Um casal de professores e pesquisadores da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) viveu momentos de terror durante um sequestro sofrido dentro da própria Ilha do Fundão, quando eles chegavam ao trabalho, no Centro de Ciências da Saúde (CCS), na última sexta-feira (18). Os dois foram mantidos reféns pelos criminosos por cerca de 11 horas. Chegaram a ser levados, vendados por sacos pretos, para o alto de uma comunidade em Belford Roxo, onde permaneceram por mais ou menos nove horas sob a mira de um dos assaltantes. Ao todo, segundo o pesquisador, três criminosos participaram da ação. Os sequestradores levaram do casal dois celulares, além de dois computadores que utilizavam para o trabalho na universidade, um carro e R$ 38 mil em compras feitas com cartões das vítimas, após obrigá-los a fornecer as senhas.
Por volta de 11h, eles chegavam ao prédio do Centro de Ciências da Saúde (CCS) e foram abordados por dois homem armados com pistolas e encapuzados. Desceram do próprio carro e foram obrigados a entrar em outro veículo, dirigido por um terceiro criminoso. Enquanto um dos homens armados roubou o carro dos pesquisadores, o outro embarcou com eles no banco de trás do veículo dos criminosos, ameaçando-os com a pistola.
'Não queriam perder um dia de trabalho'
Uma vez dentro do veículo, os sequestradores começaram a pegar todos os pertences das vítimas. Disseram que a quadrilha havia saído para roubar uma carga, mas que, como não conseguiram cometer o crime, "não queriam perder um dia de trabalho" e foram para a Ilha do Fundão "fazer um ganho". Checavam aplicativos bancários e pediam senhas dos professores universitários, ameaçando-os caso estivessem erradas:
— Eles foram fazendo perguntas de senhas do computador, senhas do celular. Fomos ameaçados o tempo todo. Eles falavam que se dessemos informações erradas, iriam atirar na gente. Foram ficando nervosos, porque a minha mulher não conseguia lembrar uma senha do Icloud. A gente tentou manter a calma e dizia para eles que forneceríamos todos os nossos dados — disse uma das vítimas.
Por volta de meio-dia, o bando parou o carro e disse ao casal que todos estavam no alto de uma favela. Além disso, informou que os dois permaneceriam ali, como reféns, dentro do carro onde estavam, até que um deles conseguisse fazer compras com os cartões das vítimas. O casal se preocupou com o filho caçula, de sete anos, que estava na escola e seria buscado por eles mesmos, naquela sexta-feira, e levado para a universidade, porque pretendiam trabalhar em seus laboratórios até mais tarde e não tinham com quem deixar a criança.
— Falaram que por volta de 14:30 já estaríamos liberados. Mas nós ficamos lá encapuzados com esse assaltante em nossa companhia por mais de nove horas. Ele nos disse (depois) que ia demorar porque nosso cartão ainda estava "cuspindo dinheiro". No final, um deles ainda nos ameaçou, falando que a polícia estava lá embaixo da favela e que poderia haver uma troca de tiros — contou o professor.
Família procurou em hospitais e IML
Os criminosos, por volta de 22h, saíram de carro da comunidade e mandaram o casal seguir andando para o lado oposto. Perguntando a quem estava na rua, descobriram que estavam no bairro de Vila Pauline, em Belford Roxo. Os pesquisadores receberam ajuda de um comerciante do local, que cedeu o celular e os indicou um amigo taxista. Conseguiram ligar para a família que, desesperada, começou a procurar pelos dois em hospitais e no Instituto Médico Legal (IML).
— Minha família estava completamente desestruturada e desolada sem saber se a gente estava vivo. A sensação é de impotência e desalento. Porque a gente tem certeza que as pessoas que tem a obrigação de cuidar da gente não o fazem — disse o pesquisador, ainda muito emocionado. — No Brasil, a gente não tem um ensino público de qualidade, não tem uma saúde de qualidade, e a segurança parece que vai ter que ser iniciativa individual.
O professor, que frequenta a universidade desde 1988, quando entrou na graduação, diz que o sentimento é de revolta e de tristeza. Ele lembra que os relatos de violência na Ilha do Fundão se multiplicam, sem que nada seja feito. Recentemente, uma colega do mesmo corredor onde ele trabalha foi vítima de um assalto no campus.
— Eles (os assaltantes) falaram apenas que reconheceram mais duas "equipes" ali dentro (do Fundão) para praticar o mesmo crime. Em 30 anos, parece que estou na fila para ser a pessoa a sofrer esse tipo de coisa.Não posso dizer que estou chocado, porque todos nós estamos, esperando o dia em que vai acontecer com a gente. Estamos a pequeno passo de ter um latrocínio. Estamos esperando que alguém morra lá dentro em um espaço de tempo muito breve — criticou.
'Falência da sociedade'
O professor, que tem ainda um filho de 25 anos formado pelo UFRJ e outro de 21 cursando a Uerj, conta que o afeto pela instituição tem dado lugar à decepção com a falta de apoio aos docentes e pesquisadores. E também com a violência que assola o campus.
— A decepção com a nossa sociedade, com a falência dela, é muito grande. Eu nem preciso relatar o amor que tenho pelo universidade, são 30 anos, mas acho que essa foi a gota d'água para mim — desabafa ele. — Não temos telefone em nossas salas, foram cortados há um tempo. Publicamos nas melhores revistas do mundo. Fazemos pesquisa da mais alta qualidade. Não temos apoio. A universidade sabe que isso acontece diariamente lá dentro. Não há câmeras de segurança que funcionem, não há patrulhamento efetivo. Entra quem quer. E a gente trabalha assim mesmo, no que é, reconhecidamente, uma das maiores universidades do país.
O GLOBO procurou a Polícia Civil do Rio, que afirmou, em nota, que as vítimas já foram ouvidas. "O caso foi encaminhado para a 37ª DP (Ilha do Governador), responsável pela área onde ocorreu o fato, que vai dar andamento às investigações", completou o órgão.
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Redação iBahia
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