A professora do curso de turismo da Universidade de São Paulo (USP) Célia Maria de Moraes Dias, de 65 anos, estava dançando quando começou a sentir dores no peito. Era novembro de 2014. Naquele momento, ela ainda não sabia, mas estava sofrendo um infarto.
“No dia em que sofri o infarto, estava dançando em um curso de pós-graduação em uma tese sobre a dança circular como elemento alternativo de cura. Dancei duas músicas e estava infartando. Senti dor no peito, mas não sabia. Nunca tinha tido nada", disse. "Não tinha histórico [de infarto na família], não tenho colesterol alto, faço atividade física, não tenho diabetes”, acrescentou.
Célia demorou a perceber o que ocorria. Apesar da forte dor, que ela compara à “sensação de uma bola de ferro no peito”, ela não procurou um médico imediatamente. Decidiu ir para casa. “Quando me deitei, aquela bola de ferro dissolveu. E aí eu não podia respirar. Liguei para minha irmã, que é enfermeira, e ela perguntou o que eu estava sentindo. Disse que sentia enjoo e dor no peito, e ela então me disse que eu estava infartando e que deveria correr ao hospital”, completou Célia. Veja também: "Me assustei, tive medo", diz Solange Couto sobre infarto
A professora então procurou atendimento na emergência do Hospital das Clínicas, na zona oeste da capital paulista. Um primeiro eletrocardiograma feito no local não constatou alteração alguma, mas o médico que a atendeu fez novos exames, identificou que ela estava mesmo sofrendo um infarto e a encaminhou imediatamente ao Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi lá que Célia aceitou ser voluntária para uma pesquisa que está sendo desenvolvida por médicos do Incor e que pode inovar a forma de tratar o infarto agudo do miocárdio.
Pesquisa
Desde 2014, uma equipe de pesquisadores do Incor, liderada pelo médico Wilson Mathias Júnior, diretor do Serviço de Ecocardiografia do instituto, estuda a aplicação de um método de diagnóstico já consagrado, o ultrassom com microbolhas, para tratamento do infarto do miocárdio em fase aguda, em até 12 horas após o início da dor. Ou seja, o ultrassom com microbolhas que antes era usado apenas para diagnóstico, agora passa a ser uma etapa do tratamento para o infarto do miocárdio.
“As microbolhas foram inventadas, há mais de dez anos, pensando-se em melhorar o diagnóstico médico por ultrassom. Posteriormente, descobriu-se que, quando você intensifica uma região que contém microbolhas, elas vibram e, por vezes, elas explodem. É uma microexplosão, mas quando ela se rompe, forma um pequeno jato – como se você furasse uma bola de futebol e saísse um pequeno jato de ar – e esse microjato tem efeitos biológicos. Um desses efeitos é que, se ele está dentro de um trombo [coágulo], é como se fosse uma microdinamite que vai explodir, e cada bolhinha que explode lá dentro vai abrindo uma cavidade no trombro e vai causando a trombólise por ultrassom”, explicou o médico.
O estudo, foi feito com 42 pacientes do Incor até o momento, constatou que os pacientes submetidos ao tratamento com o ultrassom de microbolhas tiveram índices maiores de abertura da artéria obstruída e de recuperação do miocárdio em processo de infarto, quando comparados aos pacientes que não passaram pela técnica.
Atualmente, o tratamento aplicado para esse tipo de caso é a angioplastia primária: "Desobstrução mecânica da artéria coronária por um catéter nas primeiras seis horas ou até 12 horas do início da dor no peito”, ecplica o médico. No entanto, a angioplastia primária só é feita em poucos hospitais brasileiros, onde há estrutura para isso. Na maioria dos hospitais do país, portanto, o tratamento para o infarto agudo do miocárdio consiste na introdução de substâncias que dissolvem o coágulo, chamadas fibrinolíticos. Esses medicamentos têm uma eficácia, segundo o médico, em torno de 60% e provocam riscos de hemorragias. “Mas no balanço entre risco e benefício, como o dano do infarto é muito grande, o risco acaba compensando”, explicou.
Ultrassom com microbolhas
O ultrassom com microbolhas consiste em um gás perfluorocarbono que é encapsulado por camada de lipídios. O procedimento não é tóxico e é um método fácil de ser aplicado por profissionais de saúde. As bolhas, que circulam no sangue por cerca de 20 minutos, têm cerca de dois micra de diâmetro, três vezes menor que uma célula vermelha (hemácia), que tem cerca de seis micra de diâmetro.
A nova técnica é aplicada no paciente entre a chegada dele ao Incor e o transporte dele ao laboratório de cateterismo. “Se existe uma sala disponível, esse infartado sobe imediatamente. Se não existe, esse infartado fica sendo monitorado no pronto-socorro aguardando a liberação da sala. E é nessa janela, que varia de cinco a trinta minutos, que trabalhamos e efetuamos a primeira parte da terapia, cujo objetivo é romper os coágulos que estão nas coronárias e romper outros coágulos que vão migrando para a parte de baixo da microcirculação e vão entupindo os pequenos vasos. As bolhinhas vão até o capilar, rompendo os trombos mesmo em vasos pequenos”, explicou o médico.
A técnica não substitui a angioplastia primária, mas ajuda “a interromper o processo de necrose do coração”. “Ainda é preciso fazer a angioplastia, mas você abre a artéria coronária para o paciente, que é o que faz a diferença”, acrescentou.
A ideia dos pesquisadores é que no prazo de sete anos essa nova técnica possa ser usada mundialmente como tratamento para o infarto agudo do miocárdio, estando disponível para aplicação em ambulâncias, por exemplo, enquanto o paciente é encaminhado ao hospital. Até lá, a pesquisa ainda será ampliada e desenvolvida com 100 pacientes do Incor, até ser levada e testada em outros países.
O infarto
Segundo Mathias Júnior, aproximadamente 30 pessoas em cada grupo de cem em todo o mundo morrem por um problema cardiovascular. “Dessa população que falece por um problema cardiovascular, em quase metade, a causa é a doença arterial coronária, doença causada pela deposição de placas de gordura nas artérias coronárias, que são as artérias que irrigam o músculo cardíaco. Essas placas de gordura, em algum momento, sofrem um processo em que elas se rompem pelo estresse do fluxo de sangue e essa gordura e o material interno da placa são expostas para o sangue”, explica o médico. “Ali se forma um coágulo e esse coágulo vem a entupir. A partir daí, toda a musculatura que é irrigada por essa artéria coronária morre e o coração, que é uma bomba, dependendo da extensão da morte do músculo, tem um grau de disfunção cardíaca que o indivíduo pode vir a ter.”
“A partir de 20 minutos [do início da] dor no peito, começa a ocorrer necrose, começa a ocorrer verdadeiramente o infarto e, a partir daí, quanto mais tempo vai se passando, mais músculo vai se perdendo”, explicou o médico.
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Redação iBahia
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