “casa” – 1.011 assédios envolvem esse local. No ônibus, foram 931 vezes.Por isso, quando recebe um assédio — uma cantada, um “fiu fiu” — enquanto anda na rua, a maior parte das mulheres sente medo e não vê como elogio. “O que gera o medo do assédio é o medo do estupro. Existe uma relação muito próxima, porque é uma violência que nós nos sentimos sujeitas”, explica a gerente de conteúdo da campanha, Luíse Bello. Segundo uma pesquisa realizada pela Think Olga em 2013, 83% das mulheres não gostam de receber cantada.Ao longo de todo esse período, gravamos — com três câmeras, simultaneamente — o percurso feito por Iasmin.Foram muitos olhares, viradas de pescoço e até homens que davam alguns passos para tentar acompanhar a repórter por mais tempo. “Quando passei, dei três passos e todos os caras olharam para mim. Alguns fizeram uma gracinha, mas, no geral, olhavam feio. Parecia que estavam tirando sua roupa. Você se sente constrangida”, contou Iasmin.Alguns chegaram a falar com ela, usando termos como “bonita”, “linda” e “princesa”. “Linda”, inclusive, é um dos adjetivos mais utilizados nos assédios na rua, também segundo as denúncias ao Chega de Fiu Fiu. Ao todo, foram 128 ocorrências. Só perde para “gostosa”, que foi o que 341 mulheres escutaram. O terceiro lugar é ainda mais indigesto: “puta”, a palavra escutada em 62 situações de assédio.Para a coordenadora do Observatório da Lei Maria da Penha, Márcia Tavares, o assédio sofrido pela repórter é um reflexo de uma cultura que não percebe a mulher como sujeito. “Ela é percebida como objeto. O corpo da mulher é visto como um objeto sem a possibilidade de dizer sim ou não”, explicou.Colaboraram Amanda Palma, Iasmin Sobral e Giulia Marquezini
Correio24horas

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