Redação CinemáticosQuando pensamos na saga Rocky, além do personagem eternizado por Stallone, o segundo nome a imaginarmos dificilmente não é Adrian (sua esposa) ou o nêmesis dos dois primeiros filmes: Apollo Creed. E o diretor Ryan Coogler conseguiu criar uma história verossímil para apresentar uma extensão no drama de boxe criada nos anos 70: o rebento de Apollo, o doutrinador. Creed conta a história de Adonis “Donnie” Johnson, filho fora do casamento de Apollo e cujo gênio difícil o faz entrar em brigas o tempo todo, fazendo-o viver em centros correcionais durante a infância, até ser adotado pela esposa do lutador morto em Rocky IV (1985). Seguindo os passos do pai, mas sem ter aonde treinar em Los Angeles por participar de lutas ilegais no México, Donnie parte para Filadélfia, onde procura convencer Rocky Balboa (Stallone no papel da sua vida) a treiná-lo.
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Diferente de Star Wars: O Despertar da Força, Coogler optou um saudar a mitologia com uma história que, sim, traz a superação vista nos filmes precursores, mas o foco principal é a busca pelo protagonista de sua identidade; Adonis sente-se desconfortável por herdar o sobrenome de um homem que não conheceu, e pior, carrega o peso da carreira do pai nos ombros, o que lhe impede de escrever a sua própria história. Tais motivações são bem interpretadas por Michael B. Jordan, que transmitiu certas características como a arrogância do personagem interpretado por Carl Weathers, fora o bigode usado durante o filme.O roteiro segue uma base mais ou menos pronta que lembra o Rocky de 1976, mas acrescentando generosas pitadas de novidade e referências aos demais filmes de forma mais orgânica e crível que O Despertar da Força, citado anteriormente. A produção também consegue se desgrudar dos seus irmãos mais velhos, utilizando algumas cenas de filmes anteriores para reforçar certos argumentos, além de dar o veredito da luta ocorrida entre Balboa e Creed no fim do terceiro, espaço negativo que não farei a maldade de desvendar. O roteiro ganha mais pontos ao tecer um discurso sobre identidade aliado a um protagonista negro, uma vez que a apropriação cultural é um tema atualmente discutido nos EUA, o reflexo de uma era.
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É bonito acompanhar a direção de arte e a fotografia em uníssono: o primeiro ato trabalha com tons escuros, que rememoram os tons sombrios do primeiro Rocky. Conforme o filme vai avançando, mais cores adentram a produção, como o azul que permeia durante os períodos de tristeza e reflexão (o fundo da cela em que Adônis está preso e a porta da academia são alguns exemplos) e o vermelho que aparece com mais intensidade no terceiro ato. Belo trabalho de Danny Brown e Jesse Rosenthal – este trabalhou no Rocky Balboa (2006). E a presença da tríade branco-azul-vermelho amarram a entrada do terceiro ato: a entrega do short de luta de Apollo para Donnie e que leva as três cores.Concomitante ao estudo cromático, a fotografia de Maryse Alberti – presente em O Lutador (2008) – auxilia não só nas rimas com os filmes anteriores – a cena em que Rocky está sentado ao lado de Adrian no hospital é repetida – mas nas novas, como na ininterrupta luta entre Adonis e Sporino que nos coloca dentro do ringue; cena cheia de tensão com um excelente uso da trilha, executada de modo quase imperceptível até sermos surpreendidos por ela no seu clímax. Coogler também entende a necessidade de uma verve mais pop ao apresentar possíveis adversários de Donnie com uma ficha técnica ao lado, como em um jogo de videogame. Momentos célebres como a corrida pelas ruas de Philly ganharam uma nova roupagem, assim como a músi
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A trilha, mais comercial desta vez, é responsável pela contemporaneidade e por algumas quebras de expectativas no uso do já hino “Gonna Fly Now”, e não se preocupem: ele está lá e ouso dizer, no momento certo. Há espaço também para o score composto por Ludwig Goransson brilhar e trazer frescor, utilizando a mesma estética marcial com momentos de RB, música eletrônica e de reverência à obra de Bill Conti (o tema de treinamento consegue ser igualmente épico com coral e tudo o mais). Aliada ao score, há muito rap – o som proeminente nos esportes de luta hoje e já acrescentado no Rocky de 2006.E Stallone? É óbvia a compreensão que o ator tem acerca do seu personagem mais marcante e cuja perecibilidade torna-se mais presente; Rocky, mesmo mediocremente letrado, mas com sabedoria trazida pela vida, sabe que seu legado já está escrito e sua persona viva não tem mais importância, ainda mais ao perceber que suas amizades se foram, mostrado de forma triste e singela na sua conversa com as lápides de Adrian e Paulie – personagens de Talia Shire e Burt Young.
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Neste capítulo, é inevitável a certeza de que os anos de boxe de Balboa se foram, com suas costas quebradas e juntas duras. E o encontro de Rocky com uma geração mais nova é responsável por vários momentos engraçados, além de abertura para brincadeiras com a carreira do ator (a televisão na casa de Balboa, em certo momento, exibe Daylight – 1996). Humilde, Sly cede lugar para Jordan brilhar, como o irascível, mas igualmente terno pupilo, que também vê no treinador uma figura paterna. As únicas mulheres no elenco, as atrizes Tessa Thompson (Bianca) e Phylicia Rashad (Mary Ann), realizam um ótimo trabalho: Tessa não exerce uma função de muleta para o protagonista, atuando como uma mulher forte e, assim como Rocky, com a visão de um mal iminente no seu futuro que não a desanima, servindo como uma inspiração à Donnie. Já Mary Ann, mãe adotiva de Adonis, mesmo em poucas cenas, consegue transmitir a frustração de novamente carregar um boxeador e que, ao tomar a guarda, era muito mais a tentativa de ter um pouco de Apollo na sua vida novamente. E nesse clima atual de revisita a antigos clássicos, Creed é um filme que consegue homenagear respeitosamente a obra de 76, apresentando personagens profundos e dando uma despedida digna a um dos maiores personagens do cinema. “Fighting hard, fighting strong, fighting harder!”