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SALVADOR

Ataques com ácidos fazem vítimas na capital baiana

No dia 8 deste mês, a recicladora Vanessa Ferreira Santos, 28 anos foi vítima de mais um desses ataques, enquanto trabalhava em um galpão de reciclagem em Valéria

Redação iBahia • 25/05/2017 às 6:51 • Atualizada em 31/08/2022 às 21:30 - há XX semanas

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Laxmi Saa. Ritu Saini. Neetu. Nisha. Essas são mulheres vítimas de uma violência de gênero devastadora: foram atacadas com ácido e, por isso, apareceram no noticiário internacional recente. Só que os nomes pouco familiares à Língua Portuguesa ajudam a criar uma sensação de que a realidade dessas moças – todas indianas – está bem longe da nossa.

				
					Ataques com ácidos fazem vítimas na capital baiana
Mas é uma sensação cada vez mais falsa. No dia 8 deste mês, a recicladora Vanessa Ferreira Santos, 28 anos foi vítima de mais um desses ataques, enquanto trabalhava em um galpão de reciclagem. Dessa vez, foi bem perto: mais precisamente, no bairro de Valéria, em Salvador. O principal suspeito apontado pela polícia é seu ex-companheiro, Antônio Xavier Noronha Neto, que está foragido. Ela está internada em estado grave no Hospital Geral do Estado (HGE). Sua mãe, Sandra Maria Ferreira dos Santos, 46, também foi atingida pelo ácido, mas já teve alta.
Segundo o coordenador do Centro de Tratamento de Queimados e do Serviço de Cirurgia Plástica do HGE, Marcos Barroso, os ataques por substâncias químicas – incluindo os ácidos – têm sido comuns entre os pacientes atendidos nos últimos anos, tanto em mulheres quanto homens. “Em quase 100% das vezes, o motivo (da queimadura) é uma agressão”, conta.
Mesmo assim, não é um crime tão frequente nos registros policiais. Foi a primeira ocorrência da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Periperi este ano. Na Deam de Brotas, não há registros em 2017, nem houve em 2016. A promotora Márcia Teixeira, coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (Caodh) do Ministério Público do Estado (MP-BA), conta que, nos últimos anos, acompanhou cinco casos que chegaram ao Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher (Gedem) do MP-BA.
“A gente não pode dizer que é um crime costumeiro, mas normalmente jogam (o ácido) no rosto, nas mamas ou nas pernas, com a intenção de atingir um local que fique mais visível ou que decomponha supostas áreas identificadas como mais bonitas, mais visibilizadas. Pelo relato delas (das vítimas), os agressores fazem como vingança”, explica. De acordo com a promotora, o agressor pode responder por lesão corporal grave, gravíssima, feminicídio tentado ou feminicídio (quando a vítima morre).
A intenção, contudo, não poderia ser mais cruel. “Acredito que (os agressores) veem, no ácido, uma maneira de enfeiar para não deixar para a mulher mais ninguém. Ninguém é propriedade de ninguém, mas os homens têm isso de ‘minha mulher’, de achar que tem posse. Acredito que desfigurar seja a intenção, mas quando chegam aqui eles nunca dizem isso", diz a delegada Vânia Matos, titular da Deam de Periperi, que está à frente do caso de Vanessa.
Relacionamento abusivo
O sofrimento de Vanessa não era recente. Durante o período em que manteve o relacionamento com o suspeito – um ano e três meses -, ela se queixava aos amigos mais próximos sobre a agressividade de Antônio Xavier. Ao pai e ao irmão, evitava fazer comentários, com medo das ameaças do então companheiro. À polícia, confessou que ele dizia, constantemente, que mataria os dois.
“Ela contou que já havia sido agredida fisicamente em outros momentos. Ele a obrigava a manter reações sexuais à força com uma faca no pescoço, enquanto proferia xingamentos. Mas ela não tinha registrado a ocorrência antes por medo”, diz a delegada.
Os sucessivos estupros sofridos por Vanessa foram confidenciados por ela a uma amiga. Quando não queria ter relações sexuais com o companheiro, ele a agredia. “Ela cansou de chegar aqui com olho roxo”, conta a amiga, que não quis se identificar. As brigas chegavam até o ambiente de trabalho – o galpão de reciclagem onde os dois trabalhavam e onde Vanessa sofreu o ataque. Ela trabalhava lá há nove meses. Ele, indicado por ela, também foi contratado dois meses depois.
Na quarta-feira que antecedeu ao ataque, os dois tiveram mais uma discussão no local. Ao CORREIO, testemunhas contaram que ele até desferiu um soco no rosto dela. Essa teria sido a gota d’água para Vanessa. Naquele mesmo dia, ela voltou para a casa de Sandra, sua mãe – lá mesmo, em Valéria. O pai da jovem voltou à casa onde ela estava morando com Antônio – uma quitinete alugada em frente ao galpão de reciclagem – e pegou as coisas dela. O ex-casal tinha se mudado para lá quinze dias antes.
Na quinta-feira, ela voltou ao galpão para avisar ao patrão que talvez não continuasse mais trabalhando ali. Na sexta, não foi. No domingo, véspera do atentado, Antônio Xavier foi até a casa da mãe dela. Confrontou Vanessa: teria volta? Não tinha. Ele foi embora, mas voltou algum tempo depois. “Ele foi lá dizendo que ela podia ir trabalhar tranquila na segunda, porque ele seguiria a vida dele. Estava dando uma segurança a ela de que nada aconteceria”, revela a amiga.

				
					Ataques com ácidos fazem vítimas na capital baiana
Vanessa, assim, decidiu voltar ao galpão de reciclagem. Aquela segunda-feira também seria o dia em que Sandra, sua mãe, começaria a trabalhar lá. Separada do pai de Vanessa, Sandra morava em São Paulo (SP) e veio para Salvador no final do ano passado. Às 7h, estavam as duas já no local, assim como outra funcionária. Antônio chegaria minutos depois, perguntando se tinha faltado água na casa da outra moça. Diante da resposta negativa, ele disse que o galpão estava sem água desde o dia anterior.
Afirmou que iria buscar água para começar a trabalhar. Instantes depois, voltou com um balde de água. Despejou em algum lugar e saiu, novamente, para pegar outro. “Foi para disfarçar. Quando ele voltou com um segundo balde, já era o ácido. Ele chegou para ela e disse: ‘toma aqui o seu’ e jogou tudo nela”, conta a amiga. Parte do ácido respingou em Sandra, que estava perto da filha.
Mas nada se comparava ao desespero de Vanessa, que gritava enquanto o suspeito fugia a pé. “Ela dizia: ‘me ajuda, não me deixa morrer”, conta a amiga. Sandra, a mãe, ignorava a própria dor e tentava ajudar a filha. Foi só então que a mãe e a outra funcionária perceberam uma coisa: não tinha água no galpão. Nem no banheiro, nem na geladeira, nem em nenhum outro lugar. Quando uma pessoa sofre uma queimadura química, a primeira coisa a se fazer é usar água em abundância (veja ao lado).
“Percebemos depois que ele (Antônio) tinha cortado a transmissão de água. Ele foi ao galpão no dia anterior e premeditou tudo”. Vanessa saiu do galpão e começou a andar pela rua, pedindo socorro. Funcionários de uma oficina em frente ao local foram ajudá-la com uma mangueira de água. “A gente não via o ácido, mas depois a roupa dela foi desmanchando. Mesmo com a água, ela continua gritando”, diz um homem que não quis se identificar.
Ao ver a roupa de Vanessa se desmanchando, a amiga colocou a mão no tecido. “Veio a pele junto”, lembra. Hoje, o galpão tem marcas dos pés de Vanessa no chão. Segundo testemunhas, foi o caminho exato – desordenado, pela situação – que ela percorreu entre o local e a rua, antes de ser socorrida por seu patrão, que chegava de carro e a levou ao Hospital do Subúrbio. “Toda vez que vejo essas pegadas no chão, lembro do que aconteceu com ela”, desabafa a amiga.
Vanessa ficou dois dias no Hospital do Subúrbio antes de ser transferida para o Hospital Geral do Estado (HGE). A instituição não pode divulgar informações sobre o quadro de saúde dela.

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