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Celebridades da internet caem no gosto das editoras de livros

Jovens que se destacam no meio virtual agora dominam a mídia mais tradicional de todas: os livros

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24/10/2015 às 19:32 • Atualizada em 27/08/2022 às 3:00 - há XX semanas
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Desde a Bíblia de Gutenberg, em 1455, que marcou o início da produção em massa de publicações impressas, até os dias atuais, os livros parecem percorrer uma parábola com o declínio cada vez mais possível. Os pessimistas já cantam o fim das páginas de papel com a evolução dos meios digitais. É bem verdade que o livro impresso ainda não foi substituído, mas o mercado editorial já sentiu a força da internet com números menores nos últimos dez anos. De 2014 para cá, porém, o cenário ganhou um novo fôlego com uma febre que surgiu de onde menos se esperava: da própria internet. Os editores passaram a prestar atenção nesse êxodo do universo online para o editorial desde julho do ano passado. Foi quando a blogueira e youtuber (pessoa que faz vídeos para canais no YouTube) mineira Isabela Freitas, 24 anos, chegou com o seu primeiro livro Não Se Apega, Não (Intrínseca/R$ 16,30/256 páginas) e alcançou o segundo lugar da lista de mais vendidos da revista Veja, na categoria autoajuda, antes mesmo do lançamento oficial. A partir daí, o topo dos rankings de vendas foi invadido. Em março, os youtubers paulistas Christian Figueiredo, 20, do canal Eu Fico Loko, e Rafael Moreira, 18, do canal homônimo, lançaram os livros Eu Fico Loko – As Desaventuras de um Adolescente Nada Convencional (Novo Conceito/R$ 17,91/160 páginas) e Diário de Um Adolescente Apaixonado (Novo Conceito/R$ 16,90/128 páginas), que em poucos meses alcançaram o primeiro e sétimo lugar, respectivamente, na categoria Não Ficção da lista da Veja. Febre “Meu primeiro livro vendeu 160 mil cópias. Muita gente lê e cria gosto, é uma porta de entrada”, afirma Christian, que já está em seu segundo título: Eu Fico Loko 2 - As Histórias que Tive Medo de Contar (Novo Conceito/R$ 19,30/160 páginas), publicado em agosto, e que já conta com mais de 60 mil exemplares vendidos. Ele se mantém no top 10 do mesmo ranking com o primeiro livro, que agora está em quinto lugar, e com o segundo, na terceira posição, de acordo com a última atualização da Veja, feita dia 21. Com a mesma velocidade, Isabela publicou o segundo livro, Não Se Iluda, Não (Intrínseca/R$ 29,90/256 páginas), em julho, já no segundo lugar da lista. “No lançamento de São Paulo, cheguei e vi umas 600 pessoas esperando por mim gritando histéricas, pensei: ‘Isso é pra mim? Achava que essas coisas só aconteciam com superstars’. As pessoas vibram por escritores e isso é uma das coisas mais fantásticas que já vi”, diz a mineira. A última representante a chacoalhar o mundo literário foi a youtuber curitibana Kéfera Buchmann, 22. Em junho, ela lançou Muito Mais Que Cinco Minutos (Paralela/R$ 19,90/36 páginas) e alçou ao topo. Há mais de seis semanas, está em primeiro na lista da Veja na categoria Não Ficção. Segurança Kéfera foi a sensação da 17ª edição da Bienal do Livro no Rio, realizada em setembro. Ela, que tinha sessão de autógrafos às 16h do dia 8 de setembro, teve que esperar até a segurança ser reforçada devido ao número de fãs no local. Christian também esteve no evento e precisou ganhar segunda data para sessão de autógrafos. No ranking da Publishnews, empresa de newsletter voltada para o mercado editorial, as celebridades virtuais se revezam no topo da categoria que inclui os mais vendidos de todos os gêneros. Nos últimos três meses, ocuparam o primeiro lugar: Não Se Iluda, Não, em agosto; Muito Mais Que Cinco Minutos, em setembro; e, até ontem, Kéfera encabeçava o ranking - seguida pelo segundo livro de Christian em quinto lugar, e o segundo de Isabela, em nona posição. “Esses caras são ídolos da juventude. Não me espanta que eles queiram escrever. É só outra maneira de se comunicar. A mídia pode ser nova pra muita gente, mas eles comunicam ideias. Então, não me surpreende o sucesso deles”, diz Bruno Porto, editor da Paralela, que descobriu Kéfera. De acordo com o Painel das Vendas de Livros no Brasil, publicado em 28 de setembro pelo Sindicato Nacional de Editores de Livros em parceria com o Instituto Nielsen, o único gênero com um faturamento positivo em 2015, comparado a 2014, foi o Não Ficção Trade, com uma variação de 14,6%. É nesse espaço onde se enquadram esses novos autores vindos da internet. “Não me surpreende que o mercado editorial se interesse pelos youtubers. O mercado quer público e a internet é hoje a mídia mais eficiente em criar sucesso de vendas”, pontua Laura Castro, mestre em Literatura pela Universidade de Brasília e professora adjunta da Universidade Federal do Sul da Bahia. Qualidade dos livros não gera consenso O mercado editorial descobriu o pote de ouro que já vinha alcançando grandes números na internet. Esses jovens, que falam em primeira pessoa sobre os mais variados temas, já arrastam milhões de seguidores. Christian, Isabela e Kéfera, por exemplo, somam mais de 9,8 milhões de seguidores. Para se ter noção, com esse número, daria para encher a Arena Fonte Nova em 190 jogos. “O fato de jovens estarem lendo é a prova de que a profecia de que a internet iria acabar com a leitura naufragou. Os mesmos jovens que acompanham esses autores no YouTube estão comprando seus livros”, afirma o editor Bruno Porto. Para a professora Laura Castro, o YouTube cria uma sensação de proximidade para os leitores: “O nível de exposição ajuda a criar uma falsa intimidade e um voyerismo que deve contribuir para o sucesso”. A estudante Ana Luiza Marchi, 12 anos, segue os escritores em seus canais. “Os que eu mais acompanho são o Christian Figueiredo, Kéfera e Rafael Moreira”, revela ela, que já leu livros dos três. “O conteúdo é bacana, pois eles contam tudo sobre a vida deles e o público acaba ficando ainda mais íntimo do youtuber”, conta. Já Julianna Silva de Mello, 21, não gostou muito da mudança de linguagem. “Eu acompanho o Eu Fico Loko, 5inco Minutos, Felipe Neto... Li o livro de Kéfera, mas foi uma enorme decepção. A linguagem se assemelha a da internet, mas o conteúdo é bem desanimador”, avalia. A reprodução dos vídeos criados por seus autores é um fator comum em todas as obras. “A literatura adolescente de hoje é ultra rápida, é o nosso jeito de escrever e é assim também nos livros. Por isso, os jovens se identificam”, diz Christian, vencedor do Meus Prêmios Nick na categoria Webstar. O editor Bruno Porto concorda: “A gente vê meninas que dizem serem estes os primeiros livros que estão lendo, que não tinham hábito de ler e que as mães estão felizes”. Laura Castro discorda que é uma porta de entrada para a literatura: “Tenho minhas dúvidas se isso ajuda o jovem a se reaproximar da literatura. Acho que ajuda a se aproximar da leitura, o que é diferente. Mas sempre vejo com bons olhos esses movimentos”. Entrevista com Christian Figueiredo Que você acha do sucesso dos youtubers no mercado editorial? Eu me sinto feliz em poder trazer pessoas que nem liam uma leitura fácil, dinâmica. Muita gente lê duas, três horas e cria gosto, quer ler mais um. É como uma porta entrada. Você já tinha milhões de seguidores antes de lançar seus dois livros. Mas, a nova mídia ajudou a te projetar? Ajudou, sim. Aumentou o número de pessoas mais velhas que me seguem. O público mais jovem é muito orgânico no canal, mas o público mais velho me conhece pelo livro, porque comprou o livro para a filha e quis ler antes e vai me ver no YouTube. E o livro acarretou participações em programas de TV, que tem um alcance ainda maior para outros públicos, que é mais heterogêneo. E com isso, mais pessoas, de outros perfis de público, passaram a me conhecer. E por ser um livro, uma mídia tradicional, ela acaba trazendo a atenção de outras mídias mais tradicionais. Ter milhões de views para a mídia tradicional não quer dizer muito, mas se a pessoa vende 10 mil livros, já chama atenção, já é best-seller... Acha que o livro colaborou para você conquistar mais seguidores na internet? Existem fãs que fizeram o caminho inverso? Sim. Não sei te dizer em números, não é a maioria, com certeza. Mas uma amiga de um amigo meu, que é psicóloga, comprou o livro porque estava procurando títulos adolescentes e começou a me acompanhar no YouTube a partir disso. Essa é uma história que conheço, mas imagino que existam mais. Outro fator que chama atenção na sua carreira literária é a velocidade com que lançou o segundo livro, em menos de um ano. Porque decidiu fazer dois livros em tão pouco tempo? O primeiro livro aconteceu muito mais como uma realização de um sonho. Com o segundo, a editora me chamou e falou que queria lançar aquelas histórias que seguramos, a que tive medo de colar porque a intenção no primeiro era atingir um público até mais novo. O segundo livro ainda tem o foco no público de 13 aos 18 anos, mas traz histórias mais “pesadas”, do adolescente já descoberto, do Christian de 21 anos olhando para esse adolescente. Assim como o número de seguidores que você tem, existem milhões de outros youtubers. Você acha que ter lançado um livro te destaca nesse mar de vídeos? Sim, com certeza. Se eu ficasse só no meio digital demoraria mais para chegar à mídia tradicional, como a TV, por exemplo. Me destaca entre os outros, me tira do montante que faz a mesma coisa. Os textos dos livros feito por youtubers, como os seus dois exemplares, em maioria, reproduzem uma linguagem muito próxima dos vídeos já postados na internet. Você acha que isso empobrece o conteúdo do livro ou é um reflexo da linguagem da nova geração? Eu acho que se você lê alguma coisa de alguém que você gosta, já é ponto positivo. E quando o cara te acompanha no digital, ele vai querer ler o livro para continuar te acompanhando, ele gosta dessa leitura. E a leitura do adolescente de hoje é ultra rápida, porque escreve rápido, abrevia tudo, é o nosso jeito de escrever. E acho que os jovens se identificam com isso. Em ano de crise, e com o mercado editorial também sofrendo com isso, como você vê a contribuição desse fenômeno dos youtubers escritores, do qual você faz parte, para movimentar o cenário? Eu fico feliz em fazer parte disso, em contribuir. Um molequinho que adorava escrever e dez anos depois participa do renascer da literatura é uma realização para mim. E estou feliz com as vendas também. Meu primeiro livro vendeu 160 mil cópias e o segundo, só no primeiro mês já vendeu 60 mil. E acredito que vamos passar o primeiro com a divulgação maior que estamos fazendo. Entrevista com Bruno Porto Para avaliar o sucesso desses novos autores vindos da internet como Kéfera Buchmann, Christian Figueiredo e Isabela Freitas, conversamos com o editor Bruno Porto, 39 anos, responsável por descobrir Kéfera e introduzi-la no mundo da literatura. Em Muito Mais Que Cinco Minutos, da editora Paralela, selo da Companhia das Letras, a youtuber, inspirada em sua própria história, aborda temas como relacionamentos, bullying e moda. Só na Bienal do Rio de Janeiro, realizada em setembro deste ano, Kéfera Buchmann reuniu dois mil jovens e vendeu mais de 70 mil exemplares, ganhando o título de livro mais vendido do evento. Na entrevista, Bruno Porto conta como descobriu a youtuber, fala do processo de criação do livro, manda sua opinião sobre esses jovens fenômenos e ainda entrega que Kéfera já trabalha num segundo livro. Como você descobriu a Kéfera? Tem um evento anual em São Paulo onde se reúne essa galera de internet. No ano passado, fui lá visitar e me deparei com a Kéfera fazendo uma brincadeira ao vivo e cerca de 500 meninas gritando e interagindo muito com ela. Pesquisei e fiquei impressionado com os números dela. Atualmente, ela tem mais de 6 milhões de assinantes no YouTube, mas na época já era um número impressionante, na casa dos 3 milhões. Fiz a proposta para ela escrever um livro. Já havia percebido que nos Estados Unidos e na Inglaterra, desde o ano passado, os youtubers estavam escrevendo livros e dando certo. Como esse livro foi pensado? Ela de cara ficou assustada e disse “sou muito nova”, pois ela tinha 21 anos na época. Expliquei para ela que não era uma biografia, que ela podia fazer um recorte da vida até aquele momento. O mais interessante é que ela não quis um jornalista ou editor para escrever. Ela mesma quis escrever. Eu a ajudei na edição, trabalhei o texto, mas a voz dela, sempre muita autêntica e espontânea, está no livro. Não teve dificuldade para achar a voz narrativa dela. Como você vê esse fenômeno de youtubers que se tornaram autores de best-sellers? Eu acho que é uma tendência que se consolidou lá fora. Esses caras são ídolos da juventude. Não me espanta que eles queiram escrever. É apenas outra maneira de se comunicar. A mídia pode ser nova pra muita gente, mas eles comunicam ideias, sentimentos, então não me surpreende o sucesso deles. Agora se é uma tendência, se vai ficar ou se terá retração, eu não sei, mas essas pessoas vão estar aí sempre. Kéfera, Christian Figueiredo são dois exemplos que tomaram conta da última Bienal? Como você acha que os outros autores enxergam esse novo filão? Eu acho que tem má vontade por parte de algumas pessoas. Mas, eu afasto qualquer sentimento negativo. O fato de jovens estarem lendo é provar que a profecia de que a internet iria acabar com a leitura naufragou. Os mesmos jovens que acompanham eles no YouTube estão comprando livros. Outra coisa legal que a gente vê é que muitas meninas dizem ser o primeiro livro que estão lendo, que não tinham hábito de ler e que as mães estão felizes. É uma boa notícia estar se criando um gosto pela leitura. Sobre o conteúdo dos livros, você acha que é uma leitura rasa ou que é uma nova linguagem dessa nova geração que nasceu conectada? Eu acho que uma coisa não descarta a outra. Não quer dizer que quem lê Kéfera não lerá os clássicos. Acho que vai ter gente que vai ler as duas coisas por isso não acredito em nova linguagem. Fatalmente, você achará livro mais coloquial se for buscar lá atrás na história. Talvez, no Brasil não seja tão comum, mas nos Estados Unidos tem estrelas da música escrevendo há anos. Eles também não são novidades. A Kéfera está lá no YouTube há muito tempo. Ela é uma novidade talvez para a gente, mas esses caras já existiam e tem influência grande sobre muita gente. Você acha que esse fenômeno é duradouro ou é como os livros de colorir que tiveram um boom e depois deram uma caída? O livro da Kéfera saiu há um mês e já vendeu mais de 100 mil exemplares. Christian vendeu muito também. O que dá para ver é que tem uma explosão inicial muito forte. O dela, por exemplo, foram 14 mil cópias vendidas em apenas um dia. Não sei se a tendência é continuar ou seguir. Lá fora já dura mais de um ano. Aqui, ainda cedo para dizer, mas eles não vão desaparecer. Esse pessoal da internet não vai deixar de ser protagonista daqui para frente.
Correio24horas

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