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DE RESENHA

Coletivo DUO leva o teatro baiano onde o povo está

Comemorando 13 anos de fundação, grupo apresenta gratuitamente espetáculos no bairro do Rio Vermelho e em 13 municípios da Bahia

Arlon Souza • 10/02/2023 às 18:00 • Atualizada em 18/02/2023 às 0:04 - há XX semanas

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					Coletivo DUO leva o teatro baiano onde o povo está
Foto: Divulgação / Diney Araújo

Projetos de circulação de espetáculos de teatro por bairros de Salvador e em municípios do Interior deveriam ser um programa permanente de política cultural da Bahia, a exemplo do que faz o SESC nacionalmente com o projeto Palco Giratório e também o projeto itinerante Emcena Brasil, da Cia. Abaréteatro e Associação Abaré Arte em Cena, sediada em Itanhaém (SP).

Enquanto isso não se torna realidade, o público baiano tem a oportunidade de conferir o projeto de circulação DUO 13 anos, do Coletivo DUO, que reúne uma série de apresentações gratuitas em municípios como: Salvador, Itabuna, Camacan, Canavieiras, Ilhéus, Rio de Contas, Andaraí, Morro de Chapéu, Lençóis, Ribeira do Pombal, Tucano, Cícero Dantas e Euclides da Cunha.

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Cinco espetáculos estão no repertório: “O Barão das Árvores”, “Em busca da Ilha Desconhecida”, “Jonas: dentro do grande peixe”, “Memórias do Fogo” e “O Caminho dos Mascates”, este último com sessões de hoje até domingo (12), às 16h, no Largo da Mariquita, Rio Vermelho. As novidades da programação podem ser conferidas no instagram @coletivoduoteatro

Criado em 2010 pelos multiartistas Saulus Castro e Jonatan Amorim, o Coletivo DUO realiza ainda oficinas de teatro e ações de mediação teatral para alunos de escolas públicas do estado. Além dos fundadores, formam atualmente o coletivo Marcos Lopes, Israel Barretto e Denisson Palumbo. A direção de “O Caminho dos Mascates” é de Elisa Mendes.

O projeto foi contemplado pelo Edital Setorial de Teatro em 2019 e tem apoio financeiro do Governo do Estado, através do Fundo de Cultura, Secretaria da Fazenda, Fundação Cultural do Estado da Bahia e Secretaria de Cultura da Bahia.

Vamos à entrevista!

ARLON SOUZA - A Bahia é muito carente em ações e iniciativas de circulação pelo Interior e de turnês nacionais? Que impactos artísticos e sociais você percebe em projetos de circulação como este do Coletivo Duo?

SAULUS CASTRO - Sem dúvida. Já era uma demanda percebida pelo grupo mesmo antes de 2019, quando começamos a elaborar o projeto DUO 13 ANOS. Estive em outras apresentações pelo interior da Bahia com outros projetos e grupos e nunca tive nenhum outro público tão participativo e integrado com a obra como nas cidades do interior, desde propostas mais performativas a espetáculos com uma dramaturgia mais linear. A circulação e difusão, em minha percepção, é de extrema importância pois amplia as nossas possibilidades enquanto mirante-espelhos, “sair da ilha para ver a ilha”, furar a bolha, sair do grande peixe que nos engole. (...) esse movimento mobiliza não somente a nós mesmos e quem assiste aos espetáculos, mas a própria dinâmica do lugar, na relação com os diferentes territórios, as pousadas/hotéis, o transporte, os restaurantes, as escolas. A arte, a cultura é sempre um transformador de realidade e criador de possibilidades; elas preveem futuros que somente elas podem vislumbrar, além, obviamente, da cadeia econômica que mobiliza.

ARLON SOUZA - Esse projeto é de circulação de espetáculos, mas também de mediação cultural e de atividades formativas? Por que é importante organizar assim esse conjunto de ações?

SAULUS CASTRO - Sim. Em nosso fazer de grupo venho percebendo essa importância, que é isto o que chamo de tripé do projeto: fazer (atividades formativas), fruir (espetáculos) e formar (mediação). Não temos uma política efetiva de formação de plateia. Inclusive, nas apresentações que fizemos na rua agora em Janeiro e Fevereiro as pessoas perguntam se é pra elas, se elas podem sentar nas cadeiras. É nisso que percebo como estamos engolidos pelo grande peixe do nosso fazer. Por isso é extremamente importante que democratizemos e acessibilizemos as nossas propostas. A mediação cultural é meu xodó porque é o momento em que encontramos públicos que, 85% deles, nunca foram ao teatro ou foram há muito tempo.

ARLON SOUZA - Falando em acesso à cultura e à produções teatrais, qual a sua visão sobre este cenário na Bahia?

SAULUS CASTRO - A Bahia é imensa. As Bahias. Conheço muita gente criando e produzindo teatro nas diversas cidades da Chapada Diamantina, no Vale do São Francisco, Vitória da Conquista, Jequié, Ilhéus, Barreiras, e não somente teatro, mas também Dança, performance, audiovisual, circo, música. Uma imensidão de outras fazedores que desconheço. O acesso precisa ser percebido e praticado sempre em mão dupla, de lá pra cá, de cá pra lá. E há muitos modos de se fazer isso: há quem só consiga assistir um espetáculo produzido em Salvador quando projetos como o nosso buscam circular pelo Estado, nós só conseguimos assistir espetáculos de outras cidades quando estes vêm pra cá. Vivenciar as obras em seus territórios é também uma experiência completamente diferente pois não se trata apenas da obra em si, mas do lugar e das histórias daquele lugar. Mas basta conversar com os artistas, produtores culturais, coordenadores de equipamentos culturais no Estado para compreendermos que a situação de descaso é grave e muito séria. É uma irresponsabilidade e indiferença, mesmo. A pandemia deixou estas vísceras todas à mostra, de como não estava assegurada nem mesmo a sobrevivência de artistas e equipamentos.

ARLON SOUZA - Sempre foi uma agenda do grupo ir para as ruas, praças e espaços públicos? O Teatro fica mais democrático quando ocupa espaços públicos?

SAULUS CASTRO - O Teatro é democrático por natureza. O que acontece é que muitas vezes ele não é acessível. E não somente por conta do teatro, mas por uma relação com diversos outros contextos. Quem mora em Paripe tem tranquilidade de sair às 19 horas para assistir a um espetáculo às 20 horas no Campo Grande e voltar, de transporte público, às 21:30, 22 horas? Vivemos um Estado de terror democrático. Saímos de casa já com medo, da violência, dos atropelos, da dificuldade de transporte e, mesmo, da falta de conhecimento de que aquele evento está acontecendo. Nestas apresentações que realizamos pelo DUO 13 ANOS este tem sido o comentário geral, “nunca vi nada desse jeito acontecendo aqui”. Acredito que não se trata de uma agenda do grupo, mas de uma necessidade de, neste momento, irmos ocupar as ruas, com todas as dificuldades técnicas, artísticas e logísticas que isso gera nas condições que fazemos.

ARLON SOUZA - O Teatro da Bahia tem ido aonde o povo está? Como tem sido o diálogo com os bairros populares e com o interior da Bahia?

SAULUS CASTRO - Muitas vezes leva-se um espetáculo para um equipamento cultural nos bairros mais descentralizados na cidade, mas não há público. Este trabalho junto aos públicos precisa ser coordenado desde as infâncias. E aí, sim, digo pra você que esta é uma agenda do Coletivo Duo. Vamos executar um projeto aprovado via Lei de Incentivo Fiscal agora em 2023 que tem este viés, a mediação teatral e a relação com as infâncias. Como criar gosto por algo sem vivenciá-lo? Então, pra mim, o povo está em todos os lugares. As dinâmicas de relação com estes diversos públicos é que precisa ser pensada caso a caso. Pra mim uma pergunta nunca tem uma resposta simples porque acredito que a existência é complexa, as sociedades contemporâneas são ainda mais complexas, com relações ainda mais velozes e voláteis, e não podemos pensar e exercer uma prática artística ou qualquer outra dissociada da realidades de seu lugar. Mas se você quer uma resposta mais direta eu digo, não, o teatro não tem ido aos bairros mais descentralizados, muito menos circulado pelos 417 municípios baianos.

ARLON SOUZA - Vocês escolheram dois bairros bem turísticos de Salvador para as apresentações? Por que Ribeira e Rio Vermelho?

SAULUS CASTRO - Olha, eu discordo, queríamos ampliar nossas ações na cidade, por isso escolhemos Paripe, Cajazeiras, Itapuã, Bonfim, e, nestas apresentações de Fevereiro com o espetáculo “O caminho dos mascates”, na Ribeira (que ainda assim apresentamos numa praça mais pra dentro do bairro, na Madragoa) e o Rio vermelho. Então, destes seis lugares escolhidos, na minha percepção, somente o Rio Vermelho tem este viés turistificado. É bom sempre termos em percepção que quando falamos Ribeira não há somente a orla da Ribeira, assim como quando falamos Bahia, há muitas Bahias.

ARLON SOUZA - "O Caminho dos Mascates" também é apresentado em teatros. Ter a rua como palco provoca quais mudanças no espetáculo?

SAULUS CASTRO - “O Caminho dos Mascates" nasceu para rua. Esta era a primeira ideia desde quando pensamos no projeto. Por uma questão de segurança sanitária devido à pandemia, realizamos ele virtualmente e logo depois na arena do Sesc Pelourinho. Então, não há mudanças, mas ajustes técnicos que precisam ser levados em conta. Fora isso, agora sim, O Caminho dos Mascates está em seu lugar primordial.

ARLON SOUZA - O que se transforma quando o artista ocupa os espaços públicos e se comunica com públicos que nem sempre vão ao teatro?

SAULUS CASTRO - Para um artista como eu, tudo se transforma. Eu moro na Boca do Rio e ainda hoje (08/02), ao voltar com minha filha da escola dela, um homem me parou na rua: “Ei, você faz teatro? Eu te vi numa apresentação dos Mascates na Madragoa, estava lá com meu filho, ele tirou fotos”. Bom, isso me transforma. Mas além daquilo que já falei sobre a ocupação dos espaços públicos e da atenção com os direitos e deveres democráticos que temos, ninguém sai ileso de uma vivência artística. (...) Para quem nunca foi ou nem sempre vai ao teatro, fica em mim a impressão de que nós artistas podemos “tirar de onde não tem e botar onde não cabe”. E isso me entusiasma porque a Arte sempre cria possibilidades.

ARLON SOUZA - O artista deve ir aonde o povo está? Deve fazer esse movimento e ir na direção desse encontro?

SAULUS CASTRO - Arte é entusiasmo. Acredito que ela não deve nada. E esta é sua grande potência. Se há uma mobilização, como houve em nós, de dialogar com espaços alternativos e com públicos diversos percebo que isto só pode gerar e agregar potências. Mas claro, é importante também estarmos atentos ao nosso contexto, ao contexto do país, ao contexto global. E quando olho pra trás, naquele mirante-espelho que é o meu percurso como Ser e como artista e no que é o percurso do Coletivo Duo, é inegável que sempre caminhei na direção desse encontro, das pessoas que na maior parte da história oficial não tem voz.

ARLON SOUZA - Qual o grande sonho a realizar com o trabalho de vocês?

SAULUS CASTRO - Olha que interessante esta pergunta. O primeiro espetáculo que dirigi trata de um Homem que quer um barco para ir em busca de uma ilha desconhecida. Que ilha desconhecida é esta senão este próprio Homem, o próprio Ser? O grande sonho é manter-me sempre à escuta para que possa sempre dialogar com as pessoas, me aprender mais; ter a possibilidade de um barco navegável para sempre estar em busca de ilhas desconhecidas. Afinal, assim como a vida, toda obra, todo espetáculo, todo projeto, todo encontro assim o é. O grande sonho coletivo do Coletivo Duo é manter-se sempre na busca pelo sonho.

Confira abaixo as próximas apresentações do Coletivo DUO:

  • O quê: Coletivo DUO 13 anos - temporada do espetáculo “O Caminho dos Mascates”
  • Quando e onde: de 09 a 12/02, Largo da Mariquita, Rio Vermelho
  • Horário: 16h
  • Quanto: gratuito
  • Classificação: livre
  • Mais informações através do instagram @coletivoduoteatro

				
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