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Nova Deusa do Ébano disputou concurso pela primeira vez

O sonho de ser rainha de blocos afros foi cultivado em Gisele desde a infância. Ela já foi Rainha Mirim do bloco afro Malê Debalê

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Redação iBahia

05/02/2017 às 18:00 • Atualizada em 27/08/2022 às 9:19 - há XX semanas
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O sorriso de Gisele Santos Soares, de 24 anos, transcendeu a Senzala do Barro Preto e chegou até Itapuã. Professora de dança, Gisele foi eleita na madrugada deste domingo (05) a Deusa do Ébano 2017 do bloco Ilê Aiyê, primeiro bloco afro do Brasil que tem um concurso de representatividade negra. Concorrendo pela primeira vez ao título, Gisele mostrou na expressão corporal, no bailado e no figurino que sua ligação como o bloco não é de estreante.

"Minha relação com o Ilê vem de berço. Minha mãe, que tem 51 anos, se via como Deusa do Ilê. Ela não foi. Minhas tias também. Então foi de geração para geração e chegou em mim e hoje eu sou a Rainha. Minha mãe sempre acompanhou blocos afros e, desde pequena, ela sempre me jogava para ir e dançar. É como eu já estou e pretendo continuar fazendo com minha filha. A gente vai caminhando e mostrando os caminhos: se ela quiser, ela vai; se não quiser, não vai", afirma Gisele.

O sonho de ser rainha de blocos afros foi cultivado pela dançarina desde a infância. "Comecei sendo Rainha Mirim do bloco afro Malê Debalê, de Itapuã, quando era bem pequenininha, e depois fui Princesa do bloco afro Ókánbí. Fui buscando os blocos até chegar aqui, que era meu grande sonho que é o Ilê. O Ilê tem sua representatividade. A mulher negra ser reconhecida pelo Ilê".

Gisele esperava participar do desfile apenas para ter experiência, mas acabou levando não só o troféu de Deusa do Ébano 2017, como também uma premiação de R$ 3,6 mil, uma fantasia do seu bloco do coração e dois bilhetes da Air Europa. “Não imaginei que estaria aqui, agora, sendo Rainha do Ilê Aiyê. Foi uma surpresa muito grande. Espero trazer muita prosperidade para o bloco, porque a gente está passando por um momento difícil”, disse a jovem.

Depois da vitória de Gisele, Zezé Barbosa, presidente do bloco afro Ókánbí, lhe deu um caloroso abraço. "Ela dançou comigo por dois anos. Mesmo quando estava grávida, não parou. Ela é meiga, doce. A gente se apegou muito nesse tempo. Estou muito orgulhosa, ela mereceu esta vitória. Primeiro porque tudo que ela faz é com amor. Ela se entrega mesmo. É um caminhar, um despertar. É muito lindo ver ela sair de um bloco menor, como o nosso, para o Ilê, que é reconhecido mundialmente".

Mãe da pequena Ayomí Zuhri, 10 meses, a nova Rainha do Ilê Aiyê Gisele tem alguns projetos comunitários tanto em Itapuã quanto em outras comunidades como Cajazeiras. Ela dá aulas para crianças e adultos tem formação em dança afro, ballet clássico e outras modalidades como jazz e dança contemporânea. "Eu busco essa representatividade para minha filha, em todos os sentidos. Desde quando ela fez três meses que eu dou aula, com ela pendurada. Sempre levei ela pras aulas comigo e até hoje levo".

A tia da professora de dança fazia parte do terreiro de Mãe Gilda, fundadora do Ilê Axé Abassá de Ogum, Terreiro de Candomblé localizado nas imediações da Lagoa do Abaeté, que ficou conhecido depois que foi alvo de episódios de intolerância religiosa nos anos 1990. Foi lá que a nova deusa do ébano começou a lidar com os tecidos africanos. "Eu ficava louquinha. Dizia eu quero, eu quero”.

Os tecidos emolduraram seu corpo em dezenas de apresentações artísticas pelas sedes dos blocos afros que já passou. "Depois entrei em uma escola de dança – que era uma academia – lá em Cajazeiras e que hoje é um centro cultural – o Edson Souto. Lá eu fiz aula de afro, de ballet clássico. Foi onde fiz a minha primeira formação. Depois ela fez aulas no curso livre da Fundação Cultural do Estado da Bahia – Funceb e aí fez outros cursos de especialização. Através dos blocos afro tive meu contato com a dança, minha paixão e profissão".

Diferencial

Gisele derrotou outras 14 candidatas - muitas veteranas na disputa, mas diz que sua autencidade falou mais alto. "Eu fui eu mesma. Isso foi um diferencial. A simplicidade, o amor que eu tenho pela minha família, pela minha filha, pelo meu companheiro. A energia dos meus amigos – tanto os que estavam em casa, quanto os que vieram e estavam aqui, gritando, torcendo por mim. Tudo isso contribui para que a gente dê mais de nós", conta ela, que usou na fantasia uma boneca representando a filha.

O concurso da beleza negra, reforça Gisele, não é apenas um concurso de beleza. "É um concurso de ancestralidade, de identidade, de força, de afirmação. Não devem ficar com receio se forem gordinhas, se for magra, se for alta, se for baixa. Aqui é uma casa para abraçar. Então não tem um padrão de beleza. Tem você vir como você é e trazer sua força de mulher preta e mostrar que você pode ser Deusa".

Como Deusa, ela espera trazer prosperidade para o bloco, que está passando por um momento muito difícil com dívidas que chegam aos R$ 600 mil. "Como Rainha, vou estar na frente conduzindo esse bloco, espero trazer muita energia positiva. Espero poder representar essas mulheres que estão dentro das comunidades e que muitas vezes estão acuadas e tem medo de sair de seu próprio bairro – seja por causa da violência que sofre dentro de casa ou na rua, por ser mulher preta. Quero representar essas mulheres negras que não conseguem se ver atualmente na sociedade. A gente como mulher preta, a gente sofre a todo momento e luta a todo momento contra o racismo que enfrentamos. Quero participar de todos os projetos do bloco. Quero estar aqui em todos os momentos. Quero crescer e fortalecer com o bloco", afirma.

Conselho
Os sonhos não devem morrer. Esse é o mantra da vencedora e Deusa do Ébano 2017 Gisele e seu conselho para os seguidores do bloco neste Carnaval. "A gente tem que lutar pelos nossos sonhos. Se você tem vontade de ser Deusa do Ébano venha, não desista. Não ouça o que as outras pessoas falam. A gente não pode saber se vamos conseguir ou não se a gente não tentar. Eu não acreditei que estaria aqui. Não imaginem que estaria, ali na hora do resultado. Foi uma surpresa muito grande, justamente pelo fato de ser a primeira vez", conta a professora, que recebeu o troféu das mãos do diretor teatral Elísio Lopes Jr.

Racismo

Todos os dias Gisele destaca que precisa combater o racismo. "Eu sou professora de ballet clássico. Ballet clássico está dentro do padrão eurocêntrico. Dentro um padrão de estética totalmente diferente do meu. O fato de eu chegar em uma escola particular e apresentar o meu currículo como professora de ballet, eu já sinto o preconceito e discriminação. As pessoas olham e perguntam: “Mas você que dá aula de ballet? Você não dá aula de afro?”, lamenta.

Esses fatos empoderam Gisele mesmo antes dela ser Deusa. "Porque acha que o preto só pode estar no espaço do preto? E, não, estamos aqui para ocupar todos os espaços. Todos somos seres humanos e devemos estar em todos os espaços da sociedade. Não só dentro do Curuzu. Não só dentro de Senzalas. Temos que invadir e ocupar todos os espaços, porque temos o direito. A gente tem que tomar de volta tudo o que foi roubado da gente e abraçar, enfrentar", decreta a deusa.

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