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O abandono de casarões antigos no Centro Histórico de Salvador não deixa em risco apenas quem passa perto dos imóveis em péssimo estado de conservação ou quem mora neles — seja proprietário ou invasor. Em muitos prédios, entre eles os que pertencem ao governo da Bahia, as ruínas se transformaram em espaços públicos para o consumo de crack. Sem fiscalização, usuários entram nos imóveis por buracos, como a abertura que chama a atenção de quem passa em frente ao casarão número 19 da Ladeira da Montanha. A estrutura, que é uma das 111 classificadas pela Defesa Civil de Salvador (Codesal) em 2009 como de altíssimo risco, tem habitantes que denunciam: mesmo abandonado, o local é um dos mais frequentados da rua. “Eles (os usuários de drogas) entram geralmente à noite para fumar pedra (crack). Ficam aí dentro e só saem quando já está amanhecendo. Já pedi à prefeitura para tapar o buraco e evitar que eles entrem, mas ninguém faz nada”, contou uma moradora da região que não quis se identificar. Ela disse ainda que, por não ter como pagar aluguel, invadiu um dos casarões da Ladeira da Montanha para morar. Com a segurança já prejudicada pela grande quantidade de usuários de crack, os imóveis em risco — 24 deles são de propriedade do estado - preservam estruturas deterioradas, que assustam moradores e as pessoas que costumam passar pelo local. “A gente passa por aqui com medo. Essas construções são velhas e a madeira já está toda podre. É visível que está ruim e enfraquece ainda mais com as chuvas. O perigo é constante”, disse a babá Cleonice Ribeiro, 38 anos, que utiliza a rua do Bispo como caminho para o trabalho. A ambulante Maria Nazaré Miranda, 67 anos, trabalha há oito meses na região e, sempre que chove, prefere interromper as vendas. “Quando começa a chover, eu fecho tudo e saio. As pessoas sempre me alertaram do perigo de um desses casarões desabar”.
Ajuda Chefe da Casa Civil municipal, o secretário João Leão disse ontem que visitou na quinta-feira diversos casarões condenados e que a prefeitura está fazendo novos levantamentos sobre os imóveis. Além disso, ele revelou que na próxima terça-feira o prefeito João Henrique se reunirá, em Brasília, com o governador Jaques Wagner e a presidente Dilma Rouseff para discutir a situação dos casarões abandonados. O perigo também é preservado nos casarões identificados pela Codesal como de alto risco, assim como a ausência de ações para solucionar o problema. Mesmo depois de dois anos da produção do relatório que condenou os imóveis, a prefeitura desconhece quem são os responsáveis por 29 casarões. A Secretaria da Fazenda do município fez ontem um levantamento dos proprietários das unidades, mas o documento não foi apresentado, já que o secretário não foi localizado por sua assessoria para autorizar a divulgação das informações. O tempo do relatório pode, ainda, ter mudado a situação cadastral dos imóveis. De acordo com o relatório, o casarão de número 51 da rua do Julião, no Comércio, não tem indicação do proprietário do imóvel, que na época ostentava “rachaduras e desprendimento de reboco da fachada, além de desenvolvimento de vegetação e infiltração na marquise”. Na manhã de ontem, o CORREIO encontrou o proprietário do casarão, onde funciona, no andar térreo, um depósito de queijos. Quatro funcionários trabalham no local. “O prédio é feio, descascado, mas não vejo nenhum risco de desabamento. O poder público tem pessoas que são negligentes. A Codesal não me procurou na época, só recebi depois a notificação. Eles nem entraram no imóvel”, contou o gerente da Ripem Importação e Exportação Motta Ltda, Paulo Motta, 53. Como avaliou que o prédio não corria riscos, o proprietário disse que não foram feitas obras de manutenção.
Danos “Aqui está desabando há 30 anos. É o abandono. Os órgãos competentes sabem da pobreza que existe aqui dentro e não fazem nada. A estrutura está toda rachada. Está para cair. Quando chove, eu fico tremendo de medo. Prefiro ficar do lado de fora ”, reclamou o presidente da Associação dos Borracheiros e líder comunitário, Onassis Brito, 49 anos, morador das ruínas do casarão de número 57 na rua do Julião. Acompanhado dos dois cachorros, Pigmeu e Pretinha, o líder vive em um dos cômodos do que resta do casarão. No local, outro problema: o acúmulo de lixo nos casarões 53 e 55, que desabaram há dois anos, além do local ser ponto de consumo de drogas. Conder é responsável por 18 imóveis A Companhia de Desenvolvimento Urbano da Bahia (Conder) assumiu ontem ser a responsável por 18 dos 24 casarões do estado que estão condenados desde 2009 pela Codesal. Quatro deles ficam na Ladeira da Misericórdia, três na rua do Bispo, oito na rua do Tijolo e mais três na Ladeira da Montanha. De acordo com a Conder, todos os casarões tiveram as fachadas escoradas e estão sendo recuperados para serem transformados em unidades habitacionais de programas populares de habitação do governo do estado. Mas, na rua do Tijolo, por exemplo, apenas uma placa avisa sobre a situação dos casarões em obras, deixando que as pessoas continuem correndo riscos quando passam perto dos imóveis. Além de escombros, pedestres também podem ser alvo de materiais de obra, já que não há proteção.