Sinopse: Um ladrão humano embarca em uma aventura épica envolvendo os Deuses egípcios.
Deuses do Egito estava fadado ao fracasso desde que sua publicidade começou a poluir o universo. O suposto embranquecimento de seres mitológicos de descendência africana, os efeitos digitais claramente abaixo do orçamento necessário para realizar um filme desse porte e uma tendência ao kitsch já gritavam de forma óbvia a palavra "BOMBA".
Como resumir sua trama? Começa com aquela narração genérica explicando que do Egito vem a origem da vida, que Deuses conviviam com humanos, Rá (Geoffrey Rush) é o pai de Osiris (Bryan Brown) que era o rei bonzinho e, também, pai do folgado/herdeiro ao trono Hórus (Nikolaj Coster-Waldau, de Game of Thrones), mas que não conseguirá assumir seu posto porque seu tio general Bek (Gerard Butler, em modo 300) trairá geral. No meio desse bolo um humano trouxa (Brenton Thwaites) consegue se envolver em várias enrascadas e sua namoradinha termina morta, o que termina levando o coitado a precisar da ajuda do caído Hórus para retorná-la ao mundo dos vivos. E… acho que é isso, mas é o suficiente para saber que uma trama tão convoluta, bagunçada e repleta de tantos elementos arriscados dificilmente renderá coisa boa sendo feita por um estúdio mais preocupado com ingressos arrecadados em 3D e cartazes estampados por galãs de talento questionável.
O que nos remete ao diretor do filme, ironicamente nascido em Cairo. Alex Proyas já provou ter muito talento com a obra-prima Cidade das Sombras e que mesmo com materiais bizarros na mão, a exemplo de Presságio, o resultado final pode ser um filme aceitável. Por outro lado, Eu, Robô consegue resumir de forma mais digna o que deu errado com Deuses do Egito. Ainda que, aqui, o problema seja diferente, passando longe de ter uma estrela do porte de Will Smith, é quase impossível não enxergar todos os caminhos que o filme pega como uma das tentativas mais preguiçosas e caça-níqueis de capitalizar em cima de uma criação original para subvertê-la e transformá-la em algo não apenas errado, mas tão questionável sob qualquer ponto de vista que analise o atual gosto do público-médio e suas preferências ao ponto de desejar mal a todos que dão sinal verde para algo tão infame ainda ser realizado. Pense Fúria de Titãs. Pense Príncipe da Pérsia. Pense John Carter. Pense Imortais. Pense… apenas pense, pois os estúdios, pelo visto, desistiram disso faz um bom tempo.
Ainda assim, Proyas assume o desafio de cabeça erguida e com convicção no ridículo do que foi pago para realizar, deixando claro que o carnaval vai do começo ao fim sem o menor temor em pavonear, da sua esdrúxula direção de arte aos ridículos e inaceitavelmente ruins efeitos digitais que criam cidades e pirâmides mais irreais que qualquer animação da Dreamworks e metamorfoses de deuses em criaturas douradas que merecem causar risada extrema de tão bizarras. É quase impossível contar os diversos momentos em que estamos apenas testemunhando gráficos de videogame desfilando na tela, e em determinada cena, numa cachoeira, há uma rajada de água tão fake que só faltou um letreiro na tela pedindo desculpas. Derrapa também nas cenas de ação que variam entre mal filmadas e esquecíveis, além da montagem ser outro ponto preocupante, apressada para fazer as trolhas de tramas e subtramas andarem o mais rápido possível. Há aqui e ali algumas pitadas de cérebro por trás do crânio deformado desse filme, a exemplo das brincadeiras com aparatos voadores e até mesmo uma tendência a ópera espacial, mas nada que salve o filme de seus pecados.
Prejudicado por um roteiro que não tem a menor noção de como salvar os humanos da inanidade e transformar os deuses em algo além de caricaturas dignas de escárnio, as tentativas de comédia são sofríveis, as reviravoltas são seguidas numa cartilha de previsibilidades irritantes, todos os personagens parecem que foram jogados e grudados na mesma história a cuspe e não há um membro do elenco digno o suficiente de elevar o material em questão.
Gerard Butler talvez seja o maior nome entre os envolvidos, e é triste pensar isso, levando em consideração sua plena decadência desde uma interpretação idêntica vista no seu auge em 300 há mais de 10 anos passados. Nikolaj 'of Thrones' é mais uma dessas criaturas que Hollywood quer vender a todo custo como novo herói caucasiano bonitão de ação, mas que não convence e sabemos que é daqui pr’ali a começar a fazer filmes direto para vídeo. Infelizmente, a maior decepção vem do único ator afro-descendente do elenco: Chadwick Boseman é responsável por uma interpretação tão patética e artificial como Thoth que é praticamente impossível não observá-lo em tela sem querer um reembolso do ingresso. Sua ideia de como dar vida a um ser puramente lógico e pensante resume-se a caras, bocas e entrega de falas de forma automática. Daria menos raiva se soubéssemos que isso vem de um ator de talentos mais limitados, o que não é o caso.
Por fim, vale ressaltar que toda a polêmica envolvendo a questão racial do filme é justificada, mas estamos lidando com uma mitologia que pré-data o cristianismo e a re-imaginação desse período ao lidar com seres mitológicos não é algo tão fora do comum, ainda que seja inaceitável em pleno séc XXI o fato de estúdios aceitarem financiar apenas filmes protagonizados por caucasianos. Ei, ao menos não tem branco pintadinho de marrom, né, Ridley Scott? E vale lembrar: que diabos de mundo é esse em que a doutrinação ao Jesus branquelo é totalmente normal? Claro, é a lógica hollywoodiana furada de bombas por todo lado. Prossigamos, mas com fé em Deuses do Egito, para que possamos reduzir esse tipo de tragédia involuntária do cinema nos anos que estão por vir e que Alex Proyas consiga retomar os rumos de sua carreira.
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