Há um ano o advogado Naim Jorge Neto, 27, luta para se recuperar. Ele voltava para casa, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana, quando, por conta de um engarrafamento próximo ao Hospital do Aeroporto, freou a motocicleta que conduzia. O carro que vinha atrás dele, porém, não parou. Com o impacto da colisão, o corpo do advogado foi arremessado e a moto ficou imprensada entre dois veículos.
O drama de Naim faz parte de um quadro de acidentes envolvendo motocicletas que tem aumentando nos últimos quatro anos. Muitas vezes termina de forma trágica. Segundo levantamento divulgado pelo Ministério da Saúde na sexta-feira, o número de mortes na Bahia quase dobrou em três anos: 521 mortes de motociclistas em 2010 contra 267 em 2008, um aumento de 95% - quase cinco vezes maior do que o registrado em todo o país no mesmo período. “Fraturei oito costelas, perfurei o pulmão, tive hemorragia interna, três lesões na coluna e fiquei em coma por 17 dias”, diz o advogado, que chegou a ficar quatro meses sem andar e perdeu o movimento do braço direito.
Ainda segundo o levantamento, o número de internações pagas pelo SUS decorrentes desse tipo de acidente em todo o estado saltou de 1.800 casos em 2008 para 4.191 em 2011. Esse aumento - de 133% - gerou no ano passado um gasto para os cofres públicos de R$ 2.342.919,38 a mais que em 2008. CapitalJá em Salvador, segundo estimativa da Transalvador, a cada dez acidentes de trânsito, sete tem motocicletas envolvidas. Segundo o diretor de trânsito do órgão, Renato Araújo, as vítimas geralmente são homens entre 18 a 29 anos e que usam motocicletas de até 125 cilindradas. “Já chegou ao ponto de a gente ter acidente de motocicleta com motocicleta”, diz. O auxiliar de serviços gerais, Adriano Souza já se acidentou duas vezes. Na primeira, em 2007, um carro colidiu com sua motocicleta. Ele perdeu o movimento do pé esquerdo. Na segunda vez, em março deste ano, um assaltante que estava em um carro roubado e fugia da polícia veio na contramão, próximo à entrada de Itinga, e colidiu de frente com a moto. Ele fraturou o fêmur e a tíbia do pé esquerdo. Hoje, ele está impossibilitado de trabalhar e anda com auxílio de muletas; faz fisioterapia duas vezes por semana e pelo menos uma vez por mês tem que fazer revisão no Hospital do Subúrbio. “Fiquei um mês e meio de cadeira de rodas. A previsão para eu estar realmente recuperado é de no mínimo seis meses. Dependo da ajuda de amigos. Agora vou parar com esse negócio de moto. Já chega”, desabafa. Naim pensa um pouco diferente. “Adoro moto. É uma verdadeira paixão. Mas, ainda não voltei a andar. Psicologicamente, não estou pronto. Só daqui a seis meses ou um ano”, diz o advogado, que apesar de tudo comemora: “A previsão era que eu ficasse no hospital por dois anos e tinha o risco de ficar paraplégico”. CausasPara o professor da Escola Politécnica da Ufba e especialista em trânsito e transporte, Elmo Felzemburg, o primeiro aspecto a ser considerado é o aumento no número de motocicletas. “Os dados são alarmantes porque são vidas perdidas e as internações refletem nos custos da saúde pública. A maioria dos jovens não tem condições de comprar um carro e o nosso sistema de transporte público é tão deficiente que faz com que os cidadãos procurem alternativas”, destaca. O professor destaca ainda a fragilidade das motocicletas. “O parachoque do motociclista é ele próprio”, diz. O coordenador do curso de Fisioterapia da Unime, Paulo Henrique Oliveira, concorda. “O piloto de moto está muito exposto. Quando ele cai, pode lesionar as pernas, braços, coluna e cabeça”, diz. Segundo o Departamento Estadual de Trânsito (Detran), em sete anos houve um crescimento na Bahia de 185% no número de motos cadastradas no órgão - de 303.126 em 2005 para 865.565 este ano. Em Salvador, esse aumento foi de 40.089 para 96.291 (140%) no mesmo período. Aliado ao incremento de motos estão também, segundo especialistas, a imprudência e problemas nas pistas. “Muitos motociclistas invadem sinais, trafegam entre carros. Tem também nossas vias que são mal sinalizadas. Carros e motos trafegam misturados”, diz Felzemburg. O especialista destaca também que a fiscalização insuficiente. “Apesar de parecer que a prefeitura multa muito, não tem adiantado”. No caso de Salvador, o diretor de trânsito da Transalvador diz que as blitze são feitas todos os dias. “A gente recolhe cerca de 40 motocicletas por dia. É um número elevado”, destaca Araújo. Entre as principais infrações, Araújo destaca falar ao celular na direção, trafegar sobre canteiros, andar na contramão e não usar capacete. Motociclistas rejeitam generalizaçãoApesar de o levantamento do Ministério da Saúde não apontar as causas dos acidentes, o presidente da Associação dos Motociclistas da Bahia, Ruiter Franco, considera os números “preocupantes”, mas ressalta que é preciso analisar alguns aspectos dos dados. “Existe um grande volume de acidentes onde o motociclista não é provocador do acidente, como por exemplo quando ele é atacado por outros usuários do trânsito”. Para ele, a aplicação de multas não é suficiente. “Há uma ausência do Estado no cumprimento das leis e normas já estabelecidas. Tinha que ter mais agentes de trânsito para orientar e fazer cumprir a legislação”, emenda Franco. Ele salienta que não são somente os motociclistas que descumprem as regras de trânsito. “O motociclista tem uma significativa participação, porém todos os responsáveis pela utilização de ruas e rodovias deveriam sofrer as mesmas penas e criticas, não apenas esta categoria”, finaliza. O aposentado Roberto Figueiredo, 64, pilota há 45 anos e diz que nunca teve sequer um arranhão. Há nove dias, porém, ele perdeu um companheiro de estrada, o motociclista Erivan Moraes, 63, conhecido como Help, e destaca que é preciso tomar cuidado para não generalizar a imprudência. “Ele estava indo com a esposa para um evento de motociclistas. Logo após a entrada de Massarandupió (Litoral Norte), uma kombi veio na contramão, capotou e pegou ele no acostamento. O motorista da Kombi estava bêbado. Só a esposa conseguiu sobreviver”, lamenta Figueiredo. Para explicar a filosofia de vida que adotou, ele cita exemplos do mau uso de motocicletas. “Eu sou motociclista. Quem pega moto sem habilitação não é. Ladrão que usa para roubar também não é. Se anda com velocidade alta entre dois carros, é irresponsável e não motociclista”. PRE: maior perigo é andar entre os carrosA maioria dos acidentes ocorre nas rodovias baianas quando os motociclistas passam pelos corredores de veículos, segundo a Polícia Rodoviária Estadual (PRE). Na sexta-feira, duas pessoas morreram e outra ficou ferida no Km 96 da BR-420, próximo ao Porto de Aratu. A PRE informou que o acidente aconteceu quando uma motocicleta que transportava três pessoas se chocou lateralmente com um caminhão. Jéssica Carmo dos Anjos, 20 anos, e Andressa Sampaio dos Santos Pereira, 15 anos, não resistiram aos ferimentos e acabaram morrendo no local. O condutor da motocicleta, Luciano de Jesus Araújo, 20 anos, ficou gravemente ferido e foi socorrido para o Hospital Geral do Estado (HGE). O motorista do caminhão fugiu sem prestar socorro. “O que acontece é que a motocicleta é um transporte precário, sem estabilidade. Qualquer desequilíbrio provoca um acidente”, destaca o tenente da PRE, Jorge Lopes. “A gente faz fiscalização ordinárias nos postos”, complementa.
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