E, de repente, correu à boca pequena o boato de que o “livro proibido” havia chegado à cidade. Pode-se imaginar como, a partir daquele momento, ficamos nós, adolescentes, ante a possibilidade de que, muito em breve, teríamos a chance de descobrir quais mistérios guardavam páginas tão famosas e, ao mesmo tempo, tão malvistas.
Criou-se um rebuliço entre meninas e meninos, estudantes do Colégio Estadual Rubem Nogueira. Eram comuns, nos intervalos das aulas, grupos de alunos reunirem-se no pátio, nos corredores, na caixa d’água ou, ainda, nos vários bancos da Praça Morena Bela para conjecturar a respeito dos segredos do “livro proibido”.
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“Deve ter gente pelada”, diziam uns. “Certeza que tem sexo no meio”, outros garantiam. Assim, pois, de palpite em palpite, ampliávamos as especulações sobre a obra até ali desconhecida por todos nós.
O mistério desfez-se em 27 de novembro de 1985, mesmo dia da passagem do Cometa Halley. Foi quando, esbaforido, um dos estudantes do antigo segundo grau invadiu o pátio do colégio, na hora do recreio, com o livro embaixo do braço.
Havia surrupiado do irmão mais velho que trouxera da capital. Não havia nudez explícita, sexo, nem mesmo passagens picantes. Ao contrário. Havia o forte relato de uma adolescente lutando contra as drogas e a prostituição. Christiane F.- 13 anos, drogada e prostituída, de Kai Herrmann e Horst Rieck, escrito em 1978, virou um fenômeno mundial ao mostrar o drama de uma jovem obrigada a lidar com a separação dos pais, abusos, e a dependência em heroína.
A expectativa em torno do “livro proibido” justificava-se: nós, adolescentes serrinhenses, estudantes da escola pública nos anos 1980, alheios a qualquer debate formal sobre educação sexual, projetávamos nossos desejos, anseios e curiosidades na chamada “literatura erótica”.
Era como se, naquelas páginas, estivessem as respostas para dúvidas comuns à juventude da época. O problema, porém, estava na censura formal (e moral!) às obras eróticas. Dados da Divisão de Censura de Diversões Públicas indicam que, somente na década de 1970, 471 obras foram censuradas no Brasil. Com o fim da ditadura militar, o cenário mudou e o mercado de livros eróticos explodiu.
Não existem levantamentos precisos sobre o total de autores, obras eróticas e o quanto esse segmento representa em termos de faturamento para o mercado editorial baiano e brasileiro. Sabe-se, entretanto, que a mulher é a principal produtora e consumidora de literatura erótica em nosso país. É o que nos informa Mariana de Lima Weege, da Universidade Federal de Santa Maria. Segundo ela, isso se dá, entre outras razões, por que “as obras a partir do olhar das escritoras possibilitam às personagens femininas o papel de destaque e protagonismo, sendo elas repletas de vontades e prazeres verídicos”.
Exemplo desse protagonismo é a coletânea “Érotica: Versos Lésbicos”, que reúne oitenta poetas “sapatonas/es e bissexuais” de vários estados do Brasil, incluindo a Bahia. A obra, lançada pela Editora Tucum, traça um panorama da poesia erótica no país a partir do “olhar sapatão”.
Todos os textos do livro são referenciados pelo debate proposto pela escritora, feminista, negra e lésbica Audre Lorde. Para ela, o erótico é um conhecimento profundo e irracional, e a força das suas conexões pode ser profundamente revolucionária. Citando Lorde, Adriele do Carmo, uma das poetas e organizadoras da coletânea, afirma que o erótico é a punção de existência que “nos faz permanecer vivas e com vontade de realizar. ”
Consagrada no gênero, com 57 livros publicados e mais de 430 mil exemplares físicos vendidos, a baiana Tatiana Amaral é o que o mercado editorial chama de autora best-seller. Ela explica que, diferentemente de pornografia, a literatura erótica não é um manual de sexo, mas uma maneira de trazer questões sexuais para dentro de uma história, permitindo a quebra de tabus.
“Aquilo que foi impedido para muitas mulheres, está sendo ensinado agora. É como se a gente pudesse conversar numa roda de amigas. E isso é libertador! ”, afirma Tatiana.
Confira vídeo com as escritoras
Ricardo Ishmael
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