No quarto dia de protestos com graves transtornos à população e que deixaram o país refém dos caminhoneiros, o governo anunciou um acordo no qual fez concessões aos pedidos da categoria em troca de uma trégua de apenas 15 dias. Mesmo assim, nem todos os representantes do movimento assinaram o documento. A principal porta-voz dos grevistas nos últimos dias, a Associação Brasileira de Caminhoneiros (Abcam), não concordou com os termos propostos. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, minimizou a falta de consenso e disse que o governo se reunirá novamente com os representantes da categoria dentro de 15 dias. Ao longo do dia, houve sinais de caos, com desabastecimento, disparada de preços de produtos, falta de combustível em aeroportos e escassez de remédios em várias cidades do país.
- Nós hoje cedemos em tudo que foi solicitado - resumiu Padilha, que estimou a normalização do abastecimento no país até o fim da semana.
O acordo, fechado após reunião que se estendeu até a noite desta quinta-feira entre governo e caminhoneiros, prevê que a alíquota da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre o diesel este ano seja zerada. A principal mudança, porém, é que a redução de 10% nos preços do diesel, anunciada na quarta-feira pela Petrobras, será mantida por 30 dias.
Subsídio ao diesel custará até R$ 4,9 bi
Na prática, a Petrobras arca com a queda de preço nos primeiros 15 dias, o que tem um impacto de R$ 350 milhões em receita para a companhia. Nos 15 dias restantes, a despesa será da União, que vai ressarcir a estatal ao fim deste período. O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, reiterou que a política de preços da Petrobras, que prevê repasses das flutuações nas cotações do dólar e do petróleo para o preço dos produtos, está mantida. A solução busca evitar mais danos à empresa, que viu seu valor na Bolsa despencar após reduzir preços na quarta-feira, com os temores de ingerência política.
O governo vai criar um programa de subsídio ao preço do diesel. Após os primeiros 30 dias, a cada mês será feito um acerto de contas entre União e a estatal. Para a Petrobras, será levado em conta no ajuste o valor do produto na refinaria. O montante a ser pago será definido de acordo com a evolução do petróleo e do dólar. Segundo o ministro da Fazenda, do ponto de vista fiscal, o acerto de contas vai requerer crédito extraordinário no Orçamento, com um custo estimado em R$ 4,9 bilhões até o fim do ano.
— Ao fim do mês, vamos apurar o preço final, qual foi o preço apurado pela Petrobras e qual é o ressarcimento. Estamos mitigando o impacto ao consumidor final. A cada mês temos que fazer a conta. Quanto vai custar? Depende do preço do petróleo, da taxa de câmbio, do preço que será praticado. Sabemos que nos próximos dias o preço de referência será de R$ 2,10. No fim do mês, teremos que fazer a conta — disse Guardia, acrescentando que o objetivo da medida não é congelar o valor do diesel na bomba, mas dar previsibilidade. — Não estamos dizendo que não haverá aumento de preço do diesel. Só nos primeiros 30 dias não haverá.
Em nota, a Petrobras afirmou que considera o acordo altamente positivo. “Do ponto de vista da empresa, o ressarcimento proposto pela União preserva integralmente a política de preços da companhia, ao mesmo tempo em que viabiliza maior previsibilidade para os consumidores”, disse a estatal.
— Para a Petrobras, o acordo é positivo. Mas para o governo vai complicar a parte fiscal. Não ficou claro de onde sai esse dinheiro — avaliou Raphael Figueredo, analista da Eleven Financial Research.
A reunião foi tensa, segundo fontes envolvidas nas negociações. Apesar do acordo, o presidente da Abcam, José da Fonseca Lopes, saiu antes do fim, reiterando que os mais de 600 mil caminhoneiros representados pela entidade não vão deixar as rodovias enquanto o projeto de lei que reduz o PIS/Cofins sobre o diesel não for sancionado. Ele foi duramente criticado por Padilha, que disse que ele “abandonou seus companheiros”. Após o anúncio do acordo, Lopes não voltou a comentar o assunto.
O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, disse que há indícios de locaute, ou seja, de greve de empresários, e que eles serão investigados.
Um dos signatários do acordo, o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Autônomos (CNTA), Diumar Bueno, afirmou acreditar que a categoria começará a se desmobilizar na manhã desta sexta. Segundo ele, o resultado da negociação ainda será apresentado aos caminhoneiros.
— Os caminhoneiros vão poder retornar para suas casas, encontrar suas famílias. Vamos apresentar à categoria o presente termo, para a suspensão do movimento por 15 dias, quando será realizada uma nova reunião do governo federal — disse Bueno, que evitou falar em quanto tempo os caminhões deixarão de bloquear as estradas.
Outra demanda dos caminhoneiros contemplada no acordo é a reedição da tabela de referência do frete do serviço de transporte remunerado de cargas por terceiros. Ela será atualizada a cada trimestre pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Além disso, o governo vai dialogar com os estados para implementar o fim da cobrança de pedágio sobre o eixo suspenso em caminhões vazios. Se o diálogo não for bem-sucedido, a União adotará medidas judiciais para garantir a isenção da tarifa.
O setor de transportes ficará de fora da lista de segmentos que passarão a pagar mais imposto sobre a folha ainda este ano, a chamada reoneração. Além disso, o governo vai pedir para extinguir ações judiciais contra o movimento. Serão feitas reuniões periódicas com as organizações para acompanhar os termos do acordo, com prazo definido de 15 dias.
Um movimento que começou com um protesto contra a alta do diesel e contra a variação no preço do produto por causa da política da Petrobras passou a exigir reduções de impostos, suspensão de cobrança de pedágio sobre o terceiro eixo e até a aprovação de uma lei que faz mudanças no frete. O quadro de fragilidade do Palácio do Planalto foi tão grande que os caminhoneiros chegaram a dizer que só suspenderiam o movimento caso a redução de tributos fosse publicada no Diário Oficial.
Em Belo Horizonte, o presidente Michel Temer indicou que ainda está disposto a mexer em outros tributos, como o ICMS, de âmbito estadual:
— Queremos que amanhã (hoje) possamos retirar uma parcela do ICMS porque isso reduz o tributo (que incide sobre o preço do combustível) — em referência à reunião do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária)
Senado adia votação do PIS/COFINS
Enfraquecido politicamente, o governo criou um grupo no WhatsApp para manter as autoridades informadas sobre a situação nos aeroportos, rodovias, portos, em todos setores onde poderia haver um estrangulamento no abastecimento. O diagnóstico foi que o quadro era preocupante, “com tudo funcionando no limite”, nas palavras de um interlocutor.
Mesmo assim, alguns parlamentares demoraram a mostrar sensibilidade. Enquanto a Câmara conseguiu se articular na véspera para aprovar às pressas o projeto de lei que reonera a folha de pagamento das empresas, onde foi incluída a redução a zero da alíquota do PIS/Cofins para o diesel, o Senado se desmobilizou. O presidente da Casa, Eunício Oliveira (MDB-CE), simplesmente deixou Brasília na quinta-feira e foi para seu estado, o Ceará. Foi duramente criticado e teve de voltar à capital às pressas, onde convocou uma reunião extraordinária de líderes para debater a crise.
Após o anúncio do acordo, a apreciação do tema, prevista para hoje, foi adiada.
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Redação iBahia
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