Uma reportagem especial do site Terra publicada nesta quarta-feira (17) contou a história do detento João*, de 17 anos, interno da Fundação Casa pela terceira vez, e que foi anunciado como um dos cinco premiados de 2014 da Olimpíada Nacional de Língua Portuguesa na categoria Poema. "O conhecimento é a única coisa que ninguém pode tirar de você. Quando você adquire, percebe que é como ouro", disse o garoto em entrevista ao portal sobre o prêmio. É a primeira vez que um adolescente da Fundação Casa é classificado neste concurso.
O adolescente conheceu a Fundação aos 13 anos quando um amigo pediu para que ele o ajudasse com um serviço. Depois descobriu que iria entregar uma encomenda de drogas. Entregou a encomenda, recebeu dinheiro e foi embora. Até que ele deu de cara com a viatura e registrou sua primeira internação. Segundo a reportagem, provavelmente, no início do próximo ano ele será solto novamente.
A ideia de participar da olimpíada veio da professora Maria da Penha Silva, que leciona na instituição há 12 anos, e sugeriu que todos escreverem textos com o tema "O Lugar Onde Vivo". Para fazer o poema, João levou apenas 20 minutos intitulado Vida em Transição. "Gosto muito de música, ouço vários estilos diferentes. Gosto de Racionais MCs, Facção Central. Escrevo letras de rap e funk há alguns anos. E gosto de ler. Aqui na biblioteca da fundação fazemos troca de livros às sextas-feiras. Esses dias li um de poesias do Fernando Pessoa", contou.
Selecionado, ele recebeu uma autorização para viajar para Belo Horizonte, em Minas Gerais, com a professora para participar da semifinal. Desconfiado, achou que poderia sofrer preconceito por conta da sua história. "Não era todo mundo que sabia de onde eu vinha, mas quem sabia não me discriminou. Muitas pessoas até me abraçaram, me elogiaram. Fiquei emocionado. Mas é complicado. Tinha um ‘indiozinho’ participando também e eu vi pessoas rindo e fazendo piadas sobre ele. Então não aconteceu comigo, mas aconteceu com outro", disse.Só em 2014, 53.706 textos de estudantes de escolas públicas do Brasil foram selecionados para compettir nas quatro categorias da olimpíada. Ao anunciar o resultado, João, que é evangélico, reservou alguns minutos para agradecer a Deus. Em seguida, ele fez planos para o futuro. "Viajei de avião pela primeira vez, fiz algumas oficinas muito gostosas, fui anunciado como finalista. Tudo foi novo para mim. Pessoas que eu nunca tinha visto estavam me aplaudindo e falando que eu merecia aquela vitória. Lá eu vi que posso mais. Isso despertou uma vontade de me aprofundar nos estudos e de fazer faculdade. Mudou até minha maneira de lidar com minha família. Sou outra pessoa desde que voltei. E acho que fui o primeiro de muitos meninos daqui a conseguir isso", disse em entrevista.
Veja poema na íntegra:
Vida em Transição
Viver na Fundação não é bom
Bom é ser livre em toda situação
Mas tenho minha opinião
Sobre esse período de transição
Que muitos dizem ser prisão.
Nesse lugar, maldade...
Que ao mesmo tempo é saudade
Por estar privado de liberdade
Mas tem um lado positivo
Nessa realidade
Estou me reabilitando para a sociedade.
Acordo e vejo grades
Meu peito dói de verdade
Só quem passou
Por isso sabe
De todas as realidades
E crueldades...
A maior necessidade
É a Liberdade!
Aqui lições de vida transmitem
Muitas coisas boas
Reconhecimento como pessoa
Que errar é humano
Mas aprender é a melhor coisa.
Atrás desses momentos tem algo impressionante
Hoje me tornei um estudante
Descobri que sou inteligente
Produzi este poema e me sinto importante.
*João é um nome fictício usado para preservar a identidade do jovem
"Acho que fui o primeiro de muitos meninos daqui a conseguir isso", disse em entrevista ao Terra |
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