A inspiração para criar uma obra é sempre algo de múltiplas gêneses. No caso do espetáculo “A Alma Imoral”, nasce da casualidade. O acaso, certamente, já estava escrito nas estrelas, quando sincronizou o encontro entre o escritor e rabino Nilton Bonder e a atriz carioca Clarice Niskier, no estúdio de um programa de tv que abordava o tema religião. Durante a entrevista, a essência visionária e ecumênica da artista lhe conduziu a se declarar uma “judia budista”; naquele momento foi contestada por uma telespectadora como um sincretismo inviável. Porém, possível, sob o prisma espiritualista do rabino, que saiu em defesa de Niskier e, logo após, a presenteou com o livro que deu origem e título à sua peça, que há mais de 16 anos percorre os palcos do Brasil. Em Salvador, já é a quinta vez.
A transposição do livro “A Alma Imoral” para o teatro dribla a ausência de ação dramática do texto através da interpretação, da movimentação, do figurino, da iluminação e da música. Com um desenho de cena minimalista, uma cadeira e um manto preto, a atriz vai tecendo sua narrativa. Movida pela concepção do diretor Amir Haddad, ela se orienta por uma perspectiva naturalista - abdicando das convenções de tipos e personagens. Para além da nudez literal, há o desnudamento estético, filosófico, artístico e espiritualista da alma. E é especialmente no discurso que se constrói um fluxo de uma consciência dinâmica.
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“As histórias que vocês vão ouvir aqui hoje, não as escutem com raciocínio e também não as escutem com ponderação, mas deixem se levar por elas. E deixem se levar por elas, paradoxalmente, sem acreditar, entendendo-as como uma expressão figurada, para não serem tolos. Mas, ao mesmo tempo, sem desconsiderá-las, não as atribuindo uma qualidade totalmente ilusória, para não serem perversos. Existem certezas anteriores à razão e é delas que vamos falar”, alerta a atriz logo na abertura. E é justamente por conta desse jogo intrincado e repleto de filosofia, fábulas, passagens bíblicas, poesia e metáforas que o público também é autorizado por ela a ficar à vontade para pedir a repetição de algum dos trechos da peça.
O espetáculo aborda a conexão com a nossa subjetividade e a nossa espiritualidade, extrapolando a estrutura institucional e ideológica religiosa. As citações de passagens bíblicas atravessam essa narrativa sob uma perspectiva filosófica. O que é dito, embora possa se relacionar com um teor ortodoxo, nos provoca a refletir. A nudez, simbolicamente, traz em si um manancial de interpretações, de transgressão, de quebra de tabus, de libertação do corpo e da alma. Um manifesto contra as imposições morais, de padrões estéticos, sociais e culturais. Um exercício do desapego e da desconstrução da vaidade. A nudez da alma de Clarice Niskier convoca o público a pensar sobre tudo que nos aprisiona. Por isso, lembro aqui Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas: “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”
Espetáculo “A Alma Imoral”
- Quando: 16, 17, 18 de setembro
- Horários: sexta, às 21h; sábado, às 17h e 21h; e no domingo, às 19h.
- Onde: Teatro Jorge Amado
- Duração: 80 minutos
- Classificação Indicativa: 16 anos
- Os ingressos podem ser adquiridos no site Sympla e na bilheteria do Teatro Jorge Amado
- Ingressos: R$ 120/R$ 60 (Plateia) | R$ 100/ R$ 50 (Balcão)
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Arlon Souza
Arlon Souza
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