Espécie vive na costa catarinense
Foto: Projeto Toninhas
Um balé sobre as ondas do mar. Pequenos grupos de toninhas (Pontoporia blainvillei) deslizam pelas águas da Baía da Babitonga, na costa de Santa Catarina. Tudo parece tranqüilo, mas na realidade não é bem assim. A toninha é o golfinho mais ameaçado de todo Atlântico Sul Ocidental e, hoje, essa espécie de pequeno cetáceo (mamíferos marinhos, como golfinhos, botos e baleias) corre o risco de desaparecer das águas salgadas do Brasil.
É o que diz a Lista Oficial das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, divulgada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). A população de toninhas, na Babitonga, conta cerca de apenas 50 indivíduos. “É uma situação bastante particular, pois, em geral, as toninhas não vivem em ambientes mais fechados, como baías, muito menos num nível de isolamento como é o caso da Babitonga”, conta a professora e coordenadora do Projeto Toninhas, Marta Jussara Cremer, 43 anos, doutora em zoologia. Segundo Marta Cremer, essa é uma população muito pequena, mas não existem dados anteriores para dizer o quanto ela foi reduzida.
Sabe-se, apenas, que centenas de toninhas morrem afogadas todos os anos, principalmente em mar aberto, presas às redes de pesca de grande e pequenas embarcações, confirmando a queda no número desses cetáceos na costa sudeste e sul do país. Ao longo do litoral, as estimativas mais recentes, de 2014, realizadas a partir de sobrevoos de avião, pela equipe do Projeto Toninhas, no trecho entre Florianópolis e Chui, indicaram a existência de 9,5 mil animais. Há dez anos, nesta mesma região, havia cerca de 16,5 mil deles. Cada cetáceo mede de 1,60 metro (o macho) a 1,70 metro (a fêmea), se alimenta de peixes e lulas, e pesa cerca de 33 quilos.
Integrante da Fundação Educacional da Região de Joinville e pesquisadora da Universidade da Região de Joinville (Univille), Marta Cremer avalia: “O custo de um levantamento como esse é bastante elevado e requer o trabalho de uma equipe especializada. Por esse motivo, não é fácil obter informações para toda a área de distribuição das toninhas e ainda monitorar a situação”.
A professora da Univille explica que o risco de a espécie desaparecer é tão sério que o mamífero se tornou, há mais de uma década, objeto de estudos, pesquisas e estratégias conservacionistas por parte de especialistas da Universidade, cujo trabalho resultou, em 2010, na criação do Projeto Toninhas por iniciativa da própria Marta Cremer.
Perigo na rede
Desde 2014, o Ministério do Meio Ambiente, reconhecendo a gravidade da situação, alterou a classificação da espécie de ameaçada (Instrução Normativa MMA 003/2003) para criticamente em perigo no Brasil, ao editar a Instrução Normativa MMA 44/2014. Encontrada desde o litoral do Espírito Santo, no Brasil, até o golfo de San Matias, na Argentina, sabe-se que a principal ameaça à conservação da toninha, em águas brasileiras, é a captura acidental em redes de pesca (emalhe). Milhares delas morrem, todos os anos, no Brasil, Uruguai e Argentina vítimas dessa interação.
Devido a essa perspectiva, a preocupação com a sobrevivência da espécie ultrapassou fronteiras. Em 2008, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) considerou este cetáceo como ameaçado, classificando-o na categoria “vulnerável” em âmbito global. As toninhas, segundo os especialistas do projeto catarinense, vivem nos mares há milhares de anos, mas as atividades humanas estão ameaçando sua existência.
Afogamentos
As toninhas capturadas nas redes de pesca morrem por afogamento e são, simplesmente, descartadas no mar. Sua inclusão no cardápio humano é proibida. E as mortes ocorrem porque, sendo mamíferos que respiram por meio de pulmões, os animais se afogam quando se prendem às redes de emalhe, colocadas no mar para a captura de peixes. “Não há clareza, até o momento, se as toninhas não conseguem detectar as redes em tempo de se afastar ou se elas se aproximam do instrumento para capturar os peixes retidos e se enroscam”, avalia a bióloga Marta Cremer.
A coordenadora do Projeto Toninhas relata que, em 2013, foi publicada uma instrução normativa reduzindo o tamanho das redes de emalhe. Marta Cremer chama a atenção para o fato de que o máximo permitido ainda torna insustentável a sobrevivência desses mamíferos. Além disso, quando uma toninha se enrosca na rede, diz Marta, a morte acontece em poucos minutos, oferecendo chances mínimas para uma tentativa de soltura. “Por este motivo, grande parte de nossa atuação na pesquisa é para comprovar que a espécie está sofrendo as consequências de um declínio acentuado e corre risco iminente de desaparecer. Por outro lado, fazemos um esforço grande para sensibilizar a população em geral que, em sua maioria, não conhece a espécie, o que dificulta um apelo maior”, avalia Cremer.
Babitonga
As toninhas foram descobertas na Baía da Babitonga em dezembro de 1996 e, desde então, diversos trabalhos têm sido desenvolvidos em benefício da conservação desse animal. “A partir do ano 2000, tivemos o apoio da Univille, que, até hoje, abriga o Projeto”, conta Marta Cremer. De início, o trabalho era conhecido como Projeto Cetáceos da Babitonga e as pesquisas estavam voltadas à ecologia das duas espécies que ocorrem na Baía, que são a toninha e o boto-cinza (Sotalia guianensis).
A bióloga explica: “As toninhas são mamíferos marinhos pertencentes a um grupo atualmente denominado Cetartiodactyla, que reúne animais popularmente conhecidos como botos, baleias, golfinhos e toninhas, entre outros bichos”. E com base na realidade atual, Marta Cremer faz um alerta: “Para a população de toninhas que vive na Baía da Babitonga, o problema da captura acidental é muito preocupante”.
E, por ser um ambiente mais fechado, com importantes cidades ao redor, a degradação e a perda de habitat são ameaças sérias, insiste ela. A situação também é agravada, segundo a professora da Univille, em função do crescimento da atividade portuária na região, da contaminação da água por efluentes industriais, da atividade agrícola e da destruição dos bosques de manguezal.
Porção gaúcha
No litoral do Rio Grande do Sul, a situação da toninha também é preocupante, sendo acompanhada há 23 anos pelos biólogos do Projeto Mamíferos Marinhos do Litoral Sul, iniciado em 1988 e desenvolvido pelo Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental (Nema). Seu coordenador, Kleber Grübel da Silva, conta que a instituição realiza o monitoramento mensal do litoral gaúcho, desde a barra de Rio Grande, na porção norte, até a parte sul, no Arroio Chuí.
Dados históricos do monitoramento de praia realizado pelo Nema, entre 1993 e 2014, segundo Kleber da Silva, mostram que a maioria dos encalhes de toninhas ocorre na primavera e no verão, principalmente nos meses de novembro e dezembro. “É a época de abertura das temporadas de pesca da corvina, pescada e pescadinha. Muitas toninhas ficam presas nas redes e morrem afogadas, sendo, então, lançadas ao mar, com suas carcaças encalhando na praia”, confirma o coordenador do projeto gaúcho. Alguns exemplares, diz ele, podem mesmo apresentar restos de rede enrolados no corpo.
A estimativa anual de mortalidade varia de 73 a 745 animais, a depender do período. Em resumo, explica Kleber, em um ano típico, podem morrer cerca de 300 toninhas nas praias do Rio Grande do Sul por causa, principalmente, das atividades de pesca. “É preciso conhecer e respeitar as leis de pesca de nossa região. Para prevenir a interação acidental da pesca de emalhe e da toninha, cabe destacar a INI MPA/MMA nº 12/2012, que estabelece critérios e padrões para o emprego de redes de emalhe na pesca em águas jurisdicionais brasileiras, inclusive nas regiões Sudeste e Sul”, esclarece Kleber Grübel da Silva.
Educação ambiental
Exemplo de boas práticas, como ocorre com o Nema no Rio Grande do Sul, o catarinense Projeto Toninhas, um dos finalistas do primeiro Prêmio Nacional de Biodiversidade de 2015, organizado pelo MMA/ICMBio, também atua no sentido de reduzir as ameaças que atingem a espécie no litoral brasileiro, principalmente na Babitonga (SC).
A iniciativa desenvolve ações de pesquisa e de sensibilização ambiental, dando visibilidade à situação atual da espécie. Segundo Marta Cremer, os dados gerados já subsidiaram pelo menos três processos de licenciamento ambiental e uma proposta de criação de unidade de conservação, tendo a toninha como espécie bandeira.
O Projeto Toninhas é desenvolvido pela Fundação Educacional da Região de Joinville e reúne uma equipe de profissionais, além de alunos vinculados aos cursos de Ciências Biológicas da Univille. As pesquisas com mamíferos marinhos são desenvolvidas há mais de 15 anos na Baía da Babitonga, e voltadas, em especial, à ecologia e ao comportamento da toninha e do boto-cinza. As atividades têm como foco central a comunidade de São Francisco do Sul, principal município situado às margens da Babitonga.
Com base no número aproximado de toninhas existentes no litoral catarinense, Marta Cremer explica que as projeções confirmam o rápido declínio populacional da espécie. “Fazemos isso a partir das características reprodutivas deste animal, o que nos permitem afirmar que, no ritmo atual, em pouco tempo, a espécie estará extinta”, calcula, apesar de o sistema de acasalamento das toninhas não ser bem conhecido.
Espécie monogâmica
Mas, segundo a professora, há evidências, na literatura, que indicam ser a espécie monogâmica, formando casais para a reprodução. Em geral, as fêmeas têm apenas um filhote a cada dois anos, após uma gestação que dura de 10 a 11 meses. Os filhotes mamam por até nove meses, quando aprendem a caçar. E a maturidade sexual varia conforme a distribuição da espécie, mas, em geral, ocorre entre três e cinco anos de idade, e seu ciclo de vida pode chegar a duas décadas.
De posse dessas informações e na tentativa de reverter esse processo involuntário de eliminação da espécie, a equipe do projeto catarinense aposta na educação ambiental das populações dos nos seis municípios do entorno da Baía. O objetivo é sensibilizar as comunidades sobre a situação das toninhas e a importância da conservação dos ecossistemas costeiros, dos quais esses cetáceos dependem, que envolve, também, todo um conjunto de plantas e outros animais.
“Com o patrocínio da Petrobras, pudemos ampliar nossas ações e qualificar tanto a pesquisa como a educação ambiental”, conclui Marta Cremer. A principal finalidade do projeto, diz ela, é reduzir as ameaças à toninha e retirar o animal da lista de espécies ameaçadas de extinção.
(Por Luciene de Assis, do MMA)
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