Um dia após deixar a Presidência, cargo que assumiu interinamente duas vezes em um mês de governo, o vice-presidente Hamilton Mourão recebeu O GLOBO em seu gabinete, no prédio anexo ao Palácio do Planalto. No estilo que vem lhe dando notoriedade, Mourão não fugiu de assuntos polêmicos, nem escondeu a contrariedade com o presidente Jair Bolsonaro em relação a alguns temas.
O senhor concorda que tenha um perfil mais moderado, que esteja em oposição ao do presidente Bolsonaro?
Isso não pode ser colocado dessa forma. Cada um de nós tem o seu estilo de agir. O presidente Bolsonaro tem o estilo dele, característico. Ele construiu uma vida política de 30 anos em cima disso aí. É totalmente diferente de mim. Eu tive uma vida dentro do Exército, ocupei funções que me exigiram lidar com uma gama de pessoas totalmente distintas, comandei muita gente, então me leva a ter um estilo diferente de lidar. Não é uma questão de um é o antípoda do outro, como fica querendo ser caracterizado. Muito pelo contrário. Ele tem uma experiência e eu tenho outra, que se retrata depois na forma como a gente conduz.
Essas posturas diferentes se tornaram um assunto entre o senhor e o presidente?
Não. As únicas vezes que o presidente conversou comigo foram durante a campanha eleitoral. Obviamente porque eu não sou político, então o que tenho que falar, pego e falo. Eu falei determinadas coisas e, para quem está concorrendo, determinadas verdades não podem ser ditas. Foi aí que ele me disse assim: “Você não entende de política, então vai por mim que você vai bem”.
Na transição, algumas pessoas disseram que o senhor poderia ter um papel de gerenciamento. Isso acabou não acontecendo. O senhor aguarda missões?
A Constituição diz que o vice-presidente tem que ficar em condições de cumprir missões eventuais que o presidente lhe designar. Agora é que vão começar a surgir essas tarefas, a partir do momento em que o governo começar a exercer as suas atividades e começarem a surgir alguns pontos que necessitem de uma coordenação maior e aí ele pode chegar para mim e dizer: “Preciso que você coordene isso, me represente naquilo, que você estude esse assunto”.
Mas ele já sinalizou que vai haver essa convocação?
Já. Inclusive ele já determinou que a gente produza um projeto de lei complementar que estabeleça quais são as funções inerentes ao vice-presidente, que está previsto na Constituição, mas nunca foi aprovado.
Essa projeto já começou a ser esboçado? Que áreas gostaria de coordenar?
Agora que nós vamos a estudar. Na minha visão, o vice-presidente é uma pessoa permanente no governo. Ele só sai se ele pedir para sair. Os ministros poderão ser trocados eventualmente. Talvez seja mais fácil para mim, como vice-presidente, coordenar dois, três ministros em determinados assuntos específicos, do que um outro ministro fazer essa coordenação, até porque eles estão todos no mesmo nível hierárquico. A ideia é propor isso. Alguém tem que cobrar. E eu acho que poderia ser papel do vice-presidente.
O senhor tem tido várias reuniões com embaixadores. Pretende fazer esse papel auxiliando o ministro das Relações Exteriores?
Os embaixadores que têm me procurado, na sua grande maioria, em visita de cortesia. Mas eu acho que isso é papel do Ministério das Relações Exteriores. Você não pode atravessar o samba em cima dele, você pode cooperar.
Mas os embaixadores de países árabes têm vindo aqui.
A partir do momento que o presidente, durante a campanha, disse que poderia mudar a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, isso gera uma série de impactos no mundo árabe. Então eles vêm aqui, expõem as ideias deles, e eu ouço.
O senhor se vê um pouco com um papel de algodão entre cristais, tentando ser um mediador dentro do governo?
Eu julgo que, pela minha vivência eu posso cooperar com o presidente para baixar as tensões.
O senhor chegou a conversar com o presidente sobre a transferência da embaixada?
Não, isso não foi colocado na mesa. Nisso aí, quando tiver que ser tomada uma decisão, tem que juntar um comitê que trate de assuntos internacionais. (...) Não pode ser a decisão do “eu quero”. O Brasil desde 1947 reconhece a existência de dois estados lá na região: palestinos e judeus. Jerusalém é a capital das três religiões monoteístas do mundo, é uma encruzilhada do mundo. Então você tem manter a capital em Tel Aviv ou trocar para Jerusalém. E tem uma solução intermediária, que é a da Austrália, que diz que está em Jerusalém ocidental, porque se tem a ocidental, tem a oriental, que é dos árabes, e é uma solução diplomática. Na hora em que o presidente resolver discutir, essas três linhas de ação terão que ser apresentadas para ele, com vantagens e desvantagens.
O senhor tem preferência por alguma dessas três?
Eu sou conservador. Fica onde está. Mas Jerusalém ocidental é uma linha de ação que seria aceita, que seria bem viável.
Como o senhor vê a situação da ministra Damares após a reportagem da Época?
Eu não tenho elementos, porque eu não li a reportagem . A ministra Damares tem me causado uma excelente impressão, porque é uma mulher de posições bem definidas, firmes, ela não se apavora com as coisas. Então, essa questão de adoção em área indígena sempre tem ruídos. Se a moça está feliz com ela, se a menina está feliz com ela acho que é o mais importante.
Como o senhor acha que tem que ser tratado dentro do governo os temas de gênero?
O governo tem que tratar de forma objetiva. É uma questão de saúde pública. Doenças sexualmente transmissíveis são uma questão de saúde pública. A questão do aborto também é algo que tem que ser bem discutido, porque você tem aquele aborto onde a pessoa foi estuprada, ou a pessoa não tem condições de manter aquele filho. Então talvez aí a mulher teria que ter a liberdade de chegar e dizer “ preciso fazer um aborto”.
Até mesmo nos casos em que a mulher não tenha condições de manter o filho?
Minha opinião como cidadão, não como membro do governo, é de que se trata de uma decisão da pessoa.
O senhor acha que poderiam ser ampliadas essas possibilidades de aborto?
Pessoalmente, eu acho que poderia.
A contribuição dos militares na reforma da Previdência será a ampliação do tempo de carreira?
É o tempo de carreira. Em torno de 35 anos, num primeiro momento. Com uma tabela para os que estão na ativa, uma regra de transição.
O senhor acha que o governo vai precisar rever a posição em relação a licenciamento ambiental após Brumadinho?
Eu acho que não. A questão do licenciamento ambiental de Brumadinho foi do estado de Minas Gerais.
Mas o presidente tem um discurso de flexibilização dessas licenças.
O presidente toca nessa questão de flexibilização muito em relação a exploração agropecuária. O nosso regramento é cumprido, é uma regramento bem mais exigente do que tem nos outros países. Agora existe muita pressão. (...) A gente tem que ver até onde existe um interesse genuíno pelo meio ambiente ou até onde existe uma pressão indireta das grandes potências.
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Redação iBahia
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