O relatório da Comissão Judiciária de Articulação dos Juizados Especiais isentou de culpa a juíza leiga e os policiais que algemaram a advogada negra Valéria dos Santos no 3º Juizado Especial Cível de Duque de Caxias, após uma discussão entre a advogada e a juíza leiga. O documento, assinado pelo desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto, contém depoimentos de testemunhas que afirmam que a advogada teria se recusado a apresentar documentos que a identificassem como advogada e, "extremamente alterada e agressiva", teria se jogado ao chão para não ser retirada da sala de audiências.
Joaquim Domingos de Almeida Neto, que é presidente da Comissão Judiciária de articulação dos Juizados Especiais (Cojes), afirmou que, assim que as imagens viralizaram, o Tribunal fez questão de apurar com rapidez os fatos.
- Como só contávamos com trechos de imagens gravadas, fomos ouvir testemunhas, para tentar reconstituir através de depoimentos o que ocorreu na sala. E o que apuramos foi que a conduta dos policiais e da juíza leiga foi correta - disse.
Segundo o desembargador, a maior preocupação da comissão era esclarecer se a advogada havia sido agredida e as circunstâncias em que ela foi algemada:
- Quando você vê um trecho de um vídeo, sem o conteúdo integral, ele pode ser interpretado de forma errada. Todos os depoimentos que ouvimos dizem que ela se jogou no chão e que os policiais a algemaram para fazer uma contenção porque ela poderia até se ferir - conta.
O desembargador afirmou que o fato dos trechos dos vídeos terem viralizado levou o TJ a determinar a instalação de câmeras em todas as salas de audiência dos juizados especiais do estado. A instalação de câmeras em salas de juizados especiais começou na semana passada, pelo Juizado de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
- Vai funcionar até como medida preventiva, porque no momento em que você sabe que está sendo filmado, você tem mais cautela na sala de audiências. Tanto as partes, como os advogados. E é uma medida que os juízes querem levar para a Justiça comum também - disse o desembargador.
'VERSÃO EM COLISÃO'
"A versão da advogada Valéria Lucia dos Santos de que 'levou uma rasteira, uma banda, suas mãos colocadas para trás e algemada' está em colisão com todo o restante da prova que afirma que ela se jogou no chão e se debatia quando veio a ser momentaneamente algemada", diz trecho do documento. Procurada, a advogada não quis comentar o teor do documento.
De acordo com o documento, a confusão teria se iniciado quando Valéria teria se retirado da sala de audiências sem autorização da juíza leiga. No intervalo entre a saída da advogada e seu retorno, a juíza leiga encerrou a audiência - o documento de encerramento já contava com assinatura da outra parte no processo.
"Valéria Lucia dos Santos deixou a sala de audiência e ao retornar passou a exigir, em tom alterado, ver a contestação. Ora, se a audiência já estava encerrada - certo ou errado - era descabida a exigência de ter acesso à contestação naquele momento", escreveu o desembargador.
As testemunhas ouvidas pelo desembargador afirmam que não viram a juíza leiga dar voz de prisão à advogada. O desembargador também descartou qualquer conotação racista na pergunta feita a Valéria, pela juíza leiga, se seria irmã de sua cliente. A pergunta teria sido feita pelo fato de que a advogada não era conhecida na comarca e não se identificou, e também para fazer uma "ligação de empatia com outra pessoa, para que se comunique com menos resistência. É da regra de boa conciliação criar ambiente menos formal para propiciar o acordo. Somente os tempos de chumbo que vivemos autorizaria desvendar caráter racista na pergunta formulada."
A acusação de racismo, segundo testemunhas, teria sido levantada pela advogada. "Em momento algum teve ato de racismo; que a advogada Valéria falava 'isso aqui é Brasil. Aqui negro sai preso ou morto."
DISCUSSÃO REGISTRADA EM VÍDEO
A discussão entre as duas foi registrada num vídeo. Essas imagens mostrando a juíza leiga afirmando que queria acabar a audiência, mas Valéria afirmou que ainda não tinha terminado o trabalho dela e feito as contestações do caso.
“Não, não encerrou nada. Não encerrou nada”, afirmou Valéria.
A juíza, então, pediu que ela se retirasse da sala. A advogada afirmou que não sairia antes da chegada do delegado da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), responsável por atuar em casos de suspeita de desrespeito ao trabalho dos advogados.
“Quem diz isso sou eu”, afirmou a juíza leiga.
“Tá bom, tudo bem. Espera o delegado chegar. Você está com pressa? Você vai esperar aqui”, destacou Valéria, referindo-se à cliente.
“Tá liberada”, disse a juíza em seguida.
“Não, a gente vai esperar aqui o delegado da OAB”, insistiu Valéria.
Em outro vídeo, Valéria aparece discutindo com a juíza e um PM.
“Eu estou calma! Eu estou calmíssima! Agora, eu estou indignada de vocês, vocês - e essa senhora também - como representantes do Estado, 'atropelar' a lei. Eu tenho direito de ler a contestação e impugnar os pontos da contestação do réu. Isso está na lei”, protestou Valéria dos Santos.
E o policial responde: “A única coisa que eu vou confirmar aqui é se a senhora vai ter que sair ou não. Se a senhora tiver que sair, a senhora vai sair!”
“Não, eu tenho que esperar o delegado da OAB. Quero fazer cumprir o meu direito”, retruca a advogada.
“A senhora vai sair quando a gente... Quando eu concluir aqui, a senhora vai sair”, afirmou o policial.
Num terceiro vídeo, Valéria aparece algemada no chão dizendo:
“Eu estou trabalhando! Eu quero trabalhar! Eu tenho direito de trabalhar! É meu direito como mulher, como negra, é trabalhar! Eu quero trabalhar!”, afirmou Valéria.
Ainda com as algemas, a advogada foi levada para o corredor. Ela chegou a ser levada para a delegacia de Duque de Caxias e só foi libertada quando o delegado da OAB mandou retirar as algemas.
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Redação iBahia
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