Txai Brasil é engenheiro eletricista, doutor em Meio Ambiente, mestre de capoeira e de aikido, e gravou, em 2005, o primeiro CD Carbon Free do planeta. Mas acima de tantos talentos e qualificações está um homem preocupado com o planeta, que trabalha há mais de 20 anos com energia renovável e mudanças climáticas, que já coordenou mais de 600 planos de compensação de emissões por restauro florestal, viabilizou o plantio de mais de 300 mil árvores nativas e foi consultor do Banco Mundial e da ONU.
Nesta entrevista ao Portal EcoDesenvolvimento.org, Txai fala sobre a palestra que vai ministrar no sábado, 22 de setembro, no TEDxPelourinho sobre Cidades Inteligentes, o cenário do mercado de carbono no Brasil e no mundo e as mudanças centrais que deverão permear a sociedade para que ela consiga migrar rumo a um desenvolvimento mais sustentável.
EcoDesenvolvimento.org: Qual vai ser o tema de sua palestra no TEDxPelourinho?
Txai Brasil: O título que escolhi foi "verde urbana inteligência". Vou defender que os focos de inteligência nas cidades se dão nas e em consonância com as áreas verdes urbanas. Inteligência entendida como expressão do coletivo, onde exista cidadania e seja provocada a criatividade a partir da inspiração e da troca.
O quão distante você acha que as cidades brasileiras estão disso?
Muito distante de reconhecer, mas muito perto de perceber isto. Me parece que, assim como em Copenhague (Dinamarca), ficou claro que o eixo de soluções para o clima foi deslocado dos governos para a sociedade. Aqui também o eixo do reconhecimento deve partir da sociedade. Quem se apropria dos espaços verdes, cuida deles e os prolifera (porque os reconhece como importantes) são seus usuários. Nisso temos boas experiências.
Como qual, por exemplo?
Como a “Rua mais bonita no mundo”, em Porto Alegre, o projeto boapraca.ning.com, o Parque Santo Dias, no Capão Redondo - periferia de São Paulo.
Você acha que os brasileiros têm esse poder de engajamento prático?
Já constatamos o poder de resolução dos brasileiros inúmeras vezes. No último racionamento de energia, nos "fiscais do Sarney", mesmo a esmagadora popularidade atingida em alguns momentos do governo Lula, só para citar coisas opostas ideologicamente. Na área eco, a febre midiática das mudanças climáticas por aqui. O brasileiro me parece bem sensível e suscetível a mudanças. Talvez seja mais difícil pensar no que seria necessário para a manutenção dessas posturas ao longo do tempo.
E o que seria?
Aí teríamos de imaginar uma mudança cultural. Nós temos uma cultura de centenas de anos onde se espera que o público seja cuidado por um poder maior, o divino para as coisas no geral, o da natureza para o meio, o dos governos para os estados em todas suas divisões. Por isso que, resgatando o início de nossa conversa, as áreas verdes atuam no cerne dessa questão ou têm esse poder, porque elas suscitam o empowerment do público por meio da prática cidadã, criativa e emocional. Você se torna parte de uma praça, de uma árvore, não quer ver sua devastação, entende os serviços ambientais prestados por aquelas árvores a seus filhos, não permite que simplesmente as cortem.
Qual pode ser o impacto dessa mentalidade na compensação de emissão de uma cidade?
Total. É a porta de entrada para o entendimento do que são essas emissões e quais as escolhas que temos de tomar para que elas aumentem, se mantenham ou diminuam. As árvores fazem parte total disso, pois sequestram, mas também emitem. Porém não podemos ser apenas escravos de métricas. Emissões são métricas, temos de entender o significado para lidar com elas. O corte highlander de 10, 20, 30 ,70, 90% é tão ruim quanto corte nenhum, pois é uma ação arbitrária que, desprovida do seu significado socioambiental, se torna apenas ditatorial sobre um modo de vida. É como alguém dizer que bom para você é viver num quadrado ao lado de um rio, plantando e colhendo e comendo essa comida. Parece bom, mas você sabe o que é isso? São as prisões rurais.
Então antes da mudança prática é preciso uma mudança conceitual, de concepção...
Infelizmente, pelo que se denota, não temos esse tempo. Temos de mudar na prática e no conceito, correndo o risco de errarmos muitas vezes. Creio que tenhamos que ter aptidão à mudança, não ter medo de errar e muito menos de reconhecer esses erros para seguir no ciclo.
Isso se aplica muito à população de um forma geral, mas também serve para empresas e governos?
Para as empresas, certamente. Empresas são apenas grupos e agrupamentos de pessoas. Já a questão com governos resulta na que o modelo estrutural governamental é neandertal. O meio, há muito solapou qualquer fim que não seja a perpetuação, o poder e suas consequências lícitas e ilícitas.
E volta à conversa sobre o engajamento da população, de retomar o poder para si?
De se reapropriar de pelo menos algumas questões. Não é difícil imaginar que a sua casa termine no portão e do seu portão para frente parece algo como uma galáxia distante onde seus filhos brincam (ou poderiam), mas você não se preocupa nem com uma mudinha de árvore? Não se trata de anarquia, muito pelo contrário, é sobre pertencimento.
Como está o mercado de carbono hoje?
Em plena revolução, mais uma vez. Primeiro porque a falência do modelo da diplomacia em lidar com essa questão geral, como a COP-15, solapou a ideia de um grande eixo e, com isso, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Tudo que aprendemos com esse processo está servindo para ajustarmos esse "mercado" a acordos bilaterais de âmbitos diversos, como o entre o governo da Califórnia e o Acre, e no modelo de cumprimento de metas setoriais que hoje já são reflexos das pressões que emanaram da sociedade e seus representantes como, por exemplo, as metas de "neutralização" das empresas. Isso torna o ambiente mais ágil e mais inteligente. Claro que os especuladores de plantão sempre terão algum espaço para se movimentarem, mas estes mesmos se locupletaram tremendamente no MDL.
Onde o Brasil se encaixa neste contexto?
O Brasil se encaixa em vários níveis. Tem sua meta própria, tem uma perspectiva de ambiente próprio, o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) tem dimensões em níveis estaduais e municipais, como a meta de SP, PR, RJ e a Bolsa Verde. E aqui foi desenvolvido o primeiro modelo para pôr as florestas nas balanças, o carbon free, que depois se multiplicou em vários modelos. Isso tudo nos últimos sete anos. Ou seja, temos muito a fazer por um lado, todos os problemas de quem sai fazendo, mas temos muitas iniciativas e oportunidades também. Se considerarmos a complexidade inerente do Brasil isto é único e, até certo ponto, exemplar.
Quais são os maiores desafios para se implantar um modelo de neutralização global?
Não sei se isto teria muito sentido. Seriam vários modelos, porque a maneira de compensar tem de fazer sentido localmente. Aliás, essa é justamente uma das diferenças. Neutralizar é uma denominação superficial e um tanto perigosa porque dá uma ideia do neutro, do zero. Meio que passa por cima da caracterização de que as contas de inventários têm limites e horizontes de contabilidade, aproximações e que as atividades para neutralização têm temporalidades e também seus horizontes. Em um restauro florestal, por exemplo, teria sentido com fragmentos nativos e, para mata atlântica, poderia se levar 37 anos para atingir o patamar projetado a se compensar.
Você falar que isso é neutro dá uma ideia de “pagou-zerou” e que pode pagar de novo. Compensar tem a ver com pensar os recursos com uma ação que se aprofunda ciclicamente no sentido de pensar o compensar junto, com todos. Claro que quando uma agência te procura para neutralizar o evento, eles querem, em última análise, “o selo". Mas essa é a diferença de quem vende o selo e quem propõe serviços ambientais e explana o que isso significa.
Muito se fala de possíveis consequências negativas para esse mercado, como países e empresas que mantêm suas economias de alto carbono por saber que poderão comprar créditos dos países em desenvolvimento. Qual sua opinião sobre isso?
Isso é uma visão um pouco sem sentido. O que se financia é um desenvolvimento sustentável em detrimento do outro tipo. Se permite não que o brasileiro não tenha acesso ao padrão de consumo americano, mas que o que signifique isso possa ser diferente, melhor. Ruim seria se todo o recurso que viesse nesse sentido fosse parar num Fundo Amazônia e daqui uns anos a gente descobre um mensalão do Fundo Amazônia.
Mas é isso que tem acontecido na prática?
Mais ou menos. Que o carbono ajudou a mudar o padrão de destinação de resíduos sólidos no Brasil não há dúvida. Que hoje se fala em serviços ambientais de água e biodiversidade porque já tivemos alguma experiência de carbono florestal também. Mas, por outro lado, há um grande número de atividades de projetos contempladas por análises tortas, feitas para justificar a vinda do recurso do carbono. É uma forma de corrupção do princípio. O primeiro mandamento do carbono é a contribuição para o desenvolvimento sustentável. Não a "cereja do bolo" de um projeto como muitos erroneamente pensam.
O que esse o mercado de neutralização já trouxe de efetivamente positivo e negativo?
De positivo, muitas coisas, um modelo de restauro e conservação que não existia. Antes era só por ordens judiciais. A ideia de que isso pode ser um serviço prestado e, por isso, honestamente remunerado. A perspectiva da valorização de quem trabalha com isso no campo. A difusão do conhecimento do que é floresta, mudas, viveiros, hoje são cartilhas que vão da primeira infância a teses de doutorado. Quando começamos, em 2005, não tinha nada disso. Hoje não existe supermercado no Brasil que não tenha ao menos um produto com alguma referência desse tipo, para não dizer mercadinho. Isso planta também uma nova forma de cidadania e faz com que o movimento cultural marginal ganhe forças, ou seja, tem um ciclo do bem.
O negativo é que obviamente há o risco de esse fundamento ser tratado apenas como moda. E uma boa parte das pessoas que trabalham com isso o fazem porque acham que podem ganhar dinheiro, sem entender todos seus significados e compromissos. Eu costumo dizer para as empresas e governos com quem trabalho que os negócios de carbono são bons negócios para todos, mas não são negócios da China.
O que você acredita que vá ganhar mais força daqui pra frente?
Acho que a coisa mais importante neste momento e em todo o processo é a cultura e a estética ligada a essa cultura. Já recomendei várias empresas a não fazerem determinados projetos porque a cultura deles não tem nada a ver com aquilo e esse é o verdadeiro greenwash: tentar ser o que você não é. Se você quer ser green, seja, acredite nisso como se acredita em qualquer negócio, com investimento sério e aptidão a risco.
Na sociedade, creio que temos de sedimentar tudo isso e aí entra o papel das artes, não no sentido panfletário. Não existe nada mais horrível do que arte panfletária, mas no sentido de refletir essas angústias, dúvidas e crenças nas coisas, nas soluções. O que vem agora é como socialmente damos conta da verdadeira mudança que precisamos, a cultural. Porque nenhuma dessas contribuições resolve o todo por si, nem todas juntas o farão sem mudanças nesse sentido. Eu já ouvi a seguinte pérola: "e tem árvore para dar conta de tudo isso de neutralização?". Infelizmente temos muita áreas degradadas, só Área de Preservação Permanente (APP) de rios no estado de São Paulo são 1 milhão de hectares degradados, dá 1,6 bilhão de arvores só nesse item, então, "estoque" não seria o problema. Se a gente conseguir restaurar tudo mesmo assim, fantástico! Em nome de uma questão resolvemos outras! Poderemos criar outro jeito igualmente fantástico para resolver outros problemas.
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