Rei das mesas, o milho domina a culinária do São João baiano

Na Bahia dos negões, um loiro reina absoluto. Quando despem sua capa verde e deixam à mostra suas reentrâncias amarelas, ninguém resiste ao seu sabor campestre. Em junho, no momento em que ele entra em cena, até o tradicional acarajé vai para escanteio. Para uns, o amarelinho vira até viagra. Alimenta, inclusive, o apetite sexual. Sim, seus cabelos avermelhados até amargam na boca, mas dão charme sem igual. Rei do período junino, o milho encanta com seu sabor e vira popstar. Vestido em sua capa, talvez ele não tenha tanto charme nem evidencie o sabor que lhe é peculiar. Mas, quando cozido em água fervente e besuntado em uma dose sorrateira de manteiga em suas curvas... hummm... é covardia não comer cada grão de sua espiga. Enquanto o calendário não chega no mês de julho, o milho se multiplica com fartura em bolos, pamonhas, mingaus, licores e até brigadeiro. Na hora da venda, cabe até um certo duplo sentido para atrair os olhares do estômago. “Venha, freguês. Eu abro e mostro pra você que ele é durinho. Compre o milho na minha mão”, brinca a feirante Marcela Ferreira de Lima, que trabalha na feira de São Joaquim. Ela não abre mão do sorriso para acompanhar a venda e, com a experiência de 18 anos de feira de São Joaquim, dá a dica: “O milho é gostoso, mas não se vende sozinho”, conta Marcela, que aposta nele para ajudar a complementar a renda. Nas outras épocas do ano, o milho fica só na sua alimentação. “Na barraca vendo mesmo as coisas da Bahia, de dendê. Milho fica só no São João ou na minha barriga durante o ano. É bom para dar energia”, explica a feirante. Energético - O viagra de seu Zé não é azul, é amarelo. Isso mesmo. Para o feirante José Júlio Barbosa, o milho - que ele vende e come há 35 anos - sacia o apetite em todos os sentidos. Na simplicidade das palavras, ele resume: “Meu nobre, sustentei e fiz nove filhos com a energia que tiro do milho. E ainda ajudo a sustentar os netos. Como milho quase todo dia. É bom demais. Dá força para viver”, conta o feirante que trabalha todos os dias do ano vendendo milho trazido para Salvador de Sergipe. E a venda, principalmente no mês de junho, reforça o orçamento. Em pouco mais de cinco horas, ele consegue vender um caminhão cheio de espigas de milho. A energia dos grãos amarelos é explicada pela nutricionista Claudia Montal. “O milho é rico em fibras e tem grande quantidade de carboidrato, que se transforma em energia e dá vitalidade. Além disso, ele facilita todo processo digestivo ”, explica. Mas, tenha calma. Antes de correr para as banquetas de iguarias juninas. Montal explica que o milho só mantém essas propriedades quando está cozido em água, sem sal. “Quando são adicionados o leite de coco, a manteiga, ovos, as propriedades do milho diminuem. O consumo com o sal, por exemplo, deve ser ponderado pelos hipertensos”, justifica. Versatilidade - E o loiro peludo é versátil em demasia. De oferenda para orixás à comida de cinema - afinal, quem resiste a uma pipoca quentinha ao assistir a um filme? -, o milho aparece até no suplemento de ração para animais. "É também excelente para o sistema nervoso central e o cérebro, devido à quantidade significativa de ácido fólico. É também boa fonte de tiamina, responsável pela produção de energia celular e ajuda a diminuir riscos de Alzheimer", diz a nutróloga e consultora da Perini, Sandra Gordilho. Mas assim como todo astro, o milho não reina absoluto. Mesmo quem produz mais de mil pamonhas com o cereal só no mês de junho não inclui o milho entre os seus sabores preferidos. “Não sou fã do milho. Gosto mais de aipim e amendoim”, conta Daniela Lisboa, do restaurante Donana, na Ceasa do Rio Vermelho.