Todo fim de ano é a mesma história. Balanços, metas, planos. Passamos em revista o que se fez, o que se realizou, os objetivos alcançados, aqueles que abandonamos. Se não cumprimos o que foi prometido, frustração na certa. “Esse ano não deu, mas ano que vem eu faço”, “não tive tempo”, “tantas coisas aconteceram”, etc, etc, etc.
Planos factíveis como perder peso, guardar dinheiro, parar de fumar, estudar para concurso público costumam ocupar o topo das listas de intenções da maioria das pessoas. Mas há, também, as promessas mais “difíceis”, de “resolutividade mais complexa”, como dizem alguns psicólogos, e muitas delas beiram a infantilidade: “prometo fazer tudo diferente no ano novo”. Óbvio que “fazer tudo diferente” é praticamente impossível.
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Ninguém jamais conseguirá fazer tudo diferente assim, de um ano para o outro, como se dependêssemos apenas de vontade. Vontade é ponto de partida, mas requer ações concentradas, e o nosso campo de ação é limitado, também dizem os psicólogos. Por isso é tão perigoso organizar metas baseadas em idealizações.
Quanto menos factíveis forem essas metas, mais frustração poderemos sofrer ao nos darmos conta da nossa incapacidade em alcançá-las por inteiro. É o perigo de “(…) estabelecer metas intangíveis e sem base na realidade”, como diz a psicóloga e professora Natália Ferracioli.
Pensava nisso enquanto escrevia esse último texto da coluna Clube do Livro de 2023. Quais planos realizei? Quais metas ficaram para trás? E o que posso tirar de lição para o próximo ano?
Considero ter conseguido realizar parte importante das minhas metas: mais uma viagem internacional, a publicação de um novo livro infantil (“O Pequeno Príncipe das Águas e a Terrível Baleia Branca”), o retorno à terapia. Também voltei ao pilates e à prática de outra atividade física (corrida), modifiquei a minha alimentação, fiz aulas de yoga e meditação. Certo, parte importante dos planos foi cumprida.
Porém (sempre tem um porém!), uma outra ficou para depois. Por exemplo: planejei lançar o meu primeiro romance, “Um canto de amor para Darlene”, o que não aconteceu. Planejei ampliar o raio de alcance da minha editora, a Mojubá Editora, de modo a publicar outros autores e autoras, o que também não foi possível.
Prometi que passaria 15 dias em retiro artístico em alguma praia isolada do nosso litoral. Consegui, aos trancos, passar uma semana em semi-isolamento. Nenhuma dessas metas não cumpridas me causou grande frustação, é fato, mas fui levado a refletir sobre o que teria causado esses “insucessos”, no que fui imediatamente advertido pela minha terapeuta.
“Metas inalcançadas não significam necessariamente insucessos”, ponderou ela. “Talvez elas falem mais sobre as suas expectativas do que sobre as suas incapacidades”. Provocado pela terapeuta, comecei a pensar nos projetos que não estavam originalmente na minha lista de planos para 2023 e que foram realizados. Achei um tantão de coisas! Destaco, aqui, apenas duas delas, e os seus desdobramentos. A primeira foi o documentário sobre o Bicentenário da Independência do Brasil na Bahia.
Fui convidado a tomar parte nesse projeto, participei da elaboração da pauta, apontei nomes de pessoas que poderiam ser entrevistadas no filme, viajei para Brasília e para várias outras cidades para fazer a reportagem, ancorei um programa ao vivo no dia 2 de Julho em homenagem àquela data cívica, sugeri a realização da Caravana do Bicentenário, que foi aprovada e aconteceu, e, por fim, ganhei com a minha equipe um prêmio nacional exatamente por conta desse documentário.
Não posso esquecer do título de Cidadão Cachoeirano que recebi, já nesse fim de ano, também por causa do filme. O segundo projeto não planejado, mas que resultou noutro grande sucesso, é este Clube do Livro. O que era uma simples ideia inicialmente levantada por mim e pela coordenadora do iBahia, Danutta Rodrigues, tornou-se a primeira coluna semanal dedicada unicamente ao universo do livro e da leitura criada por um portal de entretenimento da Bahia. Já rendeu até um primeiro videocast! Quanta coisa, hein?!
“É sobre olhar o copo meio cheio ou meio vazio”, concluiu a minha terapeuta. Pensei em terminar esse texto com essa frase, uma metáfora sobre as perspectivas da vida, quando algo curioso aconteceu. Estava sem ideia para o título quando, de repente, olhei para a estante de livros sobre o meu computador. Fui direto num deles, “Feliz Ano Velho”, de Marcelo Rubens Paiva, o clássico brasileiro dos anos 1980.
Depois de refletir, achei que seria pouco original emprestar ao meu texto o título daquela obra escrita há mais de 40 anos. Ao retirar o livro da prateleira, deixei que ele escapasse da minha mão. Caiu com as páginas abertas em cima do meu teclado. O trecho de um capítulo gritou aos meus olhos: “Olhar para trás não adianta. O passado aconteceu, foi bom, mas não volta mais. Agora a gente tá noutra.” Existe, pois, título melhor? Feliz 2024!
Ricardo Ishmael
Ricardo Ishmael
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