A repórter do Mais Você Nadia Bochi usou sua conta no Facebook para falar sobre sua sexualidade e sobre os tipos de violência que viveu. Conhecida por apresentar quadros como 'Tem Visita' e 'Na Estrada' no 'Mais Você' (TV Globo), Nádia falou sobre as dificuldades que viveu. Confira o texto.
Me reconheci lésbica numa época em que ser homossexual não tinha nenhum glamour. Não existia beijo gay nas novelas, pelo contrário as lésbicas explodiam junto com os prédios. Aliás, até no cinema era difícil demais encontrar algum tipo de casal que me representasse. Tive que inventar o imaginário que não existia fora da ficção, bem lá na realidade crua onde a palavra homossexualismo ainda era nome de doença, segundo a Organização Mundial de Saúde. Parece distante, mas isso tudo foi ontem, nos anos 90. Década em que comecei a trabalhar como jornalista em um dos canais de TV a cabo mais importantes do mundo (a HBO) e tive o a oportunidade de descobrir que era possível ser gay e viver fora do armário.
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Na HBO Brasil, um quarto da redação era queer e esses meus colegas não só amavam pessoas do mesmo sexo, como falavam sobre seus afetos ali, entre uma pauta e outra, ao telefone, no almoço. Era como se fosse fácil ser feliz e de fato era. E deveria ser assim pra todo mundo! Sei do privilégio que tive e é desse lugar que escrevo até hoje.Em todas as empresas em que trabalhei havia um grau seguro de regras contra o preconceito e a discriminação de qualquer natureza. Mas reforço que sei que vivo a exceção.
Num país desigual, onde mais se mata homossexuais no mundo, sou consciente da sorte de ter descoberto, com 19 anos que era possível viver a minha sexualidade sem medo e tenho feito isso até hoje em todas as minhas relações afetivas. Levo essa coragem pra todos os lugares, porque felizmente aprendi cedo que é possível ser livre.
Independentemente do tipo de trabalho que realizamos, nossa alma tá ali. Não importa se nosso talento é artístico, burocrático ou técnico. Levamos quem somos pra todas as nossas ações no mundo. Por isso é tão importante poder ser o que se é.
Algumas vezes tive que colocar a prova minhas convicções. Enfrentei situações de assédio, como a maioria das brasileiras. E acreditem, quando isso acontece com uma mulher lésbica a violência é muito cruel porque além do ato ser machista é homofóbico. Lembro da vez triste em que fui assediada por um chefe que insistia em, além de me beijar, questionar minha escolha de amar mulheres. Não permiti que o beijo acontecesse. Principalmente não deixei que aquele ato de violência colocasse em dúvida quem eu era. E mais uma vez, sei e reafirmo que tive muita sorte.
Há 15 anos sou repórter da GLOBO e entro na casa de milhões de pessoas com tudo que me constitui: meu profissionalismo, sensibilidade, a voz, os ouvidos e também o meu jeito de amar.
Ando de mãos dadas com a minha namorada nas ruas. E uma das descobertas mais felizes que tive é que muitas pessoas simplesmente não se importam com isso. Sinto um prazer sem igual quando alguém para a gente no meio de um abraço pra pedir uma foto e ainda pede desculpas por interromper com tanto carinho uma demonstração de amor.
Nunca tive que esconder, nem mesmo das pessoas mais preconceituosas minha orientação sexual e me encho de alegria em dizer que na maioria das vezes tenho sido respeitada por isso.
Quando minha amiga Maô Guimarães, uma das pessoas mais brilhantes e tímidas que eu conheço me convidou pra escrever sobre como é ser gay no trabalho, achei importante contar meu caminho.
Ela igualmente escreveu a história dela e é libriana como eu. Também tem uma namorada que ela ama e um trabalho que valoriza o fato dela ser exatamente como ela é. Somos duas mulheres que tem a chance de viver nossa afetividade sem pudores. E se essa realidade ainda não é para todas e todos, é por isso que hoje escolhemos ser vozes reais. Testemunho vivo, necessário e militante! Porque é urgente poder ser tudo que somos, mais do que nunca e sem nenhum direito a menos.
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Redação iBahia
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