Um iPhone X de 64Gb sai, em média, 88% mais caro no Brasil do que nos EUA. O Lego de uma nave de Star Wars fica 74% mais salgado aqui do que se comprado no site da Amazon americana. E o preço de um console Xbox é 56% mais gordo cá do que lá. Na sociedade de consumo da era digital, em que a imagem ganha peso excessivo, paga-se caro para construir um avatar idealizado. Se for no Brasil, então...
Mas, afinal, por que pagamos mais do que os outros? Isso acontece, em parte, por nossa trajetória socioeconômica. Aqui, montou-se um mercado em que preço não está relacionado apenas a custo. Tem muito mais a ver com a percepção de valor de bens e serviços num ambiente de baixa competitividade.
— Existe o chamado custo Brasil, a carga tributária, a logística difícil — explica Fabiano Coelho, professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas e especialista em formação de preço, que fez os cálculos listados no início do texto. — Mas outros fatores se somam a isso. Como éramos um país fechado, ter acesso ao que se produzia no exterior era difícil. Passamos a achar que o que vem de fora e o que é mais caro é melhor. E ainda é difícil mudar isso — diz o professor.
Na prática, ele explica, há valores mais altos simplesmente porque existem referências externas. Coelho lembra que alguns carros importados que podiam custar menos elevam seus preços no Brasil, diferentemente do que fazem no México, por exemplo, para se diferenciar de carros populares:
— Sobem o preço para manter o veículo na categoria em que ele é percebido, que é superior.
O poder que determinadas marcas representam para quem as consome também é, afinal, um balizador. Grifes adoradas por brasileiros lá fora — como Victoria’s Secret, GAP e Tommy Hilfiger — têm preços médios no exterior. Mas são ícones aqui, então custam mais caro, diz Coelho. Daí a imagem já clássica nas redes sociais de brasileiros comprando em massa nos outlets americanos, onde podem resolver o desejo de encher a mala de peças assinadas pelas marcas da vez.
Coordenadora do curso de Marketing de Moda do IED-Rio, Melina Dalboni explica que as empresas também usam o preço para delimitar quem vai vestir, exibir ou usar seus produtos.
— Muitas grifes no Brasil subiram preço nos últimos dez anos, mas isso não quer dizer que entregam qualidade equivalente à imagem. Elas apenas deixam claro que não querem ser usadas por qualquer um, querem circular nas classes A, B e C+.
Para ela, o brasileiro reflete mais o estilo voraz de consumo do americano, da cultura das celebridades. Já os europeus tendem a valorizar mais o consumo cultural e o luxo.
— A Carrie (Bradshaw, personagem de Sarah Jessica Parker), em “Sex and the City”, não tinha dinheiro para comprar os sapatos caríssimos que usava, mas dava um jeito. Os brasileiros são assim — comprara Melina, lembrando que mesmo grifes de luxo vendem parcelado por aqui.
VAI PARCELAR EM QUANTO?
Em todas as classes sociais, as grifes surgem como símbolo ou status para se diferenciar do outro. Elaine Rosa, 29 anos, carioca da Pavuna que mudou recentemente para o Engenho Novo, lembra de seus sonhos de consumo na adolescência.
— Fui bolsista numa escola em que eu era a única negra. Eu queria ter a Melissa e a mochila da Kipling que as meninas da Tijuca tinham. Hoje, na periferia, a grande maioria ainda escolhe o que comprar pelo status, como ter o iPhone ou o Samsung de última geração — conta a criadora da produtora de eventos Rainha Crespa, que organiza a Feira Crespa, ancorada em afroempreendedorismo. — Há pessoas superconsumistas, que querem usar Reef, o chinelo ostentação, ou a sandália Melissa, as coisas que mostram quem tem dinheiro na favela. Mas isso está mudando, e cresce o interesse por produtos que valorizam a identidade negra.
Coelho diz que gastamos mais do que podemos, gostamos disso, e as marcas estão atentas:
— A Apple precifica o iPhone dela, no alto, pelo que os brasileiros e os chineses estão dispostos a pagar, de US$ 700 a US$ 1 mil por modelos mais novos. O americano paga muito menos, comprando o aparelho atrelado a uma empresa de telefonia.
O preço é, assim, claramente um fator que ainda se sobrepõe à racionalidade. Veja o caso do vinho. O Brasil já tem espumantes premiados entre os melhores do mundo. Ainda assim, o brasileiro valoriza muito mais os estrangeiros.
Nossa decisão de compra é sobretudo emocional. E, mesmo em recessão, há quem prefira abrir mão de diversos itens para manter a compra da marca preferida. Acredita-se que o preço ainda define o que é melhor.
Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva e que conduziu pesquisas sobre o consumidor emergente brasileiro, diz que não basta ver o bolso:
— Muita gente topa pagar mais caro e parcelado para ter já o que poderia ter, sem juros, no futuro. Há pessoas que criticam a compra de um iPhone por quem ganha pouco. Mas isso só evidencia a dificuldade de enxergar o outro. Smartphone é status, mas é também central para se conectar.
— Quando o funk estourou, nos anos 1990, as classes populares nem eram consideradas nas pesquisas de mercado — pondera a antropóloga e professora da PUC-Rio Mylene Mizrahi. — Mas foi o que impulsionou a calça jeans da Gang. Essa apropriação de um bem de consumo pelas meninas que iam ao baile fez da calça um bem cobiçado na virada para os anos 2000.
BEM NA SELFIE
Acrescente-se a tudo isso o fator rede social, que o brasileiro adora e está entre os maiores usuários do mundo. Mais do que vestir, consumir, frequentar, é preciso compartilhar o que se veste, consome, frequenta. Tudo em imagens lacradoras.
— No fim, o preço vai muito além do imposto. Apesar de ser a oitava economia do mundo, o Brasil é a 65ª em distribuição de renda. Não há escala suficiente para que os produtos cobiçados cheguem a ser baratos — argumenta Alexandre Versignassi, jornalista, historiador e autor de “Crash — Uma breve história da economia”. — Quando a demanda é relativamente pequena, há muita elasticidade no preço. Exagerando, uma Mercedes top de linha tem três compradores. Como cada um quer mostrar que tem mais dinheiro do que os outros dois, o vendedor está livre para cobrar o que quiser.
Colaborou Emiliano Urbim
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Redação iBahia
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