Valéria Oliveira é mãe de Victor, casado com Roberto Pereira há três anos e meio. Ambos são pais de Alice e Valentina, de 2 meses, que foram geradas no útero de Valéria. Sim, da avó. A dona de casa de 52 anos sabia do sonho do filho de ser pai e, diante da dificuldade que o casal vinha enfrentando para adotar uma criança recém-nascida — o desejo dos dois —, ela se ofereceu para gerar os netos.
— Victor é filho único, e eu tinha vontade de fazer isso por ele, por mim, para aumentar nossa família. Queria muito ser avó — conta Valéria, com lágrimas nos olhos. A princípio, Roberto, o genro, não gostou muito da ideia. — Sei o quanto Valéria é importante na vida de Victor. Ela se tornou uma pessoa indispensável para mim. É um exemplo de ser humano e de mãe. Não queria colocar a vida dela em perigo. A possibilidade de realizar o nosso sonho, ter as crianças e não ter ela não fazia sentido — lembra o contador.
Mas Victor, bombeiro e psicólogo, resolveu marcar uma consulta numa clínica de fertilização in vitro. E o médico acabou tranquilizando a família em relação aos riscos. — Fiz vários exames clínicos, laboratoriais, biopsia da camada do endométrio... Já estava no climatério (período que antecede a menopausa), mas o médico disse que meu útero estava perfeito, como o de uma adolescente — relata Valéria.
SURPRESA DA FAMÍLIA
Foi quando o casal partiu em busca de um óvulo de uma doadora anônima. A fertilização — com um espermatozoide de Victor e um de Roberto — e a transferência dos embriões para o útero de Valéria foram feitas em maio do ano passado. Quinze dias depois, Valéria fez o exame Beta HCG e descobriu que estava grávida.
— Foi uma felicidade. Porque, para nós, a possibilidade de sermos pais biológicos era algo muito distante — diz Victor. Valéria conta que a gestação foi tranquila, sem enjoos, e que só ganhou 11 quilos. Teve apenas que tomar remédios nos três primeiros meses, porque seu organismo não prepararia o útero para receber uma criança naturalmente: — O médico falou que as chances de aborto eram as mesmas de uma gestação natural. Sabia que daria certo. Mas achei melhor não contar para ninguém no início.
O receio, diz Roberto, era “como explicar que Valéria era só o forno”: — Não sabia se entenderiam que a pizza a gente já tinha feito e que nenhum ingrediente era dela, que ela só estava fazendo crescer a massa. Valéria começou a circular pela rua com roupas largas. A família (tios, sobrinhos e agregados) ficou sabendo da novidade somente em outubro, em seu aniversário, quando ela estava com cinco meses de gravidez.
— Meu irmão ficou meio bitolado, sem entender como eu teria filhos do meu filho. Mas frisei que não tinha material genético meu envolvido — conta a dona de casa, lembrando que, na rua, as pessoas perguntavam se era uma gravidez temporã. — Dizia que eram minhas netas mesmo. Não me importava com o que as pessoas iam pensar.
As gêmeas nasceram de 37 semanas, no dia 2 de fevereiro: Alice veio primeiro, com dois quilos e 450 gramas. Valentina chegou em seguida, com um quilo e 850 gramas, e teve que ficar 15 dias na UTI até ganhar mais peso. Como Valéria não teve leite, as meninas tomam suplemento hipercalórico. A avó continua morando com Victor e Roberto, em Madureira, provisoriamente, para ajudar nos cuidados com as gêmeas. Depois, volta para casa, em Cavalcante, também na Zona Norte.
— Não me senti mãe delas em momento algum, só avó mesmo — diz Valéria. O processo de registro das crianças, no entanto, não foi tão simples. Victor conta que a oficial do cartório de Cascadura disse que não poderia registrar as gêmeas no nome do casal, mesmo diante de um documento da maternidade, assinado por Valéria, dando conta de que ela era apenas o útero de substituição:
— A oficial queria que as registrássemos no nome de minha mãe, com pai ignorado, e entrássemos com um processo de adoção. Fui ao plantão do Tribunal de Justiça, que me orientou a procurar a Defensoria Pública. A defensora me deu um ofício obrigando o cartório a registrar as meninas no nosso nome.
Professor de Direito Civil da Fundação Getulio Vargas, Gustavo Kloh afirma que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 2011, igualou os direitos de homossexuais aos dos heterossexuais: — O artigo 1.597 do Código Civil diz que a paternidade se presume por critérios necessariamente biológicos, exceto nas hipóteses em que haja reproduções por meios artificiais, como a fertilização.
No Brasil, a resolução 2.013/13 do Conselho Federal de Medicina autoriza a doação temporária do útero (a popular barriga de aluguel), mas apenas entre parentes de até quarto grau (mãe, filha, irmã, avó, tia ou prima do doador genético) e desde que não haja caráter comercial.
A legislação brasileira é rígida. Antes de fazer o procedimento, o médico precisa comunicar ao Conselho Federal de Medicina, que analisa a petição e autoriza ou não a gestação compartilhada — explica Bianca De Albuquerque, advogada do Banco de Cordão Umbilical do Brasil.
A gestação de Alice e Valentina foi devidamente autorizada. Agora, Victor, que trabalha no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças do Corpo de Bombeiros em Guadalupe, está de licença paternidade com efeito de maternidade: ficará seis meses em casa cuidando das crianças. Ele e Roberto, que pediu demissão do trabalho para acompanhar o marido, planejam ensiná-las logo cedo a lidar com possíveis preconceitos da sociedade: —Elas serão educadas para saber respeitar as diferenças e entender que há diversas configurações familiares hoje em dia. E que família é toda aquela junção baseada no amor. A nossa família é amor.
Veja também:
Leia também:
AUTOR
Redação iBahia
AUTOR
Redação iBahia
Participe do canal
no Whatsapp e receba notícias em primeira mão!
Acesse a comunidade