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Descaso e corrupção marcam escolas do Pará

Estudantes com aulas em árvores, igrejas ou barracões improvisados, sem material escolar e utilizando um barco mal-cuidado como transporte escolar, enquanto a prefeitura deixa de usar lanchas novas por falta de combustível. Professores mal-remunerados e sem preparo, direito ao INSS (mesmo pagando pelo benefício) e com até 26 anos de serviço como temporário, são a regra, e não exceção, no interior paraense.

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28/08/2012 às 14:35 • Atualizada em 05/09/2022 às 8:17 - há XX semanas
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Descaso pode ser percebido nas condições precárias das escolasFotos: Ana Aranha/Pública

Se o estado da educação pública no Brasil é tido como lamentável até em grandes centros urbanos, imagina em locais “quase invisíveis”. No Pará, estado que acumula títulos de maior taxa de abandono do ensino médio e o último lugar no ranking em educação na região Norte, ao lado do Amapá, segundo dados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação), a situação chega a ser trágica. Em uma visita às cidades de Portel e Anajás, ambas na Ilha de Marajó, a repórter Ana Aranha, da Agência Pública, encontrou desvio de recursos, descaso e abandono.

A verba repassada para a educação pelo governo federal a esses municípios corresponde a mais de 70% da receita dessas prefeituras, bem como acontece em 25% dos municípios brasileiros. No entanto, os recursos destinados à merenda, transporte, construção de escolas e livros didáticos jamais chegam ao destino.

Descaso

O abandono da educação pelo poder público é relatado por Ana de perto. Estudantes com aulas em árvores, igrejas ou barracões improvisados, sem material escolar e utilizando um barco mal-cuidado como transporte escolar, enquanto a prefeitura deixa de usar lanchas novas por falta de combustível. Professores mal-remunerados e sem preparo, direito ao INSS (mesmo pagando pelo benefício) e com até 26 anos de serviço como temporário, são a regra, e não exceção, no interior paraense.

“De fora, a pequena escola Coquirijó, uma das 177 escolas rurais que ficam à beira dos rios de Anajás, parece bem cuidada. As telhas são novas e as paredes brancas valorizam o verde bem pintado nas janelas e no nome do colégio. Na sala da professora Darlene Lobato, 23 anos, os alunos da 4ª série copiam em cadernos e folhas sulfite providenciados pela professora a lição sobre “números naturais”, que enche a lousa, enquanto os meninos da 1ª à 3ª séries tentam ler juntos o papel em que a professora transcreveu a cartilha à caneta. É o recurso disponível para alfabetizá-los”, relata a jornalista.

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Segundo relata Ana, esta escola foi entregue pela prefeitura sem acabamento. A ausência de mesa ou prateleiras na cozinha deixa merenda, pratos, copos e panelas no chão. No local, que abriga a professora e a servente à noite, por morarem longe da escola, falta eletricidade, e um defeito na tubulação da caixa d’água obriga alunos e professores a buscarem água do rio com um balde.

Desvios

“Aqui a coisa é escancarada”, ressalta o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública no Pará, em Anajás, Aldomir Ricardo Borges de Menezes, ao destacar que são muitos os desvios de verba. O sindicato reuniu diversos documentos, como relatos dos professores, notas fiscais, repasses com as descrições do convênio e acionou instâncias de investigação para provar o desvio. O prefeito da cidade, Edson Barros, chegou a ter o mandato cassado devido às irregularidades no repasse de material escolar, mas obteve uma liminar da Justiça Estadual para voltar ao cargo.

Um documento reunido pelo sindicato, por exemplo, aponta superfaturamento da merenda para os alunos mais velhos. Na planilha da prefeitura, o suco de caju vale R$ 5,20 a unidade, enquanto no mercado local o mesmo suco custa R$ 2. Algumas das denúncias foram investigadas pela Controladoria Geral da União, que constatou 42 irregularidades, atualmente sendo investigadas pelo Ministério Público Federal do Pará.

Os professores, que demonstram ter o INSS descontado, mas não terem cadastro no serviço, afirmam que sofreram coação para assinar documentos atestando a chegada de materiais que nunca viram. “Em Anajás a gente tem escolha, assina o recibo ou a carta de demissão”, ironiza um professor. O prefeito e a secretária de educação não foram localizados para responder às denúncias. “Já cansamos de enviar todas essas informações para a Justiça, Polícia Federal, Ministério Público, Ministério da Educação. E nada acontece”, desabafa Doca.

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Em Portel, a situação não é diferente: uma visita da Controladoria Geral da União, em 2004, encontrou fraude de licitação, superfaturamento e notas fiscais referentes a materiais não localizados com as verbas destinadas à educação.

No começo de 2012, o ex-prefeito Elquias Nunes da Silva Monteiro foi condenado por uma das muitas irregularidades detectadas: desvio da verba para salário dos professores. Ele teve os direitos suspensos, mas não era mais prefeito quando foi condenado. Continuando a escola do antecessor, o atual alcaide demitiu 1.131 professores e funcionários temporários em junho e recontratou 1.024 no começo de agosto, só para não pagar as férias dos temporários, que representam 44% dos professores.

Qualidade

Sem infraestrutura ou condições mínimas para a escola, qualidade na educação é quase uma utopia. “Não há nenhuma orientação ou preocupação em relação ao que acontece dentro da sala de aula. Foi trabalhar, preencheu a caderneta, está perfeito”, observa Odineia Ferreira Correia, professora de história na zona rural. Segundo ela, na sua escola, ninguém nem ficou sabendo quais os resultados do Ideb, mas receberam uma única orientação: aprovar.

O Ideb combina a avaliação dos alunos em português e matemática com a aprovação, assim as escolas conseguem melhorar a nota sem mexer na qualidade, apenas aprovando os alunos. O Ideb de Portel saltou de 2,7 em 2009 para 3,8 em 2011 (em uma escala até 10). O crescimento se deve exclusivamente ao aumento da aprovação, já que a nota dos alunos em português e matemática caiu.

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