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"Polícia é para ladrão", dizem moradores em enterro de menina

Mirela, de 6 anos, morreu na noite de sexta-feira (18). Polícia diz que houve troca de tiros, moradores negam

Redação iBahia • 18/03/2017 às 19:22 • Atualizada em 27/08/2022 às 0:09 - há XX semanas

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Mirela estava na varanda de casa com a mãe(Foto: Reprodução)

“Polícia é para ladrão. Não é para criança, não”. O coro puxado pelas quase 200 pessoas presentes no enterro da menina Mirela do Carmo Barreto, 6 anos, na tarde deste sábado (18), era, na verdade, um grito de dor e revolta. Dor pela perda da garota – tão pueril e tão inocente, Mirela foi morta na noite de sexta-feira (17), na laje de sua casa, localidade da Gomeia, em São Caetano, enquanto sua mãe estendia roupas no varal.

E revolta porque, segundo moradores da Gomeia, o tiro foi disparado por policiais militares – mais especificamente, por uma guarnição da Base Comunitária de Segurança de São Caetano. Moradores e PMs contam que os policiais estavam em busca de um celular que tinha sido roubado. A divergência é justamente no que levou ao desfecho trágico: a polícia alega que, ao chegar na comunidade, foi recebida com tiros. Segundo a PM, inclusive, a guarnição era da 9ª Companhia Independente (Pirajá). Enquanto isso, os moradores afirmam que não houve tiros. Pelo contrário: houve truculência desnecessária.

Mirela era filha única da auxiliar de serviços gerais Neide Barbosa e do segurança Robenilton de Jesus Barreto. Como toda criança de seis anos, era uma menina alegre e brincalhona. “Só fazia ‘pintar’, como toda criança”, contou o despachante Jorge de Jesus, 60, amigo da família e morador da região. A garota não costumava ficar na rua. “Era da escolinha para casa. Tanto era que aconteceu em casa”, dizia, emocionada, a tia-avó de Mirela, Marinalva dos Santos, 58.

Assim como seus pais, Mirela nasceu em São Caetano. A família se estabeleceu no bairro há décadas. A tia avó, Marinalva, lembra de ter chegado lá aos três anos de idade. Mas a violência dos últimos tempos mudou completamente a rotina dela, dos parentes e de praticamente qualquer pessoa que viva por ali.

Segundo os moradores, a atitude dos PMs que deveriam fazer a segurança da região é tudo, menos para dar segurança. Na noite de sexta, a situação teria sido parecida. “Eles chegaram lá, só vi ‘pá, pá, pá, pá’ (barulho de tiros). Pareciam uns doidos e parece que só quem mora lá (na Gomeia) é cachorro. Periferia é isso mesmo. Nem em casa a gente pode ficar mais”, desabafou Jorge.

O sepultamento foi mercado pelos pedidos de ‘justiça’. O pai e a mãe de Mirela estavam à base de remédios. Abalada, a avó da menina passou mal e precisou ser carregada por algumas pessoas presentes. Em meio ao choro dos adultos, um grupo de crianças segurava cartazes com dizeres como “Saudades eternas”, “Luto - Mirela” e “Queremos justiça”.

“É triste demais ver isso acontecer com uma criança de seis anos. Eu vim aqui hoje porque tenho uma menina de três anos e não quero que aconteça com ninguém”, disse a autônoma Darlane Assis, 20, mãe de Bruna, 3, uma das meninas que segurava cartazes.

O momento do tiro e invasão de casa
O caso aconteceu por volta das 20h30 da sexta-feira. Segundo o líder comunitário Dino Rosa, três PMs chegaram em uma viatura, acompanhados de um quarto homem – sem camisa e usando uma máscara do tipo brucutu, ele seria o dono do celular que foi roubado. Os quatro chegaram até a Gomeia pelo indicativo do GPS do aparelho, que estava ligado na região.

Antes de chegar próximo à casa de Mirela, os policiais, de acordo com Dino, invadiram a casa de uma mulher que vive com quatro filhos pequenos na Rua Direta da Gomeia. O GPS indicava que o celular estava por ali. “Eles disseram para ela que estava lá e invadiram a casa. Abriram a geladeira, revistaram tudo. Os meninos estão traumatizados”.

Foi quando os policiais teriam atualizado novamente a indicação do GPS no celular. Agora, indicava que o aparelho estava em outro local – e eles seguiram até chegar na rua onde Mirela morava. “Estava chovendo forte e alguns moradores começaram a olhar das janelas (para a rua). Foi quando eles começaram a dar tiro para o alto”. Sem troca de tiros, mas com balas para o alto. Foi assim que, de acordo com os moradores, Mirela foi atingida. Ela estava debruçada na varanda.

Mirela e a mãe estavam no primeiro andar de casa - a varanda da parte amarela. A mãe estendia roupas e a menina se debruçou na varanda (Foto: Leitor via WhatsApp)

A menina foi socorrida na própria viatura. Mas, de acordo com o líder comunitário, a polícia ia embora e só socorreu a criança depois que os moradores foram para cima do carro. “Eles não iam socorrer, então nós pegamos pedras e paus para que eles dessem socorro. Quando chegaram na UPA (Unidade de Pronto Atendimento), eles vieram dizendo que tinha tido troca de tiro. Eu vi tudo. Do começo até o final e não teve nada disso”.

Em um vídeo gravado e compartilhado pelos moradores, há o registro do momento em que a viatura sai – em marcha ré – para levar Mirela até a UPA de San Martin, acompanhada do pai dela. Nas imagens, é possível escutar moradores gritando, revoltados. Enquanto a menina era levada, a roupinha que vestia – uma blusa de baby-doll – ficou no chão da casa, suja de sangue.

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Perícia vai determinar de onde partiu o tiro
Por outro lado, a Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA) diz que houve troca de tiros. Os policiais, que seguiam o sinal do GPS do celular roubado, foram recebidos a tiros por bandidos, segundo a SSP. “No confronto, Mirela do Carmo Barreto, 6 anos, foi atingida. Ela chegou a ser socorrida para a UPA da San Martins, mas não resistiu aos ferimentos”, diz a nota.

Agora, o suposto confronto será investigado pela Corregedoria da Polícia Militar, enquanto a morte de Mirela teve inquérito aberto no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). O proprietário do celular, que fez o acionamento da guarnição, testemunhou toda a ação e também deve ser ouvido pela polícia. Ao CORREIO, a SSP informou que não há nenhum impedimento para a vítima de um furto acompanhar os policiais, em um caso como este. No entanto, a assessoria do órgão não tinha mais informações sobre o furto.

Além disso, aa SSP informou que as armas dos policiais que participaram da ação foram recolhidas e que foram feitas diligências para identificar os bandidos. “No entanto, apenas o resultado dos laudos poderá revelar de que arma partiu o disparo que vitimou a criança. O policiamento na região foi reforçado com guarnições das Rondesp”, completam.

Apesar do que diz a polícia, entre os moradores, durante o sepultamento, parecia ser consenso que a PM age com truculência na região. “Eles entram e chamam mãe de família de vagabunda, de mulher de ladrão. Mãe de família não é mulher de ladrão. Nós somos pobres, mas somos honestos”, desabafou uma moradora que não quis se identificar. “Na favela, também tem pessoas de bem, civilizadas, estudantes e trabalhadores. A polícia que está despreparada”, disse outra mulher.

Vizinha da família do pai de Mirela, a professora Ednalva Matos, 41, contou que Mirela estudava com suas duas filhas, que são gêmeas. “O que essa criança viveu para passar por isso? Que culpa ela tem? Você vê o clamor por justiça e sabe que não vai dar em nada porque somos da periferia, somos pobres. Falta respeito”. O mecânico Gilvânio Cabral, 41, também desabafou. “Eles sabem que não vai dar em nada e a gente está cansado de tomar porrada”.

Logo após o enterro, os moradores voltaram a fazer uma manifestação em São Caetano. De frente para a Base Comunitária de Segurança do bairro, deram as mãos e caminharam segurando cartazes.

Eles planejam uma nova manifestação – na segunda-feira (20), na BR-324, em frente à Estação Bom Juá do metrô. Na manhã deste sábado (18), eles fecharam as duas vias da BR por volta das 8h30, no quilômetro 623, na localidade conhecida como Jaqueira do Carneiro em protesto pela morte de Mirela.

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