O nome não poderia ser mais apropriado para alguém que, segundo familiares, se atirou no mar para salvar duas mulheres da morte. O eletricista Salvador Souza Santos, 68 anos, conhecido como 'Guerreiro da Ilha', livrou duas famílias de sentirem a dor da perda. Seus filhos, porém, não tiveram a mesma sorte.
O eletricista é a 19ª vítima do naufrágio da lancha Cavalo Marinho I, ocorrido na manhã de quinta-feira (24), na Baía de Todos os Santos. Sob aplausos, o corpo de Salvador foi enterrado na manhã desta terça-feira (29), no Cemitério Quinta dos Lázaros, na capital baiana.
Cerca de 250 pessoas, entre familiares e amigos, prestaram as últimas homenagens ao 'Guerreiro'.
Após três dias desaparecido, o corpo do eletricista foi encontrado boiando na praia de Barra do Pote, em Vera Cruz, na noite de domingo (27). Um dia depois, segunda-feira (28), os filhos receberam a confirmação da notícia que mais temiam. "Eu tive esperança o tempo inteiro. Apesar da idade, meu pai era um homem forte e sabia nadar. Acreditei que ele não tivesse morto", disse um dos filhos da vítima, o soldador Marcelo Coelho, 37, após enterrar o pai.
O momento de dor, porém, é também um alívio para Marcelo e os três irmãos, todos filhos do único casamento do eletricista. "Não tem nada mais angustiante do que ter o corpo de um pai perdido no mar. Ao menos, pudemos dar o sepultamento digno que ele merecia", completou o soldador. "Ele morreu para salvar duas mulheres que, naquele momento, precisavam de ajuda. Uma testemunha me contou que ele estava bem e disse que ia descansar para salvar mais gente, até que sumiu no mar", relatou ao CORREIO.
Embora não tenha tido contato com as pessoas que supostamente foram salvas por seu pai, Marcelo diz que acredita na versão. "Não duvido nem um pouco, ele era muito agoniado para resolver tudo e ajudar todo mundo", pontua.
A confirmação
Viúvo há cerca de um ano, Salvador morava sozinho em Mar Grande há dez anos e, diariamente, fazia a travessia para a capital baiana. O habitual era pegar a primeira lancha, que sai às 5h. No dia do acidente, um atraso fez com que o idoso embarcasse na Cavalo Marinho I, que saiu às 6h30, e adernou cerca de dez minutos após deixar o terminal da ilha.
Descrito por familiares como uma pessoa alegre, o aposentado gostava de reunir familiares e amigos para fazer churrasco nos finais de semana.
Cunhado do eletricista, o aposentado Francisco de Souza, 70, conta os dias de desespero que a família viveu até ter a confirmação da morte do idoso. "Foram dias terríveis. Logo que soubemos do acidente, sabíamos que ele estava na lancha. Quando começamos a ligar para o celular dele, sem resposta, começamos a nos desesperar", recorda. "Mas Deus sabe o que faz, quem sabe a missão dele não era salvar essas pessoas?", reflete.
Vida
Amigo de infância do eletricista, o aposentado Raimundo Santana, 69, contou ao CORREIO que só guarda boas lembranças da amizade que nasceu no bairro de São Gonçalo do Retiro, onde o aposentado foi criado e passou a maior parte da vida.
Raimundo contou que o eletricista tinha cinco filhos - três mulheres e dois homens, mas uma das filhas morreu após sofrer um AVC em 2016. Dois meses depois, Salvador perdeu a esposa. "É um homem que marcou minha história. E eu não quero falar de tristeza, mas lembrar de como ele era bom em vida. Um homem que fazia tudo pelas pessoas, só fazia o bem", pontua ele, que esteve com Salvador pela última vez há seis meses.
Também de São Gonçalo, a dona de casa Raminda Leto, 71, lamentou a partida inesperada do amigo. "É muito triste. Que os filhos dele tenham força para superar esta tragédia que destruiu nossos corações", diz.
Raimunda destacou o espírito bondoso do amigo. "Morreu pelo próximo. A vida é isso, amar aos outros como a nós mesmos, e foi o que ele fez". O aposentado completaria 69 anos em novembro.