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Afrocidade consolida identidade sonora em 'Vivão'; confira

Direto de Camaçari, banda levou 10 anos para apresentar o primeiro álbum completo. Mas, a espera é recompensada com o trabalho que faz jus ao título escolhido e mostra a vivacidade da música pop baiana

Redação iBahia • 16/02/2022 às 18:00 • Atualizada em 27/08/2022 às 0:23 - há XX semanas

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Foto: Roncca / Divulgação

Demorou 10 anos para que o grupo Afrocidade conseguisse apresentar seu primeiro álbum. Mas a espera valeu a pena, porque a banda de Camaçari chegou muito segura em “Vivão”, que conta com a produção musical de MahalPita. O trabalho apresentado por Eric Mazzone (voz, bateria e direção musical), MCDO (voz), Fernanda Maia (voz e percussão), Rafael Lima (percussão), Marley Lima (baixo), Sulivan Nunes (teclado), Fal Silva (Guitarra) e a dupla de bailarinos Ghuto Cabral e Deivite Marcel já está disponível em todas as plataformas de streaming e também como álbum visual.

O álbum foi realizado com patrocínio do edital Natura Musical e consolida um processo de amadurecimento do Afrocidade. Quem circula pela cena de música pop de Salvador já conhecia boa parte das músicas que foram lançadas em 2021 no EP “Afrocidade na Pista”. Contudo, os ouvidos mais atentos também puderem perceber que havia ali um trabalho de mistura entre orgânico e eletrônico que a banda ainda não havia apresentado dessa forma nos shows.

“Vivão” é um álbum inteiramente de canções inéditas e essa mescla, que é tendência na música baiana, cria o ambiente para discussões que pensam no amor e no afeto entre pessoas negras, no processo de marginalização dessa população e propõe ainda um olhar para a ancestralidade como forma de resgate da autoestima negra. Para conferir os destaques do disco, só chegar na playlist que preparei no Spotify no iBahia.



Aqui nesta entrevista, Eric, Fernanda e MCDO falam sobre o percurso do grupo até o lançamento do primeiro álbum, das questões que enfrentaram no caminho e as visões e valores que norteiam o trabalho do Afrocidade.

Esse é o primeiro álbum do Afrocidade, mas vocês já tem uma estrada longa, de quase 10 anos. Já lançaram 2 EP’s e têm um trabalho já anterior em Camaçari, que é bastante relevante. Esse caminho longo, árduo que vocês passaram, eu não consigo dissociar das dificuldades que qualquer projeto negro, politizado e afrocentrado (como é o que vocês propõem) sempre tem que enfrentar. Como avaliam a trajetória até finalmente conseguir apresentar um primeiro álbum?

Fernanda Maia:
De fato, o que fez a gente demorar um pouco mais foi a ausência de incentivos. O Afrocidade vem há 10 anos tentando se colocar no mercado, e com as nossas próprias pernas. Depois de muito tempo foi que a gente conseguiu ser contemplado por esse edital, mas ainda assim os caminhos não são fáceis como algumas pessoas acham que são. As grandes marcas até que estão olhando para cá neste momento, estão com os holofotes acesos para outros lugares além do Sudeste, mas a gente não sabe até quando. Mesmo assim, a gente ainda está bem distante do plano financeiro que gostaríamos de atingir, justamente por falta de incentivos, que infelizmente tardaram de chegar para a gente.

Eric Mazzone: Tem também a questão da gente usar a tecnologia do tambor, porque a gente partiu de um grupo de percussionistas. Então, a gente herdou toda a invisibilidade que a percussão e os percussionistas têm, e que há muito tempo vêm lutando para conquistar um espaço de protagonismo. Ainda mais a gente sendo de Camaçari, que, apesar de ser da Região Metropolitana de Salvador, tem uma população que se sente muito distante da capital. Na música baiana, grandes nomes vieram da nossa cidade, como Denny, da Timbalada, e Renatinho da Bahia [ex-cantor do É O Tchan], mas a gente não conseguiu herdar isso, porque a Camaçari foi dada apenas o recorte industrial [por conta do Polo Petroquímico]. Então a gente teve que lidar com essa soma de marginalizações, mas usamos isso como ferramenta de revolta e foi um dos motivos que fez a gente conseguir levantar de er de Camaçari, para mostrar que a cidade é diversa e com muitas manifestações de cultura popular, como a de Dona Nildes, que participa do nosso álbum.

O som que vocês fazem hoje mistura o orgânico e o eletrônico, mas nem sempre foi assim. Vocês começaram como uma banda 100% orgânica, sem nenhum tipo de base eletrônica, e foram aos poucos chegando mais perto dessa tendência na música pop baiana de transpor para o universo da música eletrônica os ritmos afro-baianos. Vejo que o álbum consolida esse processo. O que motivou vocês a inserirem os elementos eletrônicos?

Eric: Tenho entendido cada vez mais essas coisas como códigos. A partir do momento em que a gente foi juntando o eletrônico e o orgânico, a gente foi abrangendo nossa sonoridade, se conectando com outros universos. Então, cada código desse possibilita a conexão com determinado público, com determinado universo de ritmos. Então, nós fomos testando as possibilidades, fazendo várias pesquisas, entendendo o que a gente não poderia abrir mão [dos instrumentos orgânicos] e ficamos muito felizes com o resultado dessa junção no disco, porque foi o resultado de todo esse processo de pesquisa sonora.

Outra questão que eu queria entender é: como é feita a divisão das canções entre MCDO e Fernanda Maia? Pergunto isso, porque o álbum tem 10 faixas, sendo 2 vinhetas. Aí das 8 que sobram, Fernanda canta 2, MCDO canta 5 e tem 1 dueto. A curiosidade sobre esse ponto é por causa do potencial que vejo nos duetos. Vocês já fizeram em “As Minas Para o Baile”, single que saiu em 2021, e fazem em “Toma”, que é a faixa 2 no “Vivão”. Essa possibilidade de juntar o estilo pop de Fernanda com a pegada rapper de MCDO para mim é o grande diferencial do Afrocidade. Ai, junto com a pergunta vai o pedido para vocês cantarem mais juntos.

Fernanda:
Isso acontece de maneira muito natural, não tem nada traçado. A gente vai fazendo e as coisas vão acontecendo. E não tem a ver com quem compôs a música, porque eu, Eric e MCDO, fizemos “Baby Eu Te Liguei” em parceria e ela eu não canto. Então, é um processo que vai acontecendo sem isso de demarcar o que vai ser ou o que não vai ser.

O álbum traz bem forte essa mensagem política que vocês estão falando. Óbvio que tem também um lado mais romântico, que fala de relacionamentos amorosos, porque a vida precisa muito disso, mas a perspectiva de conscientização, principalmente do jovem negro, é muito presente nas canções. Que juventude vocês estão idealizando com as mensagens do Vivão?

MCDO: A gente pensa no jovem preto de diáspora. Essa questão do romantismo é uma parada super importante. Na verdade não é nem o romantismo, é o dengo. Isso é super importante, porque esse amor do dengo, do afeto foi retirado do homem e da mulher preta, do homem e da mulher indígena. Então, a gente fica sem ter coragem de falar sobre isso. Falar de afeto é um ato político para nós e é uma ação de resgate também, porque quando a gente fala em diáspora é para lembrar que fomos tirados nas nossas terras e lá nós somos reis e rainhas. Precisamos resgatar isso. Então, a gente não precisa defender uma bandeira política, nem uma instituição, porque a nossa política é só existir.

Marcelo Argôlo*
Jornalista e pesquisador musical que acompanha o cenário musical baiano desde 2012. Mestre em Comunicação pela UFRB, ele é autor do livro Pop Negro SSA e mantém ainda o Instagram @popnegroba sobre a música pop negra da Bahia.

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