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Seguindo a tendência da época, lojas atraem consumidores para adquirirem novos aparelhos de TV para acompanhar a Copa do Mundo |
A propaganda massifica o desejo, a indústria se encarrega de jogar no mercado a quantidade e o varejo cria as facilidades de compra. Esse é o ciclo que sustenta, hoje, um dos maiores problemas do mundo moderno: o consumo desenfreado. A vida útil de roupas, celulares, computadores e outros produtos é cada vez menor, graças ao ritmo de atualização imposto pela tecnologia. O resultado disso tudo é o enorme lixo produzido, pois tudo é descartado de forma veloz. Embora pouco se fale sobre isso, o problema está aí. É crescente e já dá sinais das consequências socioambientais, provocadas por essa economia global e, por que não dizer (?), doentia A questão é abordada em artigos de pesquisadores publicados no livro Da produção ao consumo: impactos socioambientais no espaço urbano (Selo Cultura Acadêmica), obra organizada pela geógrafa Silvia Aparecida Guarnieri Ortigoza e pela ecóloga Ana Tereza Caceres Cortez. Os textos levam o leitor à reflexão sobre como as ações de consumo prejudicam a qualidade de vida, a justiça social e a saúde do planeta. Para as organizadoras da coletânea, “a explosão do consumo surge como modo ativo de relação das pessoas com os objetos, com a coletividade e com o mundo, servindo de base ao nosso sistema cultural”. Isso, invariavelmente, causa reflexos diretos nas questões sociais e nos problemas ambientais, que se agravam com a industrialização. Hiperconsumo - A questão é profunda e também está entre os pontos de estudo do filósofo francês Gilles Lipovetsky, autor de obras como A Era do Vazio, O império do Efêmero, O Crepúsculo do Dever e Os Tempos Hipermodernos. Para o autor, a situação atual já pode ser classificada como hiperconsumo. E ele vai muito além. Credita tal estágio a uma transformação profunda da sociedade. As mudanças não dizem respeito apenas à economia, mas estão em todas as categorias da vida moderna: cultura, política, ética, trabalho e etc. O consumo nada mais é do que a tradução de tudo. Para Lipovetsky, isso ultrapassa a modernidade, que marcou as sociedades industriais da década de 80. O filósofo defende: vivemos aagora a sociedade hipermoderna, que conduz às novas formas de sociabilidade, mais estar do que ser, por isso, uma sociedade excludente, descartável, veloz e baseada no agora, no vazio existencial e no culto às aparências do ter. O ato de consumir em si não é o problema real, pois isso faz parte do ser humano desde que mundo é mundo. A questão é que o hiperconsumo é resultado de uma ação sem riscos calculados. Agora o desejo é compulsivo; consumir com e sem razão, com e sem necessidade, o que deve e o que não deve. A perversidade industrial morde e assopra, pois ao mesmo tempo que gera emprego e renda, cria necessidades para objetos que passam a existir sem nenhuma demanda. O consumo é, então, psicológico e intangível; isso explica se pagar caro por marcas e grifes, o que acontece não só com o vestuário. Copa na tela - Preste atenção ao aumento de vendas de aparelhos de televisão com a aproximação da Copa do Mundo. Quase todas as casas brasileiras possuem uma televisão, mas com a realização do campeonato mundial, as pessoas correm às lojas com o objetivo de adquirir uma TV maior, mais moderna e de marca melhor, mesmo que financiada em várias vezes. Claro que essa compra é "justificada" por uma outra questão intangível: a paixão pelo futebol. Enfim, o consumo é feito dessas coisas, de necessidades que as circunstâncias fazem acreditar que são reais. O objeto "de marca" tira o sujeito do anonimato e o coloca em posição de destaque, pois o desafio no mundo moderno é também por ser reconhecido, individualizado. Esse processo de hiperconsumo, no entanto, é paradoxal, pois o sujeito investe para ser diferente e repete o que todo mundo faz. Tudo é simbólico, representativo e muda de acordo com a "moda do momento". Por mais que se fuja disso, o ser humano acaba caindo na armadilha dia após dia. Só que em alguns casos, o ato torna-se totalmente inconsciente.