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Fabiano Lacerda

Independência ou morte, dentro e fora de nós

O paradoxo da liberdade nas relações

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Fabiano Lacerda

02/09/2025 às 10:43 - há XX semanas
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Alguns dias atrás, estava conversando com uma das pessoas que me relaciono sobre como cuidado e controle andam sempre de mãos dadas, e percebemos como esse assunto retorna o tempo todo, atravessando tudo, das relações mais íntimas às mais banais. Não é à toa que, às vésperas do 7 de setembro, essa discussão volta ainda mais forte. Todos sabemos que a independência do Brasil começou de fato na Bahia, no 2 de julho, marcada por batalhas, sangue e resistência. O grito do Ipiranga, em São Paulo, foi quase uma encenação do que já estava decidido, uma espécie do que hoje chamaríamos de instagramável. Entre o esforço real e a imagem construída, a independência já nascia atravessada pelo paradoxo entre cuidado e controle.


					Independência ou morte, dentro e fora de nós
Independência ou morte, dentro e fora de nós. ​Foto: Freepik

Na relação entre pais e filhos isso fica evidente. O cuidado de alimentar, proteger, oferecer abrigo, vem acompanhado do controle que dita regras, horários, caminhos. Isso vale para os pets, temos a ilusão do controle ao guiá-los com as coleiras, mas ao mesmo tempo garantimos cuidado constante, ou quem sabe, mantê-los dentro de casa é restringir sua liberdade em nome da proteção, porque deixá-los sair é reconhecer sua autonomia, ainda que isso o exponha a riscos. Filhos ou animais, todos nos colocam diante do dilema entre a liberdade e a segurança, entre o voo e a gaiola. Amar ou proteger demais pode ser o mesmo que aprisionar. E é aí que a ideia de independência encontra sua dimensão íntima: vida só floresce no espaço da liberdade.

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					Independência ou morte, dentro e fora de nós
​Foto: Freepik

Nas relações românticas, o dilema se torna ainda mais delicado. O desejo de cuidar pode facilmente se confundir com a ânsia de dirigir, decidir, controlar. É nessa chave que a música Nada Por Mim, de Paula Toller, do Kid Abelha, ganha sentido: "Não faça nada por mim, não vá pensando que eu sou seu, você me tem fácil demais". Ali está o retrato de um amor onde o controle se impõe, mas o cuidado esvazia, restando apenas a sensação de posse. É justamente por isso que questiono o amor romântico tal como nos foi ensinado, esse ideal monogâmico que promete proteção, mas tantas vezes aprisiona. Quantos não adoecem tentando caber na forma de um amor que se confunde com vigilância e controle?


					Independência ou morte, dentro e fora de nós
​Foto: Freepik

No campo profissional, a ambiguidade também aparece. O plano de saúde que a empresa oferece é cuidado ou é controle? Proteção ou vigilância? Até no trabalho autônomo essa mistura se mantém. Quando envio um formulário antes de um atendimento, há acolhimento e interesse genuíno, mas também organização, coleta de informações, direção. É controle que veste a roupa do cuidado, e ainda assim quem recebe se sente protegido.


					Independência ou morte, dentro e fora de nós
​Foto: Freepik

O mesmo vale na relação com a tecnologia. Muitos esperam que uma inteligência artificial aponte o caminho, como antes esperavam de pais, professores, amores, líderes. É a tentativa de aliviar a angústia de escolher, de fugir do peso da liberdade.


					Independência ou morte, dentro e fora de nós
​Foto: Freepik

E talvez a camada mais complexa seja a relação consigo mesmo. Cada gesto de autocuidado, exercício, alimentação, saúde mental, também carrega uma dose de controle. Há partes de nós que querem ser cuidadas, outras que querem controlar, e outras ainda que resistem a ambos. Queremos ser livres, mas não suportamos a vertigem de não segurar as rédeas. Quando nos sentimos descontrolados, algo em nós despenca.


					Independência ou morte, dentro e fora de nós
​Foto: Freepik

Talvez por isso tantas pessoas desejem secretamente que alguém lhes diga o que fazer. Porque a liberdade assusta. O voo precisa de espaço vazio, e o vazio apavora. É mais confortável aceitar a gaiola, com comida, segurança, rotina. Mas a gaiola mata o voo, e com ele a vida que pulsa.


					Independência ou morte, dentro e fora de nós
​Foto: Freepik

Independência não é conforto. É luta, escolha, travessia. O que começou na Bahia e foi encenado às margens do Ipiranga mostra que toda independência é sempre disputa e imagem, cuidado e controle, coragem e encenação. E talvez seja hora de nos perguntarmos: diante do amor, das relações, do trabalho, da vida consigo mesmo, o que realmente queremos?

Independência ou morte, dentro e fora de nós.

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