Seu João e dona Maria plantaram, mas não chove há cerca de seis meses. Com a estiagem, ambos não colheram. Sem o lucro da colheita, deixaram de comprar no comércio da cidade. Sem a grana deles, os lojistas faturaram menos. Multiplicado pelos 2,7 milhões de joões e marias da Bahia em seca, a falta de água em 239 municípios do estado vai intensificar um outro tipo de sede: a de dinheiro. No melhor dos cenários, o impacto do fenômeno na economia baiana será de R$ 3,8 bilhões a menos em 2012. No pior, 7,7 bilhões. Os números fazem parte de um levantamento concluído recentemente pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) - vinculada à Secretaria Estadual do Planejamento (Seplan). Nele, é feita uma radiografia dos prováveis efeitos da seca sobre a economia baiana neste ano, com projeções para três cenários baseados em dados dos 205 municípios mais afetados pela estiagem. Além do melhor e do pior, há um terceiro panorama, chamado no estudo de moderado, cuja estimativa de perda é de R$ 5,7 bilhões. De acordo com o coordenador de Acompanhamento Conjuntural da SEI, Luiz Mário Vieira, os cenários levam em conta o “bom humor” do clima. “O (panorama) mais otimista tem como perspectiva a chegada das chuvas (nas regiões atingidas) ainda em maio ou em junho. O moderado, a partir de agosto. E o pessimista, em outubro ou novembro, quando se completaria o ciclo de um ano de seca”, explica o técnico. Contudo, independente de datas, as perdas já são consideradas irreversíveis. Sobretudo, porque a seca prejudicou a primeira safra agrícola, popularmente conhecida como safra de São José, em referência ao dia do santo, 19 de março, quando os agricultores do Nordeste costumam plantar para colher no período das festas juninas. Segundo a crença difundida na região, se chover nesse dia, não vai faltar água nos próximos meses. Mas a água, benta para os plantadores, não caiu dos céus na hora esperada.
AgropecuáriaComo consequência direta da seca, a SEI prevê que as perdas vão variar de 20% a 40% da produção agropecuária do estado este ano. O que, na Bahia, vai refletir nos resultados do Produto Interno Bruto (PIB), soma de todos os bens e serviços produzidos. Para este ano, a estimativa do governo, antes da seca, era de um PIB em torno de R$ 186 bilhões. Com a ocorrência do fenômeno, a redução ficará entre 2,06% e 4,12%. “Evidentemente, teremos uma perda grande na agricultura”, admite o secretário do Planejamento, José Sérgio Gabrielli. No estudo, obtido com exclusividade pelo CORREIO, estão listadas também as regiões e municípios onde tais prejuízos serão maiores. Todos têm em comum uma característica: neles, mais de 30% do PIB é dependente da agropecuária. Para piorar, a produção agrícola dessas cidades é fundamentalmente baseada em um só tipo de lavoura. No ranking elaborado pela superintendência, são sete as cidades que terão as economia afetadas por conta da crise em suas principais culturas agrícola: Mucugê e Ibicoara (batata); Barra da Estiva e Lajedo do Tabocal (café); Bonito (feijão); Adustina (milho); e Dom Basílio (maracujá). Já em relação á população, o estudo elenca 15 municípios proporcionalmente mais afetados. A lista leva em conta locais onde 100% da população sofre com a seca. CascataOutra consequência da seca, segundo o levantamento da SEI, será na economia urbana das cidades atingidas. Num cenário otimista , o impacto nas localidades será de 10% no setor de comércio e serviços. No moderado e no pessimista, o prejuízo será de 15% e 20%, respectivamente. A conta é simples e tem como base a cadeia comercial de pequenas cidades. “Sem o lucro gerado (no campo), o que seria gasto além da subsistência, deixa de entrar na conta”, afirma Vieira, que coordenou o estudo. Assim, o comerciante local não verá a textura da grana do vestido para Maria e do sapato para João. Para Vieira, o faturamento de bens como alimentos, bebidas, vestuário e eletroeletrônicos será o maior prejudicado. PrecauçãoSegundo Gabrielli, o estudo foi pedido à SEI depois que os efeitos da seca, cuja ocorrência é histórica no Nordeste, começou a ganhar corpo. E por que não antes, como forma de precaução? “Os ciclos da seca são longos. Você sabe que vai ter e que será entre 20 e 26 anos. Não é como a neve, que se sabe que cai todo o ano”, justifica, o que é rebatido por especialistas. Segundo o secretário, o estudo servirá para ações no pós-seca, bem como para direcionar investimentos e linhas de crédito para os joões e marias, que, assim como os governos, esperavam uma chuva que não chegou. Um terço da produção de leite já foi afetado Os prejuízos não ficaram só na lavoura. A pecuária também foi muito prejudicada. Segundo dados da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb), a produção de leite já apresenta uma queda aproximada de um terço, o que representa cerca de 1,5 milhão de litros por dia. Uma situação grave, se considerado que mesmo antes da seca, a Bahia já não era autossuficiente em leite. “Produzimos cerca de 1,2 bilhão de litros por mês, mas consumimos 1,6 bilhão. A Bahia precisa importar leite”, conta o diretor de inspeção da Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab), Adriano de Sá Bouzas. E isso já afeta a indústria de laticínios. Na região de Ipirá, por exemplo, a captação de leite da Valedourado caiu de 100 mil para 18 mil litros por dia. Já em Irecê, o dono da Valpadana, maior fábrica de iogurtes, manteiga e leite pasteurizado da região, Eduardo Chaves, conta que a produção já começou a cair. “Já estamos comprando 70% menos leite e o custo de produção aumentou muito”. Segundo ele, está mais barato comprar leite em pó de outros estados para reidratar do que continuar comprando dos poucos produtores que restam. “O carro que antes rodava pra pegar 5 mil litros de leite, hoje roda a mesma coisa pra pegar 1 mil”. A situação da pecuária de corte não é diferente. A Faeb estima que em torno de 90 dias, as pequenas cidades baianas vão começar a sentir sinais de desabastecimento de carne bovina. Criador da região de Irecê, seu José Cardoso conhece a situação de perto. “O gado não se alimenta, fica fraco e morre. Já perdi uns 30, 40 bois. O que sobrou estou levando pra longe”, conta. E, mesmo que comece a chover amanhã, a situação não vai se normalizar tão cedo. É o que explica o gerente de programas do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Francisco Benjamin. “O gado vai levar três, quatro meses para engordar de novo. Depois tem os nove meses de gestação e, só aí é que começa a dar leite de novo”. Segundo a Faeb, situação semelhante ocorrerá com o gado de abate, já que para evitar perder os animais, muitos pecuaristas acabaram abatendo-os antes do tempo. Com informações da repórter Priscila Chammas
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