Já vou logo avisando que não é fácil, muito menos divertido, assistir à nova produção da Netflix, que chega em um momento mais do que oportuno. ‘O Poço’ é uma dura, cruel e assustadora crítica social apresentada em metáfora, que fala sobre status quo de uma forma única e muito bem roteirizada. Angústia é a palavra que define os 90 minutos do longa espanhol, um dos títulos mais vistos da plataforma de streaming na última semana.
A história se passa numa espécie de prisão vertical, onde cada pavimento é dividido por duas pessoas. Do nível zero desce diariamente uma plataforma com um verdadeiro banquete para ser degustado pelos “presos”. Quem está em cima, aproveita o que há de melhor e à medida que a plataforma alcança os andares mais inferiores os demais precisam se contentar com os restos. O ataque à comida é animalesco e pior ainda é a regra tácita que rege esse mecanismo: os de cima não se importam com os de baixo.
O personagem principal é o único que demonstra um pouco de empatia pelos habitantes do poço e tenta mudar a realidade do local tentando convencê-los a comer basicamente o necessário para que a comida seja suficiente para todos. A tentativa frustrada vai desumanizando o recém-chegado, que logo percebe que, naquele ambiente, o diálogo não funciona. Decidido a fazer seu plano dar certo, ele inicia uma odisseia selvagem para tornar o ambiente menos desumano para todos.
O filme é perturbador por si só e retrata exatamente nossa infeliz realidade, onde tudo parece ser feito para manter o status quo. No ano passado, ‘O Poço’ levou importantes prêmios no Festival de Toronto, mas o longa ganhou ainda mais peso com toda a questão filosófica e sociocultural em que o mundo se encontra. Em meio a uma pandemia, cuja preocupação com o outro é de suma importância para que o número de infectados e mortos seja o menor possível, é de assustar como o egoísmo de muitos coloca tudo a perder e nos faz viver como gado, indiferente à dor alheia.
‘O Poço’ é difícil de ser digerido, mas definitivamente necessário. É o remédio amargo, a verdade nua e crua de um sistema formado e alimentado por todos nós. O filme é uma crítica social potente e um convite para que possamos sair das nossas bolhas em prol do coletivo. Não cobre respostas prontas desta produção, muito menos um final claro. O que vale é a reflexão do que estamos vivendo e de onde podemos chegar se nada for feito a tempo.
Heyder Mustafá é jornalista e produtor cultural formado pela UFBA, editor de conteúdo da GFM e Bahia FM, apresentador do Fala Bahia e apaixonado por cinema, literatura e viagens.
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