Especialistas discutem métodos para substituir uso de animais em testes de laboratório, minimizar o sofrimento de cobaias e garantir melhores resultados
Foto: Divulgação
Impulsionada pela opinião pública e pelo desenvolvimento científico e tecnológico da toxicologia, que estuda os efeitos de substâncias químicas sobre os organismos, a busca por métodos alternativos aos testes de laboratório em animais já apresenta resultados: simulações de interações moleculares em computador e novas tecnologias para ensaios in vitro minimizam o uso de cobaias e apontam para um futuro livre de testes in vivo.
Esforços de instituições nacionais e estrangeiras nesse sentido foram apresentados no workshop Challenges and perspectives in research on alternatives to animal testing, realizado na Fapesp no dia 31 de março.
Para os especialistas participantes, é preciso desenvolver e adotar alternativas aos testes em animais para a redução do uso de cobaias e dos riscos para o próprio ser humano, pois, dadas as particularidades das espécies, os resultados dos experimentos não são suficientemente eficazes.
“Os testes em animais vêm sendo usados há muitas décadas, mas nunca refletiram de maneira adequada os efeitos das substâncias testadas quando aplicadas ao organismo do ser humano. É preciso avançar por questões éticas e também científicas, incorporando novas tecnologias e abordagens à toxicologia”, disse Thomas Hartung, do Center for Alternatives to Animal Testing do Johns Hopkins University Hospital, em Maryland, nos Estados Unidos, à Agência Fapesp.
No workshop, Hartung tratou da implementação do princípio dos três Rs da experimentação animal, elaborados em 1959 pelos ingleses William Russel e Rex Burch: refinamento, redução e substituição (replacement, em inglês), que consistem na diminuição da quantidade de animais utilizados na pesquisa, na melhora na condução dos estudos para minimizar o sofrimento das cobaias e no desenvolvimento de sistemas experimentais que reproduzam as condições dos organismos, dispensando modelos vivos.
“A ideia é utilizar novos métodos que, em vez de comprometer a qualidade do trabalho, ampliem a confiança nos resultados. O refinamento, por exemplo, ao aprimorar os procedimentos para minimizar a dor e o estresse das cobaias, tem impacto também nos resultados por controlar alterações psicológicas nos animais, que aumentam a variabilidade experimental dos resultados”, afirmou.
Maria José Soares Mendes Giannini, pró-reitora de Pesquisa da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenadora do workshop, enfatizou que a busca por alternativas aos testes em animais é condição para o avanço da ciência.
“Além das razões de ordem ética, que estão no cerne da busca por alternativas aos testes in vivo e de toda a demanda para diminuir e evitar o sofrimento dos animais, é urgente a questão do avanço científico. Os modelos animais são comprovadamente limitados, não permitem obter respostas de qualidade suficientemente boas”, afirmou Giannini, que também é membro do Conselho Superior da Fapesp.
“Novos medicamentos muito avançados, como os imunobiológicos, se aplicados em um modelo animal não provocarão reações comparáveis à maneira como nós, humanos, reagiríamos. Os testes toxicológicos precisam acompanhar esse desenvolvimento, avançando para além dos modelos animais”, disse.
Órgãos em chips
Durante o workshop, Wagner Quintilio, do Instituto Butantan, apresentou uma série de resultados de estudos empregando métodos in vitro para substituir o uso de animais no desenvolvimento e controle de qualidade de imunobiológicos produzidos na instituição.
Para Chantra Eskes, da European Society of Toxicol in vitro, a humanidade caminha para dispensar o uso de animais em testes de laboratório especialmente por conta da evolução dos testes in vitro.
“A humanidade vive uma grande revolução científica com a possibilidade de retornar células ao seu estado inicial e, a partir delas, produzir tecidos e órgãos para aplicar testes com substâncias tóxicas nas células do próprio paciente. Com o conhecimento crescente do genoma, do transcriptoma e do proteoma humanos, o caminho para a substituição dos testes in vivo por ensaios in vitro mais avançados está traçado”, disse Eskes.
Nesse sentido, Silvya Maria-Engler, da Universidade de São Paulo (USP), apresentou resultados promissores sobre o modelo tridimensional de epiderme desenvolvido no Brasil.
Empregando células primárias de pele humana, o modelo tem sido adotado em estudos de irritação e corrosão cutânea em substituição aos ensaios em animais e na avaliação da eficácia de moléculas candidatas a fármacos antimelanoma, além de estudos de doenças de pele e outras pesquisas.
Essa revolução, agregada a novas tecnologias aplicadas aos testes in vitro, compensa a deficiência dos modelos animais na similaridade com o organismo humano, disse Eduardo Pagani, do Laboratório Nacional de Biociência (LNBio).
“Além de culturas celulares, podemos ter tecidos, que são grupos de células organizadas e que podem ser cultivados em dimensões mais complexas, buscando-se uma maior correspondência com a morfologia normal dos tecidos humanos”, explicou Pagani, referindo-se às culturas organotípicas, que combinam diferentes tipos celulares.
O pesquisador apresentou, em sua palestra, o conceito de organs-on-a-chip, tecnologia em fase inicial de desenvolvimento em algumas instituições estrangeiras que utiliza células-tronco para fazer crescer órgãos humanos integrados a microchips capazes de reproduzir o funcionamento de órgãos vivos, como o pulmão e o coração.
De acordo com Pagani, o LNBio, junto com a Rede Nacional de Métodos Alternativos (Renama), está buscando associação com grupos que possuem a tecnologia para trabalhar em parceria no desenvolvimento de testes de avaliações de toxicidade em organs-on-a-chip.
Testes in silico
Outra importante frente de desenvolvimento de alternativas a testes em animais é a simulação em computador, chamada de teste in silico.
“Nos testes computacionais, o que se faz é acessar bases de dados de drogas já testadas e buscar semelhanças com as drogas novas, efeitos semelhantes de toxicidade e absorção farmacocinética ou até mesmo eficácia para determinadas indicações. Trata-se de predições teóricas feitas por comparações da molécula nova com outras já testadas”, disse Pagani.
No entanto, o pesquisador explica que “os testes in silico ainda não eliminam a necessidade de experimentações com animais, mas reduzem a quantidade de substâncias a serem testadas in vivo”.
Raymond Tice, do National Institute of Environmental Health Science dos Estados Unidos, apresentou no workshop os resultados do programa norte-americano Toxicologia do Século 21 (Tox 21), que mostra os efeitos de diversas substâncias químicas sobre diferentes vias de sinalização celular em modelos robóticos de alto desempenho (high throughput screening). A iniciativa apresenta uma nova visão da avaliação de risco, diferente da toxicologia tradicional, para caracterizar as vias de toxicidade e doença.
Foram apresentados ainda, nas palestras de Cláudia Vianna Maurer Morelli, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Giannini, modelos alternativos ao uso de mamíferos, como o peixe-zebra, popularmente conhecido como paulistinha, e o inseto Galleria mellonella, a traça da cera.
Regulação
A comunidade científica internacional adota uma série de métodos alternativos que têm reduzido e substituído o uso de animais em testes toxicológicos. Os parâmetros variam entre os países. Na União Europeia, por exemplo, desde 2003 nenhum cosmético pode ser vendido se o produto final ou qualquer um de seus ingredientes tiver sido testado em animais – a não ser que não haja métodos alternativos validados.
“O Brasil caminha para acompanhar o que está acontecendo em países como os Estados Unidos e os da Europa, com importantes avanços nessas áreas, mas é preciso acelerar e avançar mais”, disse Giannini.
Ano passado, em resposta a solicitação do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deliberou pela aceitação de 17 métodos alternativos ao uso de animais validados internacionalmente.
“São testes in vitro que medem o potencial de irritação e corrosão da pele e dos olhos, a absorção cutânea e outras interações. Os laboratórios do Brasil têm até 2019 para adotar os 17 métodos validados que substituem ou reduzem o uso de animais em testes toxicológicos”, disse José Mauro Granjeiro, coordenador do Concea.
Em março, o órgão abriu consulta pública para sugestões que aprimorem o capítulo sobre primatas não humanos mantidos em cativeiro do Guia Brasileiro de Produção e Utilização de Animais para Atividades de Ensino ou Pesquisa Científica. O texto compila informações necessárias para garantir boas condições de produção, manutenção ou utilização dos animais, com foco no bem-estar das espécies e na qualidade das pesquisas e dos procedimentos didáticos.
O workshop contou ainda com palestra de Joel Majerowicz, da Diretoria de Gestão Institucional da Anvisa, que apresentou a estrutura da instituição e demonstrou o interesse em políticas para adoção de novas abordagens de avaliação toxicológica.
Apresentações feitas pelos pesquisadores no workshop estão disponíveis em: www.fapesp.br/9310.
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