O historiador paraguaio Ronald Léon Núñez, doutor em História Econômica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), é o autor do celebrado artigo “Sobre a pretendida neutralidade nas ciências sociais e a historiografia”.
As ponderações deste texto envolvem a Guerra do Paraguai, o maior e mais letal conflito ocorrido na América Latina, que colocou Brasil, Argentina e Uruguai, integrantes da chamada “Tríplice Aliança”, contra o Paraguai liderado por Solano López, entre os anos de 1864 e 1870.
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O artigo começa questionando se o espaço acadêmico, como muitos pretendem, é mesmo imune às ideologias e, portanto, o único a avançar no conhecimento científico rigoroso. Essa provocação se assenta no fato de que, para o autor, há estudiosos que defendem uma “Nova Historiografia” sobre aquele conflito, uma mudança de paradigma nos estudos históricos que, ao fim e a cabo, têm resultado em novos enfoques a respeito da guerra, uma renovação historiográfica mais “imparcial”, “isenta”, embasada tão somente em fatos comprovados “empiricamente”, sem ideologias ou paixões.
O próprio Núñez responde ao questionamento por ele formulado. Diz que nenhum historiador ou historiadora conseguirá analisar e narrar os fatos da forma como eles ocorreram, uma vez que, nas palavras do autor, “todos estamos metidos até o pescoço no rio da história.” Mas também é ele quem observa: todo historiador “tem, obviamente, a obrigação de ser exato quando expõe os fatos”.
A busca por essa exatidão, por complexa que pareça, deveria estar entre as principais preocupações de historiadores, jornalistas, escritores, enfim, das pessoas que se debruçam sobre a produção e a reprodução de discursos. Exemplo disso é o conjunto de narrativas a respeito da guerra entre o Hamas, a organização islâmica que governa a Faixa de Gaza, e que desde o último dia 7 de outubro lançou a maior ofensiva em anos contra Israel, seu inimigo histórico.
Tão logo os conflitos explodiram, cresceu a procura por livros que tratam das suas origens e desdobramentos. Na plataforma Amazon, o título “"Israel x Palestina: 100 Anos de Guerra" (Edipro, 2017), de James L. Gevin, aparece entre os mais procurados por leitores de todo o mundo.
Professor especializado em história do Oriente Médio, Gevin traça uma linha do tempo desde o sionismo do século XIX até a chamada “esperança dos anos 1990”, com importantes referências para uma melhor compreensão dos fatos históricos. Embora bastante elogiado, o livro não escapa às críticas. Parte dos especialistas no tema defende que o autor não é neutro, tendendo a abordar os conflitos a partir de um ponto de vista “particular”, mais alinhado ao lado palestino da questão.
Mais recente, embora não menos polêmico, “A Guerra do Retorno” (Editora Contexto, 2021), dos israelenses Adi Schwartz e Einat Wilf, parece seguir noutra direção. O livro oferece uma versão mais alinhada ao ponto de vista de Israel, país onde a obra teve grande repercussão.
Em artigo para o jornal Folha de São Paulo do dia 8 de outubro de 2021, o jornalista Carlos Graieb escreveu que a obra “apresenta uma receita para pôr fim ao conflito entre israelenses e palestinos”, a partir da rejeição do direito destes últimos a retornarem à “terra que seus pais e avós deixaram desde a guerra que se seguiu à fundação do Estado de Israel, em 1948”. Graieb afirma que o livro, apesar dos méritos, não cumpre a promessa de oferecer a solução para os conflitos e, portanto, para o restabelecimento da paz na região.
Novamente invocando Ronald Léon Núñez, autor citado no início deste texto, destacamos, para encerrar, o que ele escreve sobre os historiadores e as suas posições ideológicas: “independentemente se o autor admite ou não, toda análise histórica é e será sempre ideológica. Todo historiador, consciente ou inconscientemente, ao escrever, estará fazendo política (…). ” Resta, ante essa afirmação, a certeza de que a melhor saída continua sendo o confronto… de informações e pontos de vista.
Ricardo Ishmael
Ricardo Ishmael
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