Uma mordida em um maracujá pode ter tantos poderes quanto uma pílula calmante. Beber uma xícara com infusão de lavanda pode funcionar como uma meditação. Um quadradinho de chocolate amargo tem a capacidade de relaxar o corpo. A lista é grande e os poderes calmantes de certos alimentos, potentes.
Em lugares onde estar calmo é fundamental, como em mosteiros budistas, ser cozinheiro é uma das funções mais importantes. É preciso ser um monge com alta elevação espiritual para poder comandar a cozinha em que se pratica a culinária Shôjin, cheia de regrinhas que, conforme os monges garantem, deixam a vida mais leve. Só entram vegetais orgânicos e sazonais, não pode haver desperdícios, é preciso ter alimentos nas cores amarelo, branco, verde, vermelho, preto (ou roxo) e marrom, reunir os sabores ácido, picante, amargo, salgado e doce e, entre os mais tradicionais, não se podem usar alho e cebola. Na hora do preparo, silêncio e concentração, igualzinho como acontece em uma prática de meditação. Seguir algumas dicas de um lugar onde vivem pessoas tão calminhas pode ser um caminho para quem procura estar mais tranquilo.
Para a nutricionista e psicóloga Julia Masset, alimentar-se é fazer uma conexão com o corpo e entender o que pode estar acontecendo com ele.
— É preciso prestar muita atenção na digestão. Funciona como um termômetro do nosso humor, da nossa saúde, do nosso bem-estar — avisa ela, que, recentemente, deu uma palestra sobre nutrição de corpo e alma para mostrar como se alimentar é mais do que apenas “matar a fome”. — É preciso perceber o ritmo, as quantidades, os horários, as vontades. Tudo isso quer dizer alguma coisa mais profunda e não apenas a necessidade de nutrir o corpo. Um hábito que eu indico é ficar em silêncio por algum tempo, pode ser cinco minutos, e prestar a atenção em cada órgão do corpo.O que está leve e o que está incomodando.
Entre os alimentos que dão aquela acalmada no corpo, ela lista as castanhas (“Por terem muito zinco, conseguem mexer no nosso estado de espírito”), a camomila (“Uma infusão que proporciona a sensação de tranquilidade”) e o cacau (“Ele é rico em triptofano, aminoácido que estimula a produção de serotonina, neurotransmissor capaz de nos fazer felizes”).
A chef e pesquisadora Inês Braconnot alerta que, para começo de conversa, é preciso se alimentar com orgânicos e se forem consumidos crus, então, melhor ainda.
— Uma alimentação balanceada combina 80% de vegetais crus e 20% do que você quiser. Fazer uma boa salada, investir em um molho bacana já é um primeiro passo. Verdes crus acalmam, fazem bem ao corpo. Se for beber durante a refeição, nunca opte por algo gelado, que dificulta a digestão — ensina Inês.
Os probióticos, que estão em alta muito por causa do kombucha e do kefir, são aliados também no bem-estar do corpo. Esses fermentados ajudam a eliminar toxinas. Quem coloca esses fermentados na rotina, sente a sensação de leveza em alguns dias.
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— Hoje, pode-se produzir tanto em casa quanto comprar de boas marcas. Tem kombucha em quase todas as lojas de produtos naturais. Outro hábito que acalma o corpo é beber a famosa água morna com limão ao acordar. Ainda coloco uma pitadinha de flor de sal para nutrir o meu corpo com minerais, e invisto na cúrcuma — diz Inês.
A escritora e jornalista Ana Holanda comanda o curso “Cozinha de memórias”, na School of Life, em São Paulo, em que fala da relação direta entre o que comemos e o que sentimos. Ela destaca que, além da ação nutricional de cada alimento, existe também a narrativa que aquele ingrediente, prato ou sabor pode ter na vida de cada um.
— Eu proponho olhar a comida além dela. A comida está ligada a memória e afeto. Algo leve pode ficar pesado diante de alguma experiência anterior. E vice-versa. Existe um entendimento que vai além da quantidade de nutrientes que é preciso levar em consideração. Uma refeição pode ser um momento de autoconhecimento. É muito importante ter presença enquanto se alimenta — diz Ana.
No restaurante vegetariano Prana, no Jardim Botânico, o chef Marcos Freitas investe em um menu que equilibra os ânimos e deixa as pessoas preparadas para as aulas de ioga ou meditação, que acontecem no andar superior da casa. O segredo, segundo ele conta, está em destacar a simplicidade dos sabores.
— Nos últimos anos ouvimos falar muito dos famosos superalimentos, uma glamourização de alguns ingredientes. Acredito que todos os alimentos podem ser super. Um abacate, além de delicioso, é rico em vitamina B3, fundamental para nos sentirmos bem. Um espinafre é rico em folato (vitamina do complexo B), que ajuda a evitar depressão. Sem falar em chocolates de qualidade que são cheios de triptofano — comenta Marcos, que cria pratos vegs para agradar a todos, com opções como o hambúrguer de grão de bico com guacamole e gelatina de sweetchilli, molho barbecue, batatinha calabresa com creme de castanhas, alho poró e ervas e milho assado com molho de pimentão defumado ou ainda a sobremesa torta musse de cacau crocante.
A nutricionista Patricia Davidson avisa que é preciso focar ainda em ingredientes que ajudam no relaxamento muscular. Couve, brócolis, sementes de gergelim, sementes de mostarda e quiabo são alguns deles.
— Além disso, abacate, castanhas, sementes de abóbora, banana e amêndoas diminuem a ansiedade e melhoram o humor. Para os hormônios ficarem em harmonia, é preciso colocar ovos, carne bovina e peixes. Dormir bem também está no topo da lista de hábitos que relaxam e que podem ser melhorados a partir da alimentação. Sementes de chia, linhaça e nozes são ricas em Ômega 3, um ácido graxo importante para a produção de melatonina, GABA e triptofano, substâncias que são essenciais para o relaxamento, a indução e o aprofundamento do sono. Sempre tenha algum deles na sua alimentação — lista Patricia.
O endocrinologista Theo Webert indica ainda óleo de lavanda, bálsamo de limão (é uma folhinha que parece um hortelã) e extrato de ashwagandha, um nome difícil para o ginseng indiano, famoso por ajudar a dormir e, ao mesmo tempo, dar energia.
— Estudos mostraram que o uso da ashwagandha tem efeitos de alívio da ansiedade semelhantes aos do calmante Lorazepam. A L-teanina, que é um aminoácido solúvel em água, pode ser encontrada no chá verde, no chá preto ou como suplemento, ajudando a reduzir o estresse e a ansiedade e não causando sonolência — comenta Theo.
Pode-se dizer que a indiana especialista em alimentação Ayurveda Nisha Manikantan é uma craque em bem-estar. Ela ensina que no café da manhã é bom comer um mingau morninho de cereais (trigo, trigo sarraceno, arroz, painço ou aveia) com frutas salpicadas. Antes do almoço, a dica é um pedacinho de gengibre para aumentar a “Agni”, força responsável pelo bom funcionamento da digestão.
— Use especiarias naturais, como cominho, pimenta preta, canela, cardamomo, coentro, manjericão e o que mais você gostar. Eles não só deixam a comida mais saborosa como ajudam o corpo a absorver os alimentos. Tomar leite fervido com passas ou tâmaras na hora de dormir melhora o sono. E, se puder, evite carnes, que são ácidos por natureza e podem produzir toxinas no organismo — ensina Nisha. É tão bom saber que a leveza e a calma podem estar logo ali, na geladeira.
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Redação iBahia
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