"Não há massa crítica no interior das empresas para reproduzir ou gerar escuta do que está ocorrendo na sociedade".
Por Liliane Rocha*
Estive, no início de setembro, na Conferência Internacional do Ethos. Há 10 anos, rigorosamente, estou presente, ávida por ouvir as novidades, ou não tão novidades assim, do mundo da sustentabilidade.
O evento em si tem pontos de melhorias e ajustes, mas certamente ainda é o mais importante para gerar reflexão sobre os temas sociais e ambientais no Brasil e no mundo, seja pelas apresentações em plenárias ou pelas maravilhosas conversas de corredor com especialistas, amigos e transeuntes de todo o país.
Dessa vez, a plenária mais impactante, possivelmente por ser a mais atual e conectada com a pulsante realidade em que vivemos, foi: “O que dizem às ruas? E o que as empresas tem a ver com isso?”.
Todos os pontos trazidos foram interessantíssimos, mas para mim, e certamente parto de um tema do qual tenho proximidade, um dos principais aspectos dessa questão nem sequer foi mencionado. A resposta é clara e consensual: Não, as empresas definitivamente não estão ouvindo a voz das ruas. Certamente, nem estão chegando perto disso. Mas por quê?
O principal motivo das empresas não estarem ouvindo as ruas é o fato de que elas, no conjunto de sua obra, não expressam o mecanismo que compõe esses movimentos. Os movimentos são plurais, diversos, dinâmicos e conectados. São múltiplos os anseios vindos à tona, e muitos grupos estão querendo falar e ouvir. Somente organismos que tenham em si essas características estarão aptos a fazer uma leitura mínima do que está acontecendo e capazes de interagir com os fatos.
Se as empresas nem sequer conseguem ser um espelho da sociedade brasileira, como conseguirão compreendê-la e ouvi-la com clareza? As empresas em geral tem uma composição de funcionários completamente padronizada e igual. E quanto mais subimos em níveis hierárquicos, mais essa uniformidade se acentua e se fortalece. Ou seja, não há massa crítica no interior das empresas para reproduzir ou gerar escuta do que está ocorrendo na sociedade.
Liliane Rocha é especialista em Gestão da Sustentabilidade pela FGV
Foto: Divulgação
Para termos uma amostra, analisando as 500 maiores empresas brasileiras, percebemos que, percentualmente, no quadro funcional, são apenas 33% de mulheres, 30% de negros, 1,5% de pessoas com deficiência, a diversidade sexual ainda é tabu, não há espaço para os jovens demais ou idosos, e as áreas de recursos humanos continuam a ignorar os currículos dos milhares de alunos ditos de “faculdades de segunda linha”. Ou seja, segregam uma parte da sociedade que é crucial e fundamental nos movimentos que estão ocorrendo no Brasil.
Ainda que, verdade, muitas das pessoas que trabalham nas empresas saiam do trabalho e rumem direito para uma das passeatas, a realidade é que, dentro das empresas, pouco desse processo de efervescia e questionamento se reproduz. Possivelmente, quando voltam às empresas, essas pessoas se sentem acuadas e pouco trazem em alto e bom som a sua voz e o seu ideal, seja individual ou coletivo.
Isto é crítico para uma sociedade que vive um momento determinante e não contempla um setor fundamental da economia e vetor de transformações como deveria. Mas, ainda mais crítico, é para as empresas. Certamente, em algum momento, toda essa movimentação baterá em suas portas. Nesse dia, será incompreensível dizer que as empresas não estavam preparadas ou que não sabiam do que estava acontecendo no país. Será impossível explicar porque não ouviram antes.
Liliane Rocha é relações públicas pela faculdade Cásper Líbero e especialista em Gestão da Sustentabilidade pela FGV.
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