Assim que acabou a última mesa da Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica), a vendedora ambulante cachoeirana Cleide da Silva, 32 anos, foi para a frente da Igreja do Convento do Carmo tentar vender suas últimas unidades de bebida. “Vai uma água, freguesa? Uma é R$ 2 e três é R$ 5”, ofereceu Cleide, que não demorou a fazer um balanço da Flica 2017. “Foi a melhor de movimento do povo e de venda. Tenho uma irmã que bateu 30 caixas de água em três dias”, disse orgulhosa sobre a venda de cerca de R$ 700.
Cleide contou que todo ano trabalha na Flica para tentar aumentar a renda e que o produto que o público mais compra é água. “É a Flica da água”, riu Cleide, enquanto vendia duas águas para um rapaz. Por isso, justificou a vendedora, é que estava ali, debaixo do sol forte, sem perder o bom humor. “A Flica é uma guia boa, porque sai um dinheirinho. Mesmo no corre, com o sol na cabeça. A gente sai no sufoco, mas sai. Torrada, acabada, assada, mas sai”, garantiu gargalhando.Segundo levantamento feito pela Icontent, empresa que realiza a Flica junto com a Cali, cerca de 35 mil pessoas compareceram ao evento nesta sétima edição que aconteceu de quinta-feira (5) a domingo (8). Ao longo dos quatro dias da Flica, as dez mesas de debate contaram com a lotação máxima de 350 pessoas e a Fliquinha também aconteceu com a casa 100% cheia em todos os dias, sendo que cada uma das 20 apresentações foram vistas por 220 pessoas.
“Esse ano foi o ano de maior público, principalmente em relação ao número mais constante em todos os dias. Na quinta-feira, por exemplo, a gente teve um público que só tinha na sexta-feira. Foi o ano que teve maior participação durante todos os dias. Todas as mesas foram muito disputadas e a gente teve um número muito grande de pessoas que ficou do lado de fora”, destacou o coordenador executivo da Icontent, Gustavo Mendonça.
Além do Claustro do Convento do Carmo, onde aconteceram as mesas de debate, a Casa do Governo contou com 120 pessoas por hora de funcionamento da programação, sendo que o espaço ficou aberto de quinta a sábado, das 9h às 18h, e domingo, das 9h às 12h. Ainda segundo a organização, o espaço da Odebrecht e a Varanda do Sesi contaram com aproximadamente 100 pessoas por hora, sendo que o primeiro funcionou das 9h às 17h, de quinta a sábado, e das 9h às 12h, no domingo; e o segundo das 19h às 22h, nos quatro dias.
“Teve muita movimentação desde o primeiro dia. O show de Saulo, na quinta-feira, estava bem movimentado. Foi o mais cheio de todos os anos”, garantiu o gerente do restaurante Aclamação, Claudio Pereira, 50, que fica na praça em frente à Câmara de Vereadores. “As vendas aumentaram cerca de 80%”, comemorou. O proprietário da pizzaria Recanto Misticismo, Jorge Leite, 60, por outro lado, disse que suas vendas não aumentaram tanto com a sétima edição da Flica.
“Esse ano teve muita gente, mas não consumiram tanto. Acho que é porque teve muita gente que veio e voltou no mesmo dia. Aumentou pouco a venda, só cerca de 40%”, lamentou o dono da pizzaria que funciona há dez anos em Cachoeira. “Mas pelo menos a gente vê gente, né? O dia a dia aqui está péssimo. A violência está tomando conta e nós estamos trabalhando assustados... Por isso deve existir um evento desse tipo sempre, todo mês!”, sorriu.
Debate social
As força da negritude se destacou na programação da Flica desde quinta-feira, na mesa de abertura com Carlos Moore e Cuti, até o sábado, que reuniu seis mulheres poderosas da literatura em duas mesas que se destacaram como pontos altos do evento. Curador da sétima edição da Flica, o jornalista e escritor Tom Correia destacou que a escolha por esse caminho foi natural e “não foi pensado para agradar grupos A, B ou C”.
“Um escritor do porte de Carlos Moore, que mora em Salvador há 17 anos, nunca ter participado de uma Flica, num momento como esse, era um nome que gritava. Assim como as autoras negras. Em nenhum momento a gente se sentiu na obrigação de dar uma resposta, não pensamos em cotas para as mulheres negras. A própria trajetória das escritoras já justificava a presença delas. Foi tudo muito natural”, afirmou Tom.
A escolha pelo escritor baiano Ruy Espinheira Filho também foi natural, segundo o curador, “primeiro, pela qualidade literária dele, segundo pela forma afável como trata os pares e suas conquistas, de uma forma muito respeitosa”, sendo “muito querido”. O aspecto que foi proposital na Flica, revelou Tom, foi a arquitetura da programação, que foi pensada estrategicamente para dar destaque às autoras negras nos horários considerados nobres.
Segundo o curador, o momento que o Brasil atravessa pede um posicionamento da curadoria em relação a tudo o que se está vivendo. “A curadoria não é apenas uma assinatura artística, ela é também um posicionamento político, é o repertorio do curador em relação à posição dele no mundo contemporâneo. Isso ficou muito claro nas mesas: a mesa indígena, o destaque para as autoras negras...”, reforçou.
O curador disse que no final do evento, ficou com a sensação de que a Flica “parecia um fórum social literário, porque, para além da literatura, existiam discussões e debates em torno dos direitos sociais, em torno do momento político que a gente vive”. Esse movimento, vale destacar, também marcou a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), “grande inspiradora das festas literárias do Brasil inteiro”, nas palavras de Tom.
Mas antes que alguém compare o evento baiano com o do Rio de Janeiro, que esse ano contou com curadoria da jornalista baiana Joselia Aguiar, Tom destacou que não houve diálogo, apesar de elogiar “o trabalho fantástico” de Joselia. “Há uma sintonia [entre as duas festas]. Há uma percepção da gravidade do momento que a gente vive e que as festas literárias também permitem dar vazão a essa visão dos curadores”, justificou.
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Redação iBahia
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