Rua Cloverfield, 10 é oportunista no seu título, sem sombra de dúvidas. Utilizando a palavra que batizava o longa original como branding e expandido-o como uma possível franquia é curioso, mas não configura-se como pecado, se analisarmos a natureza dos filmes em questão. Aproveitando-se mais uma vez da estratégia chamada 'mystery box', no qual tudo sobre o filme a ser lançado é mantido em segredo (quase) absoluto, J.J. Abrams mais uma vez consegue surpreender, dessa vez produzindo uma obra inusitada, mas fugindo dos esquemas que tornavam o Cloverfield original tão atrativo e tendo na sua atmosfera controlada seu maior trunfo, também. O longa de 2008 sobre uma criatura monstruosa que destrói Nova York quase sem esforço usava o found footage como estratégia de jogar o espectador no caos de uma metrópole sob ataque, e os ecos com 11/09 não eram poucos. Valendo-se de efeitos visuais usados de forma eficaz e um desenvolvimento de personagens parco (ainda que aceitável), Cloverfield tem seu lugar garantido como um dos mais competentes filmes de monstros realizados nesse século.
Pois, oito anos depois somos brindados com uma espécie de continuação que pouco guarda de semelhante com o visto anteriormente. Desde o início a sensação de isolamento é posta em prática e evoluída posteriormente como uma claustrofóbica situação de cativeiro, quando Michelle (Mary Elisabeth Winstead), após fugir de seu namorado, sofre um brutal acidente automobilístico numa estrada abandonada e acorda no bunker subterrâneo de Howard (John Goodman). O que parece mais uma simples premissa para qualquer torture porn torna-se uma complexa trama sobre um possível mundo pós-apocalíptico e a busca por sobrevivência, tanto do lado de dentro quando do lado de fora. Alicerçado em apenas três personagens principais – o outro habitante do bunker é o abobalhado e simpático Emmett – o maior mérito de Rua Cloverfield, 10 é tirar tensão diretamente de seus personagens e suas misteriosas motivações, sem cair em armadilhas do gênero a maior parte do tempo, beneficiado também pela incógnita que se tornou o mundo acima de suas cabeças. Felizmente, as interpretações estão em mãos confiáveis. Winstead assume aqui o papel da garota vulnerável em perigo, mas que parece se virar a qualquer custo e sobrepôr qualquer adversidade sem qualquer sinal de fragilidade psicológica, raramente relaxando sua expressão facial até em momentos brandos. John Gallagher Jr. torna Emmett não apenas no centro moral do filme, mas num alívio cômico que não força a barra. Entre os três, o destaque, obviamente, vai para o experiente e versátil John Goodman, uma figura que pode variar entre o a bondade carismática e monstruosidade perturbadora em questão de segundos. O filme pertence a ele por quase toda sua duração, e sua lógica distorcida é suficiente para reger o mundo que habitam de forma ditatorial, mas também passando segurança como única opção entre uma vida num metafórico aquário ou uma possível morte certa. Utilizando a paranoia nuclear como motivação dá ao filme um certo ar de anos 60/70, e, como a esmagadora maioria das boas produções dessa época, tudo é sustentado em diálogos bem escritos, o que é sempre um bom sinal. Rua Cloverfield, 10 é econômico na forma de construir seus momentos mais impactantes, e quando surgem tornam-se marcantes justamente pela calma e maturidade da direção do estreante Dan Trachtenberg. Por outro lado, tudo lá fora parece desolado e, até certo ponto, inabitável; mas quando o próprio título do seu filme entrega o conteúdo, é questionável até que ponto funciona a estratégia da tal “caixa misteriosa”. No fim das contas, temos aqui um filme cuja conclusão se mostrará problemática para alguns, mas para outros será a conclusão “lógica” de um filme que não muda seu rumo, mas foge da sua natureza para adequar-se a algo maior. Independente das conclusões tiradas ao término da projeção, é interessante pensar que podemos ter mais filmes com a marca “Cloverfield”, e, ainda mais intrigante, imaginar que venha num gênero completamente diferente e inesperado.
Foto: Divulgação |
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