Por Agência USP
A Zona Franca de Manaus (ZFM) foi criada pela ditadura militar em 1967 com o intuito de impulsionar o desenvolvimento da região amazônica. Agora, a tentativa de prorrogação dos incentivos fiscais se apoia no argumento de que as indústrias presentes na capital amazonense protegem a floresta.
Em sua tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam) do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, a jornalista Thais Brianezi analisou o deslocamento no discurso de legitimação da ZFM, tendo como base 265 pronunciamentos dos parlamentares federais do Amazonas, 19 edições da revista institucional da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e 626 matérias do mais importante jornal do estado, “A Crítica”, publicados entre 2007 e 2010. A análise mostrou que o “esverdeamento” do discurso de defesa da ZFM não se traduz em ações que aproximam a produção industrial da biodiversidade da região.
O projeto inicial da ZFM seguia a cartilha das zonas de processamento de exportação proposta pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Onudi), na qual os incentivos fiscais são provisórios. Neste caso, eles deveriam durar 30 anos, ou seja, até 1997. Apesar disso, duas emendas constitucionais, aprovadas em 1988 e 2003, prorrogaram as isenções fiscais até 2013 e 2023, respectivamente. Atualmente, está em tramitação no poder legislativo federal um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que concede às empresas mais 50 anos de benefícios (até 2073, portanto).
A ZFM dá incentivos fiscais para as empresas que se estabelecerem lá. A isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e a redução de até 88% do Imposto de Importação permite que indústrias produzam em Manaus usando insumos importados, a um custo competitivo. Assim, a cidade é a quarta capital com maior PIB do Brasil — riqueza gerada especialmente pelas 600 empresas lá existentes, que geram 119 mil empregos diretos e 400 mil indiretos.
Segundo a pesquisa, a nível nacional, o discurso de geração de emprego e renda já não tem força, pois o Amazonas responde por menos de 1,5% do PIB nacional. Já que uma PEC deve ser votada por parlamentares de todo o País, a estratégia tem sido a de afirmar que a Zona Franca é a responsável pelo fato de que 98% da cobertura vegetação do Amazonas está conservada.
A partir daí, criou-se uma narrativa que Thaís chamou de roteiro da dupla ameaça (desemprego e desmatamento): os defensores do Polo Industrial afirmam que se os incentivos acabarem as empresas irão embora de Manaus e os seus quase 520 mil trabalhadores avançarão sobre a floresta. “Esse é um discurso de raízes preservacionistas, no qual floresta em pé é floresta sem gente. Por que que a volta dos trabalhadores para o interior do Amazonas necessariamente significa destruição?”, indaga a jornalista.
Esverdeamento
Para fortalecer o argumento de que o Polo Industrial de Manaus protege a floresta e apresentá-lo como defesa da ZFM no Congresso Nacional, a Suframa encomendou uma pesquisa sobre os impactos das indústrias à floresta amazônica. Ela foi feita pelo Instituto Piatam, instituição de pesquisa independente. Os resultados do estudo indicaram que, se não houvesse o Polo Industrial de Manaus, a taxa de desmatamento no Amazonas teria sido até 77,2% mais alta entre 2000 e 2006.
“Este estudo serviu de base para a afirmação de que, por isso, a ZFM é sustentável. Mas nos indicadores usados nele, a existência ou não de estradas não foi levada em consideração. Além disto, sustentabilidade não se reduz à questão do desmatamento. Não dá para ignorar, por exemplo, que um quarto dos moradores de Manaus não têm acesso à água encanada, mesmo morando na maior bacia hidrográfica do planeta”, argumenta Thaís.
Enquanto a pesquisa do Piatam foi amplamente divulgada, outro estudo feito pela Suframa, desta vez em parceria com a Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA), que avaliava a gestão de resíduos industriais no Polo de Manaus, teve pouca repercussão. Este levantamento apontou diversos problemas, entre eles a destinação de resíduos tóxicos no aterro municipal (não licenciado) e a falta de tratamento de efluentes por muitas empresas.
Uma lei municipal de Manaus obriga que qualquer empresa com mais de 40 funcionários tenha tratamento próprio de esgoto, mas não é o que acontece. Em 2009, mesmo com média de 264 trabalhadores por empresa, menos de 55% delas tratava os efluentes que gerava, segundo pesquisa da JICA.
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